domingo, 23 de maio de 2021

Manuel Vásquez Montalbán

 Verão e fumo



Já sabemos o que custa
vencer a resistência tenaz
de duas pernas unidas
                                    o sabor
de um certo hálito amargou de madrugada
o ar nas nossas fauces
e o corpo descobriu-se amolecido ao despertar
ou triste fez queixas devido a um frio caído no esquecimento

e no entanto
mais de uma vez as árvores tornam-nos outonais,
a rua brilha debaixo da chuva amarela,
damos lume a um solitário que erra
pelo molhe
                    e assobiamos uma melodia
vulgar, já tarde, quando os veleiros
mentem sobre os portos ansiados e o ar
salino não pergunta
                                quem
quem não teme perder o que não ama?



(Versão minha; poema incluído em Poesía completa - Memoria y deseo (1963-2003); Visor, Madrid, 2018, p. 75). 

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