A mão
O professor faz uma pergunta.
Tu sabes a resposta, desconfias
que és o único na sala de aula
que sabe a resposta, porque a pessoa
em questão és tu próprio, e nisso
és a maior autoridade viva,
mas não levantas a mão.
Levantas a tampa da tua carteira
e tiras uma maçã.
Olhas pela janela.
Não levantas a mão e há
uma beleza essencial nos teus dedos
que nem sequer tamborilam, permanecem
apenas rasos e descansados.
O professor repete a pergunta.
Para lá da janela, num ramo saliente,
um pisco agita as penas
e sente-se no ar a primavera.
(versão minha; original aqui)
domingo, 25 de maio de 2008
sexta-feira, 23 de maio de 2008
Robert Pinsky
"Se pudesse escrever um grande poema,
deveria ser sobre o quê?"
(Perguntado por quatro alunos poetas das Escolas
do Illinois para Surdos e Deficientes Visuais)
Fogo: porque é rápido, e pode destruir.
Música: lugar onde a raiva tem o seu lugar.
Amor romântico - aquele que é frio ou estúpido pergunta porquê.
Signo: é assim uma linguagem, cheia de graça,
É assim visível, invisível, clara e escura,
É assim ruidosa e silenciosa e é contida
No interior de um corpo e explode no ar
Fora de um corpo a conquistar a partir da mente.
(versão minha; original reproduzido por Edward Hirsch, Poet's choice, Harcourt, Orlando, 2007, p.403.)
deveria ser sobre o quê?"
(Perguntado por quatro alunos poetas das Escolas
do Illinois para Surdos e Deficientes Visuais)
Fogo: porque é rápido, e pode destruir.
Música: lugar onde a raiva tem o seu lugar.
Amor romântico - aquele que é frio ou estúpido pergunta porquê.
Signo: é assim uma linguagem, cheia de graça,
É assim visível, invisível, clara e escura,
É assim ruidosa e silenciosa e é contida
No interior de um corpo e explode no ar
Fora de um corpo a conquistar a partir da mente.
(versão minha; original reproduzido por Edward Hirsch, Poet's choice, Harcourt, Orlando, 2007, p.403.)
quinta-feira, 22 de maio de 2008
Robert Pinsky
"Ar um instrumento da língua"
Ar um instrumento da língua.
A língua um instrumento
Do corpo. O corpo
Um instrumento do espírito,
O espírito um ser do ar.
Ar um instrumento da língua.
A língua um instrumento
Do corpo. O corpo
Um instrumento do espírito,
O espírito um ser do ar.
(versão minha; original reproduzido por Edward Hirsch, Poet's choice, Harcourt, Orlando, 2007, p. 402).
terça-feira, 20 de maio de 2008
Francisco Gálvez
Mensagens
Neste momento estou ausente,
mas podes deixar uma mensagem
e ligar-te-ei quando regressar.
Se és o amor
liga mais tarde, ou talvez outro dia;
se és a solidão
aguarda, em breve estarei contigo;
se és o suicida
marca outro número, o tempo urge;
se és a morte
elege outro destino, sou apenas tecnologia;
se és o pensamento
desiste, esta linha não medita;
se és a palavra
do regresso, aqui ninguém te pronuncia;
e se és uma voz anónima
a qualquer momento chegarei a casa:
fala depois de ouvires o sinal.
(versão minha; original aqui).
Neste momento estou ausente,
mas podes deixar uma mensagem
e ligar-te-ei quando regressar.
Se és o amor
liga mais tarde, ou talvez outro dia;
se és a solidão
aguarda, em breve estarei contigo;
se és o suicida
marca outro número, o tempo urge;
se és a morte
elege outro destino, sou apenas tecnologia;
se és o pensamento
desiste, esta linha não medita;
se és a palavra
do regresso, aqui ninguém te pronuncia;
e se és uma voz anónima
a qualquer momento chegarei a casa:
fala depois de ouvires o sinal.
(versão minha; original aqui).
Reetika Vazinari
Sou eu, não estou em casa
É tarde na cidade e eu adormeço.
Vais ligar de novo? Terei ouvido
(por favor deixe a sua mensagem depois do sinal)
Tchekov? A ama B. Eu aplaudo
com prazer. B ama C. C não vai responder.
Na cidade é tarde, eu durmo,
e se o teu rosto se aproxima de mim como um mapa familiar
de desabrigo: velho mundo, novo hemisfério
(sou eu deixa uma mensagem depois do sinal)
então a história precipita-se para o volte-face
final, eu passo o testemunho tu desapareces
na cidade, é tarde e eu sonho
com núpcias outra vez, a acontecer por aqui,
dedicadas à nossa causa durante um ano,
deixa uma mensagem depois do sinal,
vou deixar-te uma chave, escuta a gravação
quando chegares, ou pega no auscultador.
É tarde na cidade e eu durmo.
