segunda-feira, 30 de dezembro de 2013
quinta-feira, 19 de dezembro de 2013
quinta-feira, 12 de dezembro de 2013
Cão Celeste nº 4
No quarto número do Cão
Celeste,
com direcção de Inês
Dias/Manuel de Freitas
e coordenação gráfica
de Luís Henriques,
colaboram Abel Neves,
Alberto Pimenta, Alexandre Sarrazola, Ana Menezes,
Ana Isabel Soares,
André Lemos, Bárbara Assis Pacheco, Cláudia Dias,
Daniela Gomes, Diniz
Conefrey, Fabiano Calixto, Gavarni/Estúdios & etc,
Inês Dias, Isabel
Baraona, Isabel Nogueira, Joana Matos Frias, Jorge Roque,
José Ángel Cilleruelo,
José Miguel Silva, Luís Filipe Parrado, Luís França,
Luís Henriques, Manuel
de Freitas, Manuel Diogo, Maria João Worm,
Maria da Conceição
Caleiro, Paulo da Costa Domingos, Rosa Maria Martelo,
Ricardo Castro e Rui Nunes.
domingo, 10 de novembro de 2013
quinta-feira, 24 de outubro de 2013
Antón García
O nada e tu
(Pavese no Hotel Roma,
26 de agosto de 1950)
(Pavese no Hotel Roma,
26 de agosto de 1950)
A Pablo Antón Marín Estrada
Quando por ti vier a morte
chegará pela tua mão, cega
virá, conduzindo os seus passos
uma dor antiga e ténue.
Será como vestir em festa
um traje novo de domingo
que jamais poderás tirar.
Verás um rosto ao espelho,
a sombra obscura da morte,
e não saberás quem é.
Anuncia-te um tempo de derrota.
Para que perguntas, não chames,
que ninguém haverá que te responda.
Sairás de manhã tão cedo
que não escutarás a voz da alba
que grita, que te chama e suplica,
que chora por ti e te quer para si.
Nada haverá entre o nada e tu.
(Versão minha a partir do original asturiano e da tradução castelhana do próprio autor reproduzidas em La mirada aliella / La mirada atenta - Antología 1983-2006; edição bilingue; introdução de Araceli Iravedra; Ediciones Trea, Gijón, 2011, pp. 104-105).
quinta-feira, 3 de outubro de 2013
Matija Beckovic
Ninguém voltará a escrever poesia
Ninguém voltará a escrever poesia nunca mais,
Os temas imortais abandonarão os poemas
Descontentes com a forma como foram entendidos e versificados.
Tudo o que alguma vez foi assunto da poesia
Rebelar-se-á contra ela e a sua cobardia.
Os objectos dirão eles mesmos aquilo que os poetas não tiveram a coragem de dizer.
O mar - esse tópico antigo dos poetas - abandonará para sempre a poesia
E regressará à sua sepultura onde poderá crescer de novo.
O sol - tornado ridículo,
O céu estrelado - tranformado num lugar-comum,
Renunciarão à poesia.
As rosas insistirão na sua cor
E não aceitarão a volubilidade dos poetas.
A palavra liberdade fugirá e recuperará o seu significado.
Os poetas não terão uma língua com a qual possam cantar.
Não haverá nenhuma relação entre a poesia e os poetas,
E por isso os poemas atacarão os poetas
Exigindo-lhes que cumpram as promessas que fizeram.
Os poetas negarão o que antes afirmaram,
Mas tudo o que imaginaram e profetizaram acabará por aprisioná-los.
A poesia exigirá as suas vidas
Para que as metáforas que criaram sejam verdadeiras e irrefutáveis.
Nas futuras gerações
Ninguém, seja a que preço for, quererá ser poeta.
Os poetas do porvir encontrarão maneiras melhores de passar o tempo.
Os homens livres não consentirão que se escrevam poemas para que se seja poeta -
E no entanto não existe outro modo de ser poeta.
Uma árvore - outrora símbolo poético -
Lamentará na praça o seu passado tenebroso
E ninguém alguma vez poderá igualar o seu lamento
Pois ela conhece-se melhor do que ninguém.
