sexta-feira, 2 de abril de 2010

Frances Driscoll

Vida real



Mas na vida real, começo eu. Só que o Doug
interrompe: O que aconteceu naquela noite foi
a vida real. Eu não sei do que é que ele está
a falar. Vida real é a minha irmã
estudar todas as semanas as notícias de bancarrota
que vêm no jornal e continuar a ter
dificuldades com as suas consoantes fricativas.
É o meu vidente descobrir nas cartas setas
de amor e correntes de vida. É o meu filho dizer-me
que eu sou a pessoa mais pateta que ele conhece
e trazer-me, de um concerto para casa, um par
de louras embriagadas do Mississippi,
fugidas de uma viagem de finalistas, que se recusam
a responder às minhas perguntas - Onde
está o resto da turma. Onde estão
os responsáveis por elas. É enxaguar os pratos
no lavatório da casa de banho depois dos canos da cozinha
terem rebentado sem aviso prévio e, cansada
das poses de Electra derramada na loiça chinesa
azul, arranjar espaço numa despensa
que alguém fez sem ter em conta as minhas
necessidades - e sem uma única prateleira.
Vida real é a Diana a escrever de Head
of the Tide, Maine, dizendo que anda feliz da vida
a reparar móveis estragados e a fixar lâmpadas.
É a Mary Kay a comer batatas fritas com passas
e a sentir-se furiosa com o pai dos seus filhos
por ele ter adoecido com pneumonia
numa viagem ao campo que ela era a única
a merecer. É a Bonnie, reconciliada com a estabilidade
negada por um homem, a produzir sons quase inaudíveis
enquanto vai engolindo alface misturada com geleia.
Na vida real uma menina balança-se
de um ramo de árvore florida sobre o meu terraço.
Tu sabes o segredo das árvores, grita ela
para a sua amiga. Quem espera
sempre alcança. Na vida real o meu peito fica apertado
e eu perdoo-lhe todas as flores brancas
que as suas pernas descuidadas atiraram ao chão.
Não esta menina. Nunca esta menina. Não
na vida real.



(Versão minha; original reproduzido em Poetry from "Sojourner" - a feminist anthology, organização e selecção de Ruth Lepson e Lynne Yamaguchi e introdução de Mary Loeffelholz, University of Illinois Press, Urbana e Chicago, 2004, pp. 49-50).

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