Por favor deixa uma mensagem depois do sinal.
É tarde na cidade e eu adormeço.
Vais ligar de novo? Terei ouvido
(por favor deixe a sua mensagem depois do sinal)
Tchekov? A ama B. Eu aplaudo
com prazer. B ama C. C não vai responder.
Na cidade é tarde, eu durmo,
e se o teu rosto se aproxima de mim como um mapa familiar
de desabrigo: velho mundo, novo hemisfério
(sou eu deixa uma mensagem depois do sinal)
então a história precipita-se para o volte-face
final, eu passo o testemunho tu desapareces
na cidade, é tarde e eu sonho
com núpcias outra vez, a acontecer por aqui,
dedicadas à nossa causa durante um ano,
deixa uma mensagem depois do sinal,
vou deixar-te uma chave, escuta a gravação
quando chegares, ou pega no auscultador.
É tarde na cidade e eu durmo.
Por favor deixa uma mensagem depois do sinal.
(versão minha; original reproduzido por Edward Hirsch, Poet's choice, Harcourt, Orlando, 207, pp. 212-213).
quinta-feira, 15 de maio de 2008
Max Mendelsohn (poeta aos 12 anos)
Ode aos berlindes
Adoro o som dos berlindes
espalhando-se sobre o soalho gasto do chão,
como crianças a fugir e a jogar às escondidas.
Adoro ver berlindes brancos,
berlindes azuis,
berlindes verdes, pretos,
novos berlindes, velhos berlindes,
berlindes iridescentes,
com redemoinhos e fitas de vidro,
dançando sempre às voltas.
Adoro sentir os berlindes,
frescos, lisos,
rolando livremente na palma da mão,
como estrelas de faces macias
a iluminar o gasto mundo.
(versão minha; original aqui.)
Adoro o som dos berlindes
espalhando-se sobre o soalho gasto do chão,
como crianças a fugir e a jogar às escondidas.
Adoro ver berlindes brancos,
berlindes azuis,
berlindes verdes, pretos,
novos berlindes, velhos berlindes,
berlindes iridescentes,
com redemoinhos e fitas de vidro,
dançando sempre às voltas.
Adoro sentir os berlindes,
frescos, lisos,
rolando livremente na palma da mão,
como estrelas de faces macias
a iluminar o gasto mundo.
(versão minha; original aqui.)
segunda-feira, 12 de maio de 2008
Javier Salvago
Um pouco mais sábios, um pouco mais cegos
Qaundo alguém já não é jovem, convence-se
de que o diabo sabe mais por ser velho,
e aceita que os anos nos ensinam
a distinguir a realidade do sonho.
E, por acaso, não. Talvez a vida apenas
nos apareça uma vez - quando temos
olhos para a apreciar - e logo começamos
a esquecer o seu rosto e o seu segredo.
(versão minha; de Variaciones y reincidencias, 1985.)
Qaundo alguém já não é jovem, convence-se
de que o diabo sabe mais por ser velho,
e aceita que os anos nos ensinam
a distinguir a realidade do sonho.
E, por acaso, não. Talvez a vida apenas
nos apareça uma vez - quando temos
olhos para a apreciar - e logo começamos
a esquecer o seu rosto e o seu segredo.
(versão minha; de Variaciones y reincidencias, 1985.)
domingo, 11 de maio de 2008
Javier Salgado
Anúncio de primavera
A minha vida é feita de noites,
de lágrimas de estrelas, de luas
frias e silenciosas.
Como um anjo das trevas
habituaram-se os meus olhos às ruas
obscuras, à penumbra dos bares,
à luz, de néon, artificial.
Gentes, recém-chegadas da tarde,
asseguram que regressou a primavera
e no meu roupeiro só há fatos negros,
pressentimentos negros,
máscaras de amargura.
Senhora dos Céus Luminosos,
quando não for um maldito
farei umas asas
- como Ícaro -
e tentarei voar até ao sol.
(versão minha; de Canciones del amargo amor y outros poemas, 1977.)
A minha vida é feita de noites,
de lágrimas de estrelas, de luas
frias e silenciosas.
Como um anjo das trevas
habituaram-se os meus olhos às ruas
obscuras, à penumbra dos bares,
à luz, de néon, artificial.
Gentes, recém-chegadas da tarde,
asseguram que regressou a primavera
e no meu roupeiro só há fatos negros,
pressentimentos negros,
máscaras de amargura.
Senhora dos Céus Luminosos,
quando não for um maldito
farei umas asas
- como Ícaro -
e tentarei voar até ao sol.
(versão minha; de Canciones del amargo amor y outros poemas, 1977.)
domingo, 4 de maio de 2008
Al Zolynas
Amor na sala de aulas
- para os meus alunos
De tarde. Do outro lado do jardim, em Green Hall,
alguém começa a tocar no velho piano -
uma peça espontânea, viva e diletante,
cheia de uma melodia alegre e simples.