Os verdadeiros poetas lutarão contra a poesia
E por todo o lado defenderão a mesma ideia:
Em nome do respeito por si próprios enquanto verdadeiros poetas
Nenhum deles voltará a escrever poesia munca mais.
Ninguém voltará a escrever poesia nunca mais,
Os temas imortais abandonarão os poemas
Descontentes com a forma como foram entendidos e versificados.
Tudo o que alguma vez foi assunto da poesia
Rebelar-se-á contra ela e a sua cobardia.
Os objectos dirão eles mesmos aquilo que os poetas não tiveram a coragem de dizer.
O mar - esse tópico antigo dos poetas - abandonará para sempre a poesia
E regressará à sua sepultura onde poderá crescer de novo.
O sol - tornado ridículo,
O céu estrelado - tranformado num lugar-comum,
Renunciarão à poesia.
As rosas insistirão na sua cor
E não aceitarão a volubilidade dos poetas.
A palavra liberdade fugirá e recuperará o seu significado.
Os poetas não terão uma língua com a qual possam cantar.
Não haverá nenhuma relação entre a poesia e os poetas,
E por isso os poemas atacarão os poetas
Exigindo-lhes que cumpram as promessas que fizeram.
Os poetas negarão o que antes afirmaram,
Mas tudo o que imaginaram e profetizaram acabará por aprisioná-los.
A poesia exigirá as suas vidas
Para que as metáforas que criaram sejam verdadeiras e irrefutáveis.
Nas futuras gerações
Ninguém, seja a que preço for, quererá ser poeta.
Os poetas do porvir encontrarão maneiras melhores de passar o tempo.
Os homens livres não consentirão que se escrevam poemas para que se seja poeta -
E no entanto não existe outro modo de ser poeta.
Uma árvore - outrora símbolo poético -
Lamentará na praça o seu passado tenebroso
E ninguém alguma vez poderá igualar o seu lamento
Pois ela conhece-se melhor do que ninguém.
Os verdadeiros poetas lutarão contra a poesia
E por todo o lado defenderão a mesma ideia:
Em nome do respeito por si próprios enquanto verdadeiros poetas
Nenhum deles voltará a escrever poesia munca mais.
(Versão minha a partir da tradução inglesa de Charles Simic reproduzida em The horse has six legs - An anthology of serbian poetry; organização e tradução de Charles Simic, Graywolf Press, Saint Paul, 1992, p 177.)
sexta-feira, 27 de setembro de 2013
terça-feira, 24 de setembro de 2013
Miodrag Pavlovic
Questionário da insónia
Quem esgaravata no buraco da fechadura?
Quem constrói campanários debaixo da minha janela?
Quem chora o destino fatal do herói?
Quem deixa as ovelhas fora do redil?
Quem conduz os anões às terras de pasto?
Quem atirou as bonecas do Rei para dentro do caixão?
Quem ofereceu o despertador ao morcego?
Responde!
Uma noite breve celebra a grande noite.
Inverno. Na pensão toda a gente tem pressa.
O mensageiro dentro da armadura tropeçou e caiu.
Quem me indicará o caminho amanhã?
Quem me fará o almoço e entregará uma carta?
Quem espanta-espíritos por cima da minha cama
e chama o médico?
Ou será que convoca os peregrinos como testemunhas?
Quem lança fogo à grande cerca de lenha?
A madrugada serpenteia já sob a minha cabeceira.
Quem enviou o convite urgente para o sofrimento?
E esse convite foi-me endereçado a mim porquê?
Quem esgaravata no buraco da fechadura?
Quem constrói campanários debaixo da minha janela?
Quem chora o destino fatal do herói?
Quem deixa as ovelhas fora do redil?
Quem conduz os anões às terras de pasto?
Quem atirou as bonecas do Rei para dentro do caixão?
Quem ofereceu o despertador ao morcego?
Responde!
Uma noite breve celebra a grande noite.
Inverno. Na pensão toda a gente tem pressa.
O mensageiro dentro da armadura tropeçou e caiu.
Quem me indicará o caminho amanhã?
Quem me fará o almoço e entregará uma carta?
Quem espanta-espíritos por cima da minha cama
e chama o médico?
Ou será que convoca os peregrinos como testemunhas?
Quem lança fogo à grande cerca de lenha?
