quarta-feira, 1 de julho de 2020

Manuel Vilas

A aula de língua



Abatimento em metade de uma turma de adolescentes.
Queria estar noutro sítio, mas onde.
Rico e célebre em longas viagens pelo mundo.
Também eles não cumprirão as suas ilusões.
Salta à vista: sem talento, sem inteligência,
sem família com posses, sem beleza,
sórdida classe média-baixa da democracia
a quem foi prometida uma educação intranscendente.
Ensina-lhes, ao menos, a desejar a vida
com força, com justiça, com dignidade,
com as palavras duras que a sós aprendeste.
Ajuda-os a imaginar a ruína nada discreta
em que acabarão convertidos.
Os tristes afazeres das suas vidas são já um escândalo.
Diz-lhes que só a verdade com palavras justas
defende da verdade abandonada à sua sombra.



(Versão minha; original reproduzido em Hacia la democracia. La nueva poesía (1968-2000); organização de Araceli Iravedra, Visor, 2016, p.694).

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