A música flutua entre nós na sala de aulas.
Estou em frente dos meus alunos
e falo-lhes de fragmentos de frases.
Peço-lhes que descubram os dez fragmentos
do parágrafo vinte e um da página quarenta e cinco.
Eles vieram de todas as partes
do mundo - Irão, Micronésia, África,
Japão, China, até de Los Angeles - e continuam
desejosos de me agradar. Falta menos
de metade do trimestre.
Inclinam-se sobre os livros e começam.
Os lábios de Hamid movem-se enquanto segue
o tortuoso labirinto sintáctico do Inglês.
Yoshie senta-se direita, perfeita com a sua ténue maquilhagem,
as pernas cruzadas, em rápida cadência ritmada
sacudindo o pé direito. Tony,
vindo de um ilha do Pacífico Sul,
espreguiça-se molemente e estende-se sobre a carteira.
A melodia flutua à nossa volta e entre nós,
na sala, quebrada aqui e ali, fragmentada,
recomeçada. Parece oriental, mas
pode ser jazz, ou blues - pode ser
qualquer coisa de qualquer lado.
"Não importa," quero gritar.
"Não se preocupem com fragmentos.
Entendê-los ou não. Tudo
é fragmento e tudo não é fragmento.
Oiçam a música, quão fragmentada,
quão cheia, como não podemos separá-la
do sol a cair de joelhos sobre toda a verdura,
deste movimento, como este momento
contém todos os fragmentos de ontem
e de tudo o que não iremos conhecer do amanhã!"
Em vez disso, mantenho um silêncio cobarde.
A música pára abruptamente;
eles terminam o seu trabalho,
e avançamos munidos das respostas correctas,
que é o mesmo que dizer
que separamos os fragmentos do todo.
(versão minha; original reproduzido em A book of luminous things, organização e introdução de Czeslaw Milosz, Harcourt Brace & Company, San Diego, 1998, pp. 193-194).
- para os meus alunos
De tarde. Do outro lado do jardim, em Green Hall,
alguém começa a tocar no velho piano -
uma peça espontânea, viva e diletante,
cheia de uma melodia alegre e simples.
A música flutua entre nós na sala de aulas.
Estou em frente dos meus alunos
e falo-lhes de fragmentos de frases.
Peço-lhes que descubram os dez fragmentos
do parágrafo vinte e um da página quarenta e cinco.
Eles vieram de todas as partes
do mundo - Irão, Micronésia, África,
Japão, China, até de Los Angeles - e continuam
desejosos de me agradar. Falta menos
de metade do trimestre.
Inclinam-se sobre os livros e começam.
Os lábios de Hamid movem-se enquanto segue
o tortuoso labirinto sintáctico do Inglês.
Yoshie senta-se direita, perfeita com a sua ténue maquilhagem,
as pernas cruzadas, em rápida cadência ritmada
sacudindo o pé direito. Tony,
vindo de um ilha do Pacífico Sul,
espreguiça-se molemente e estende-se sobre a carteira.
A melodia flutua à nossa volta e entre nós,
na sala, quebrada aqui e ali, fragmentada,
recomeçada. Parece oriental, mas
pode ser jazz, ou blues - pode ser
qualquer coisa de qualquer lado.
"Não importa," quero gritar.
"Não se preocupem com fragmentos.
Entendê-los ou não. Tudo
é fragmento e tudo não é fragmento.
Oiçam a música, quão fragmentada,
quão cheia, como não podemos separá-la
do sol a cair de joelhos sobre toda a verdura,
deste movimento, como este momento
contém todos os fragmentos de ontem
e de tudo o que não iremos conhecer do amanhã!"
Em vez disso, mantenho um silêncio cobarde.
A música pára abruptamente;
eles terminam o seu trabalho,
e avançamos munidos das respostas correctas,
que é o mesmo que dizer
que separamos os fragmentos do todo.
(versão minha; original reproduzido em A book of luminous things, organização e introdução de Czeslaw Milosz, Harcourt Brace & Company, San Diego, 1998, pp. 193-194).
quinta-feira, 1 de maio de 2008
Leonard Nathan
Canção da bexiga
Num pedaço de papel higiénico,
Flutuando no mijo não evacuado,
Os lábios impressos e inteiros de uma mulher.
Nathan, alegra-te! O esgoto
Manda-te um grande beijo vermelho.
Ah, nada está perdido, se é humano.
Num pedaço de papel higiénico,
Flutuando no mijo não evacuado,
Os lábios impressos e inteiros de uma mulher.
Nathan, alegra-te! O esgoto
Manda-te um grande beijo vermelho.
Ah, nada está perdido, se é humano.
(versão minha; original reproduzido em A book of luminous things, organização e introdução de Czeslaw Milosz, Harcourt Brace & Company, San Diego, 1998, p. 197)