A madrugada serpenteia já sob a minha cabeceira.
Quem enviou o convite urgente para o sofrimento?
E esse convite foi-me endereçado a mim porquê?
(Versão minha, revista por Ricardo Castro Ferreira, a partir da tradução inglesa de Charles Simic reproduzida em The horse has six legs - An anthology of serbian poetry; organização e tradução de Charles Simic, Graywolf Press, Saint Paul, 1992, p. 79.)
domingo, 8 de setembro de 2013
Mark Strand
Manual da nova poesia
Para Greg Orr e Greg Simon
1 Se um homem compreende um poema
terá problemas.
2 Se um homem vive com um poema
morrerá sozinho.
3 Se um homem vive com dois poemas
será infiel a alguém.
4 Se um homem concebe um poema
terá menos um filho.
5 Se um homem concebe dois poemas
terá dois filhos a menos.
6 Se um homem tem uma coroa na cabeça quando escreve
será descoberto.
7 Se um homem não usar uma coroa na cabeça enquanto escreve
não enganará ninguém a não ser ele mesmo.
8 Se um homem fica furioso num poema
será desprezado pelos homens.
9 Se um homem continuar furioso num poema
será desprezado pelas mulheres.
10 Se um homem denunciar publicamente a poesia
os seus sapatos ficarão cheios de urina.
11 Se um homem desiste da poesia a favor do poder
terá muito poder.
12 Se um homem se envaidecer por causa dos seus poemas
será amado pelos tolos.
13 Se um homem se envaidecer por causa dos seus poemas e amar os tolos
não escreverá mais.
14 Se um homem pede atenção por causa dos seus poemas
será como um burro ao luar.
15 Se um homem escreve um poema e elogia o poema de um companheiro
terá uma amante esplendorosa.
16 Se um homem escreve um poema e elogia exageradamente um poema
de um companheiro
de um companheiro
afugentará a sua amante.
17 Se um homem reivindica o poema de outro
o seu coração ficará com o dobro do tamanho.
18 Se um homem deixar os seus poemas ficarem nus
terá medo da morte.
19 Se um homem tem medo da morte
será salvo pelos seus poemas.
20 Se um homem não tem medo da morte
poderá, ou não, ser salvo pelos seus poemas.
21 Se um homem termina um poema
banhar-se-á na esteira vazia da sua paixão
e será beijado pela página em branco.
(Versão minha a partir do original - reproduzido em New selected poems,Alfred A. Knopf, Nova Iorque, 2009, pp. 43-44 - e da tradução castelhana de Eduardo Chirinos reproduzida em Sólo uma canción, Pre-Textos, Valência, pp. 27-31).
sexta-feira, 23 de agosto de 2013
Jovan Hristic
[Naquela noite juntaram-se todos na mais alta torre...]
Naquela noite juntaram-se todos na mais alta torre,
Astrónomos, matemáticos e um dos magos da Síria,
Para lerem nas estrelas a glória do Rei dos Reis
E demonstrar a sua imortalidade com a ajuda da geometria.
Antes do nascer do dia, menearam as cabeças em concordância
Com as suas interpretações. A resposta das estrelas
Foi positiva. As trombetas anunciaram
A glória do Rei dos Reis sob o sol nascente.
No pálacio, com a mesa posta para o banquete, eles são esperados
Por aqueles sobre os quais as estrelas se pronunciaram esta noite
E cujo futuro transborda agora como vinho novo
Guardado nos cálices dourados preparados para os brindes.
Só alguns jovens, recentemente especializados em geometria,
Não se mostraram totalmente convencidos com o que foi lido nas estrelas,
Pois as estrelas respondem sempre aos humanos,
Mas a que questão só elas mesmas sabem.
Naquela noite juntaram-se todos na mais alta torre,
Astrónomos, matemáticos e um dos magos da Síria,
Para lerem nas estrelas a glória do Rei dos Reis
E demonstrar a sua imortalidade com a ajuda da geometria.
Antes do nascer do dia, menearam as cabeças em concordância
Com as suas interpretações. A resposta das estrelas
Foi positiva. As trombetas anunciaram
A glória do Rei dos Reis sob o sol nascente.
