Desolação
Nas linhas das palmas das tuas mãos
foi escrito o destino do sol
Nasce,
ergue a tua mão -
a longa noite está a sufocar-me.
Cabul,
Junho 1994
(versão minha, a partir da tradução inglesa de Sarah Maguire e de Yama Yari que pode ser lida aqui).
domingo, 29 de novembro de 2009
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
Sam Hamill
O poema de Nova Iorque
Sento-me na escuridão, não exactamente
para meditar, nem para esperar pelo amanhecer
que está mesmo a surgir, às seis e vinte e um,
por detrás das árvores na luz cinzenta de Outubro.
Sento-me, respirando, a mente às voltas no seu turbilhão.
Hayden escreve, "Para que serve a poesia
em tempos como estes?" E eu julgo
entendê-lo quando diz, "Um poeta
não pode simplesmente retirar
qualquer sentido de tamanha carnificina."
Porém, no esmagamento do horror,
eu retorno à poesia, não à prosa,
para que me ajude a chegar a um entendimento -
tanto quanto possível - com as mentiras, os assassínios
e as hipocrisisas sufocantes
desses que hão-de liderar uma nação
ou uma igreja. "Para que serve a poesia?"
No dia doze de Setembro
de dois mil e um da Nossa Era
eu sentei-me e li Rumi e beijei o chão.
E agora que milhões morrem à fome
em nome da guerra santa? Qualquer guerra
é santa. Eis a perpétua e patética história
da qual derivamos
em "bíblicas proporções".
Oiço as passadas de Pilatos vibrando
nas lajes, a voz de Joe McCarthy
a praguejar no senado, a "Fat Boy" explodindo
enquanto o céu inteiro estremece.
Na cidade de Nova Iorque os estrondos
e os colapsos subsequentes
originaram ondas sísmicas. Para começar a falar
dos mortos, dos moribundos... como
pode um poeta falar de "proporção" uma vez mais
que seja? No entanto, como disseram os antigos gregos,
"Caminhamos sobre as faces dos mortos."
O escuro céu outonal torna-se azul.
Sozinhos entre cinzas e ossos e ruínas
Tu Fu e Basho escrevem o poema.
O último traço de raiva cega desvanece-se
e uma tristeza muda instala-se,
como pó, para o longo, muito longo caminho. Mas se
eu não me levantar e cantar,
se não me levantar e dançar de novo,
os bárbaros vencerão.
Beijarei, se necessário, a espada que me rouba a vida.
Sento-me na escuridão, não exactamente
para meditar, nem para esperar pelo amanhecer
que está mesmo a surgir, às seis e vinte e um,
por detrás das árvores na luz cinzenta de Outubro.
Sento-me, respirando, a mente às voltas no seu turbilhão.
Hayden escreve, "Para que serve a poesia
em tempos como estes?" E eu julgo
entendê-lo quando diz, "Um poeta
não pode simplesmente retirar
qualquer sentido de tamanha carnificina."
Porém, no esmagamento do horror,
eu retorno à poesia, não à prosa,
para que me ajude a chegar a um entendimento -
tanto quanto possível - com as mentiras, os assassínios
e as hipocrisisas sufocantes
desses que hão-de liderar uma nação
ou uma igreja. "Para que serve a poesia?"
No dia doze de Setembro
de dois mil e um da Nossa Era
eu sentei-me e li Rumi e beijei o chão.
E agora que milhões morrem à fome
em nome da guerra santa? Qualquer guerra
é santa. Eis a perpétua e patética história
da qual derivamos
em "bíblicas proporções".
Oiço as passadas de Pilatos vibrando
nas lajes, a voz de Joe McCarthy
a praguejar no senado, a "Fat Boy" explodindo
enquanto o céu inteiro estremece.
Na cidade de Nova Iorque os estrondos
e os colapsos subsequentes
originaram ondas sísmicas. Para começar a falar
dos mortos, dos moribundos... como
pode um poeta falar de "proporção" uma vez mais
que seja? No entanto, como disseram os antigos gregos,
"Caminhamos sobre as faces dos mortos."
O escuro céu outonal torna-se azul.
Sozinhos entre cinzas e ossos e ruínas
Tu Fu e Basho escrevem o poema.