No pálacio, com a mesa posta para o banquete, eles são esperados
Por aqueles sobre os quais as estrelas se pronunciaram esta noite
E cujo futuro transborda agora como vinho novo
Guardado nos cálices dourados preparados para os brindes.
Só alguns jovens, recentemente especializados em geometria,
Não se mostraram totalmente convencidos com o que foi lido nas estrelas,
Pois as estrelas respondem sempre aos humanos,
Mas a que questão só elas mesmas sabem.
(Versão minha a partir da tradução inglesa de Charles Simic reproduzida em The horse has six legs - An anthology of serbian poetry; organização, tradução e introdução de Charles Simic, Graywolf Press, Saint Paul, 1992, p. 43).
terça-feira, 13 de agosto de 2013
Vicent Andrés Estellès
Para mim seria um prazer escrever a Salvador Espriu
Mas
não
me
foi
possível
saber
se
estou
morto
ou
se
estou
vivo.
Em
tais
circunstâncias, que
cavalheiro pode escrever a Salvador Espriu?
Mas
não
me
foi
possível
saber
se
estou
morto
ou
se
estou
vivo.
Em
tais
circunstâncias, que
cavalheiro pode escrever a Salvador Espriu?
(Versão minha a partir da tradução castelhana do autor reproduzida em Antología; selecção de Jaume Perez Montaner e Vicent Salvador,Visor, 2ª edição, Madrid, 2003, p. 54).
sábado, 10 de agosto de 2013
Humberto Ak'Abal
Poesia
A poesia é fogo,
queima por dentro de um
e por dentro do outro.
Se não, será qualquer coisa,
não poesia.
A poesia é fogo,
queima por dentro de um
e por dentro do outro.
Se não, será qualquer coisa,
não poesia.
(Versão minha; original reproduzido em Puertas abiertas - Antología de poesía centroamericana; selecção e prólogo de Sergio Ramírez, Fondo de Cultura Económica, Guadalajara, 2011, p. 80).
quarta-feira, 31 de julho de 2013
Charles Simic
Guerra
O dedo trémulo de uma mulher
Corre a lista das baixas
Na noite do primeiro nevão.
A casa é fria e a lista é longa.
Todos os nossos nomes estão incluídos.
(Versão minha; original reproduzido algures por aqui).
O dedo trémulo de uma mulher
Corre a lista das baixas
Na noite do primeiro nevão.
A casa é fria e a lista é longa.
Todos os nossos nomes estão incluídos.
(Versão minha; original reproduzido algures por aqui).
terça-feira, 25 de junho de 2013
Jack Gilbert
Algumas palavras em defesa
Dor em todo o lado. Mortandade em todo o lado. Se bebés
não morrem de fome algures, morrem de fome
noutro lugar qualquer. Com moscas rondando-lhes as narinas.
Mas nós apreciamos as nossas vidas porque Deus assim o quer.
Se assim não fosse, as madrugadas de Verão não teriam sido
feitas de tal beleza. O tigre de Bengala não teria sido
concebido com tão miraculosa perfeição. As mulheres pobres
junto à fonte riem em comunhão no intervalo entre
o sofrimento por que passaram e o terror
que as espera no futuro, sorrindo e dando gargalhadas enquanto alguém
na aldeia está muito doente. O riso acontece
todos os dias nas horrendas ruas de Calcutá,
e as mulheres riem nas prisões de Bombay.
Se negarmos a nossa felicidade, se resistirmos à nossa satisfação,
diminuímos a importância das suas privações.
Devemos arriscar a alegria. Podemos prescindir do prazer,
mas não da alegria. Não da satisfação. Temos de ter
a teimosia de aceitar o nosso contentamento no impiedoso
forno deste mundo. Fazer da injustiça a única
medida da nossa atenção é louvar o Demónio.
Se a locomotiva do Senhor nos abater,
devemos agradecer porque no nosso fim houve magnitude.
Admitamos que haverá música apesar de tudo.
Cá estamos, de novo na proa de um pequeno navio estreito,
olhando para a ilha que dorme: a beira-mar
são três cafés fechados e uma luz nua que ainda arde.
Ouvir o débil som de remos quebrando o silêncio enquanto um barquinho
sai do porto e depois regressa vale realmente a pena
todos os anos de dor que estão por vir.
(Tradução inédita de Andreia C. Faria; o original pode ser consultado aqui).
Dor em todo o lado. Mortandade em todo o lado. Se bebés
não morrem de fome algures, morrem de fome
noutro lugar qualquer. Com moscas rondando-lhes as narinas.
Mas nós apreciamos as nossas vidas porque Deus assim o quer.
Se assim não fosse, as madrugadas de Verão não teriam sido
feitas de tal beleza. O tigre de Bengala não teria sido
concebido com tão miraculosa perfeição. As mulheres pobres
junto à fonte riem em comunhão no intervalo entre
o sofrimento por que passaram e o terror
que as espera no futuro, sorrindo e dando gargalhadas enquanto alguém
na aldeia está muito doente. O riso acontece
todos os dias nas horrendas ruas de Calcutá,
e as mulheres riem nas prisões de Bombay.
Se negarmos a nossa felicidade, se resistirmos à nossa satisfação,
diminuímos a importância das suas privações.
Devemos arriscar a alegria. Podemos prescindir do prazer,
mas não da alegria. Não da satisfação. Temos de ter
a teimosia de aceitar o nosso contentamento no impiedoso
forno deste mundo. Fazer da injustiça a única
medida da nossa atenção é louvar o Demónio.
Se a locomotiva do Senhor nos abater,
devemos agradecer porque no nosso fim houve magnitude.
Admitamos que haverá música apesar de tudo.
Cá estamos, de novo na proa de um pequeno navio estreito,
olhando para a ilha que dorme: a beira-mar
são três cafés fechados e uma luz nua que ainda arde.
Ouvir o débil som de remos quebrando o silêncio enquanto um barquinho
sai do porto e depois regressa vale realmente a pena
todos os anos de dor que estão por vir.
(Tradução inédita de Andreia C. Faria; o original pode ser consultado aqui).
domingo, 19 de maio de 2013
Vicent Andrès Estellès
Crónica especial
A morte de Manolete (1) nas folhas de um diário,
enquanto eu te esperava em Benimaclet.
Ou as execuções num pátio de Nuremberga
enquanto te via passar pela Rua das Barcas.
Um amor num tempo, que tempo!, oh que amor!
Um amor inscrito para sempre na história.
O "Mosteiro de Santa Clara" levantava-se no ar.
O Tyris (2) cheio de gente, o cheiro das gentes.
Os casais saíam, traziam as faces vermelhas.
As mães não sabiam o que fazer para o jantar.
Os pais ouviam rádios estrangeiras.
E todos pensavam que era coisa de quatro dias.
Ou, o mais tardar, de quatro semanas, quem sabe.
Os filhos faziam amor no vão das escadas.
O pai conversava com a mãe na cozinha.
A mãe envelhecia sobre grandes panelas absurdas,
branqueavam os cabelos sobre o osso da fronte.
Coisa de quatro dias ou de quatro semanas.
E passavam os dias, as semanas, os anos.
E a marcha de Mao pelo continente chinês.
Depois veio a Coreia. Depois veio o Vietname.
O pai morreu, morreu a mãe.
A filha casou-se com outro, anos depois.
Por vezes encontra-se com aquele primeiro amor.
Coisa de quatro dias ou de quatro semanas.
Como se entre eles não tivesse havido intimidade
no vão das escadas, falam dos filhos.
"O meu vai para o Liceu", "A minha tem sarampo".
Ganharam uma suja e triste civilidade.
De pé na rua, falam quando se encontram.
E cada um segue depois o seu caminho.
Oh o amor inscrito, que coisa, na história!
A morte de Manolete (1) nas folhas de um diário,
enquanto eu te esperava em Benimaclet.
Ou as execuções num pátio de Nuremberga
enquanto te via passar pela Rua das Barcas.
Um amor num tempo, que tempo!, oh que amor!
Um amor inscrito para sempre na história.
O "Mosteiro de Santa Clara" levantava-se no ar.
O Tyris (2) cheio de gente, o cheiro das gentes.
Os casais saíam, traziam as faces vermelhas.
As mães não sabiam o que fazer para o jantar.
Os pais ouviam rádios estrangeiras.