O último traço de raiva cega desvanece-se
e uma tristeza muda instala-se,
como pó, para o longo, muito longo caminho. Mas se
eu não me levantar e cantar,
se não me levantar e dançar de novo,
os bárbaros vencerão.
Beijarei, se necessário, a espada que me rouba a vida.
(versão minha; original reproduzido em The Wisdom Anthology of North American Buddhist Poetry, organização de Andrew Schelling, Wisdom Publications, Boston, 2005, pp. 90-91).
sábado, 21 de novembro de 2009
Olav H. Hange
Sobre os dias da guerra
Uma bala caiu no chão do passeio.
Sopesei-a na mão.
Tinha atravessado a janela e
duas paredes de madeira
Não tive dúvidas de que podia matar.
Uma bala caiu no chão do passeio.
Sopesei-a na mão.
Tinha atravessado a janela e
duas paredes de madeira
Não tive dúvidas de que podia matar.
(versão minha, a partir da tradução espanhola de Francisco J. Uriz reproduzida em Tres poetas noruegos, tradução e selecção de F. J. Uriz, Libros del Innombrable, Saragoça, 2002, p. 20).
quinta-feira, 19 de novembro de 2009
Jack Agüeros
Salmo pelas mulheres
Senhor,
obrigado por teres feito as mulheres.
Obrigado por me teres dado olhos
para as olhar, nariz para as cheirar,
dedos para folhear lentamente as suas páginas,
língua para as saborear,
doces momentos para enlearmos os nossos pêlos encaracolados.
Obrigado por as teres feito
como o melhor dos géneros,
por as teres dotado com uma inteligência
que eu nunca compreendi.
E, Senhor, escuta,
pessoalmente eu não acredito no pecado,
mas por favor perdoa-me
se alguma vez fiz mal a uma mulher.
Senhor,
obrigado por teres feito as mulheres.
Obrigado por me teres dado olhos
para as olhar, nariz para as cheirar,
dedos para folhear lentamente as suas páginas,
língua para as saborear,
doces momentos para enlearmos os nossos pêlos encaracolados.
Obrigado por as teres feito
como o melhor dos géneros,
por as teres dotado com uma inteligência
que eu nunca compreendi.
E, Senhor, escuta,
pessoalmente eu não acredito no pecado,
mas por favor perdoa-me
se alguma vez fiz mal a uma mulher.
(versão minha; original reproduzido em Lord, is this a psalm?, Hanging Loose Press, Brooklyn - Nova Iorque, 2002, p. 36).
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
Rolf Jacobsen
Candeeiro público
Que glacialmente só na noite está o meu candeeiro público.
As pedritas da rua descansam as pequenas cabeças em seu redor
ali onde ele abre o seu guarda-chuva de luz sobre elas
para que não se aproxime a malvada obscuridade.
Estamos todos longe de casa, diz.
Já não há esperança alguma.
Que glacialmente só na noite está o meu candeeiro público.
As pedritas da rua descansam as pequenas cabeças em seu redor
ali onde ele abre o seu guarda-chuva de luz sobre elas
para que não se aproxime a malvada obscuridade.
Estamos todos longe de casa, diz.
Já não há esperança alguma.
(versão minha a partir da tradução espanhola de Francisco J. Uriz reproduzida em Tres poetas noruegos, tradução e selecção de F. J. Uriz, Libros del Innombrable, Saragoça, 2002, p. 20).
terça-feira, 10 de novembro de 2009
Lauren Mendinueta
Uma longa tarefa
O rouxinol de Keats,
A cotovia de Shakespeare,
O corvo de Poe.
Todo o pássaro real ou imaginário
cruzará o céu desde os confins,
e contra a sua determinação
precipitar-se-á ao encontro do envelhecimento,
que é a verdadeira vocação do que existe.
O rouxinol de Keats,
A cotovia de Shakespeare,
O corvo de Poe.
Todo o pássaro real ou imaginário
cruzará o céu desde os confins,
e contra a sua determinação
precipitar-se-á ao encontro do envelhecimento,
que é a verdadeira vocação do que existe.
(versão minha; original reproduzido em La vocación suspendida, Editorial Point de Lunettes, Sevilha, 2008, p. 61).
domingo, 8 de novembro de 2009
Olav H. Hange
Um poema por dia
Quero escrever um poema por dia,
cada dia.
Tem que ser possível.
Browning pôde fazê-lo durante muito tempo, ainda que
rimasse
e marcasse o ritmo
com as suas espessas sobrancelhas.
Portanto, um poema por dia.
Algo te há-de ocorrer,
algo acontecerá,
algo novo hás-de descobrir.
- Levanto-me. Clareia.
Tenho boas intenções.
E vejo o pintarroxo a subir a cerejeira
depois de lhe ter furtado alguns rebentos.
Quero escrever um poema por dia,
cada dia.
Tem que ser possível.
Browning pôde fazê-lo durante muito tempo, ainda que
rimasse
e marcasse o ritmo
com as suas espessas sobrancelhas.
Portanto, um poema por dia.
Algo te há-de ocorrer,
algo acontecerá,
algo novo hás-de descobrir.
- Levanto-me. Clareia.
Tenho boas intenções.
E vejo o pintarroxo a subir a cerejeira
depois de lhe ter furtado alguns rebentos.
(versão minha, a partir da tradução de Francisco J. Uriz, reproduzida em Tres poetas noruegos, tradução e selecção de F. J. Uriz, Libros del Innombrable, Saragoça, 2oo2, p. 101).
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
Olav H. Hange
Uma palavra
Uma palavra
- uma pedra
num rio frio.
Mais outra pedra -
Tenho que ter mais pedras
se vou atravessá-lo.
Uma palavra
- uma pedra
num rio frio.
Mais outra pedra -
Tenho que ter mais pedras
se vou atravessá-lo.
(versão minha, a partir da tradução espanhola de Francisco J. Uriz, reproduzida em Tres poetas noruegos, tradução e selecção de F. J. Uriz, Libros del Innombrable, Saragoça, 2002, p.79).
terça-feira, 3 de novembro de 2009
Jyotsna Milan
Mulher, 2
Às vezes
nos momentos em que se faz amor
o homem surge à mulher como uma espécie de Deus.
"Deus... Deus!" grita a mulher
com o corpo
dominado pelo fogo.
"Olha-me,"
diz o homem,
"eu sou Deus."
A mulher
olha
e, em convulsões de dor
por perder Deus,
vira a cara
de lado.
Às vezes
nos momentos em que se faz amor
o homem surge à mulher como uma espécie de Deus.
"Deus... Deus!" grita a mulher
com o corpo
dominado pelo fogo.
"Olha-me,"
diz o homem,
"eu sou Deus."
A mulher
olha
e, em convulsões de dor
por perder Deus,
vira a cara
de lado.
(versão minha, a partir da tradução inglesa de Mrinal Pande e Arlene Zide reproduzida em The Oxford Anthology of Modern Indian Poetry, organização de Vinay Dharwadker e A. K. Ramanujan, Oxford University Press, Oxford, 2ª impressão, 1997, p. 20).
domingo, 1 de novembro de 2009
Toeti Heraty
Post scriptum
Eu quero escrever
um poema erótico
no qual palavras cruas, sem enfeites,
se tornem belas
onde as metáforas não sejam necessárias
e seios, por exemplo,
não se transformem em colinas
ou o corpo de uma mulher numa paisagem opressiva
ou a relação sexual no "mais íntimo enlace".
É claro
que um poema assim é escrito no espaço
entre a exposição e a ocultação
entre a hipocrisia e as verdadeiras emoções.
(versão minha, a partir da tradução inglesa de Carole Satyamurti que pode ser lida aqui).
Eu quero escrever
um poema erótico
no qual palavras cruas, sem enfeites,
se tornem belas
onde as metáforas não sejam necessárias
e seios, por exemplo,
não se transformem em colinas
ou o corpo de uma mulher numa paisagem opressiva
ou a relação sexual no "mais íntimo enlace".
É claro
que um poema assim é escrito no espaço
entre a exposição e a ocultação
entre a hipocrisia e as verdadeiras emoções.
(versão minha, a partir da tradução inglesa de Carole Satyamurti que pode ser lida aqui).