E todos pensavam que era coisa de quatro dias.
Ou, o mais tardar, de quatro semanas, quem sabe.
Os filhos faziam amor no vão das escadas.
O pai conversava com a mãe na cozinha.
A mãe envelhecia sobre grandes panelas absurdas,
branqueavam os cabelos sobre o osso da fronte.
Coisa de quatro dias ou de quatro semanas.
E passavam os dias, as semanas, os anos.
E a marcha de Mao pelo continente chinês.
Depois veio a Coreia. Depois veio o Vietname.
O pai morreu, morreu a mãe.
A filha casou-se com outro, anos depois.
Por vezes encontra-se com aquele primeiro amor.
Coisa de quatro dias ou de quatro semanas.
Como se entre eles não tivesse havido intimidade
no vão das escadas, falam dos filhos.
"O meu vai para o Liceu", "A minha tem sarampo".
Ganharam uma suja e triste civilidade.
De pé na rua, falam quando se encontram.
E cada um segue depois o seu caminho.
Oh o amor inscrito, que coisa, na história!
(Notas - (1) Toureiro espanhol, considerado por muitos como o maior de todos os tempos, morreu devido a uma cornada na coxa direita, a 29 de agosto de 1947. Franco ordenou três dias de luto nacional em Espanha. (2) Rio Túria (Valência).
(Versão minha a partir da tradução castelhana do autor, reproduzida em Antología; selecção de Jaume Perez Montaner e Vicent Salvador, Madrid, 2ª edição, 2003, pp. 58-59).
terça-feira, 14 de maio de 2013
Vicent Andrès Estellès
Os amantes
"A carne quer carne"
Ausías Marc
"Em Valência não havia dois amantes como nós".
Amávamo-nos ferozmente de manhã à noite.
Recordo tudo enquanto vais estendendo a roupa.
Passaram anos, muitos anos; aconteceram muitas coisas.
De súbito ainda me colhe aquele vento ou o amor
e rodamos sobre a terra entre abraços e beijos.
Não concebemos o amor como um costume pacífico,
um costume amigável de troca de cumprimentos e galanteios
(e que nos perdoe o casto senhor López Picó).
Como um velho furação, ele acorda repentinamente
e atira-nos aos dois ao chão, junta-nos, empurra-nos.
Eu desejava, às vezes, um amor educado,
com música de fundo, beijando-te negligentemente
agora um ombro, depois a ponta de uma orelha.
O nosso amor é um amor brusco e selvagem
e nós temos a nostalgia amarga da terra
e de ir aos trambolhões entre beijos e arranhões.
Que querem que faça? É assim, já o sei.
Ignoramos Petrarca e muitas outras coisas.
As Estâncias de Riba e as Rimas de Bécquer.
Depois, tombados na terra, de qualquer maneira,
compreendemos que somos bárbaros, e que isso não pode ser,
que já não temos idade, e tudo isto e aquilo.
Que já não temos idade, e tudo isto e aquilo.
Não havia em Valência dois amantes como nós,
porque amantes como nós são paridos muito poucos.
"A carne quer carne"
Ausías Marc
"Em Valência não havia dois amantes como nós".
Amávamo-nos ferozmente de manhã à noite.
Recordo tudo enquanto vais estendendo a roupa.
Passaram anos, muitos anos; aconteceram muitas coisas.
De súbito ainda me colhe aquele vento ou o amor
e rodamos sobre a terra entre abraços e beijos.
Não concebemos o amor como um costume pacífico,
um costume amigável de troca de cumprimentos e galanteios
(e que nos perdoe o casto senhor López Picó).
Como um velho furação, ele acorda repentinamente
e atira-nos aos dois ao chão, junta-nos, empurra-nos.
Eu desejava, às vezes, um amor educado,
com música de fundo, beijando-te negligentemente
agora um ombro, depois a ponta de uma orelha.
O nosso amor é um amor brusco e selvagem
e nós temos a nostalgia amarga da terra
e de ir aos trambolhões entre beijos e arranhões.
Que querem que faça? É assim, já o sei.
Ignoramos Petrarca e muitas outras coisas.
As Estâncias de Riba e as Rimas de Bécquer.
Depois, tombados na terra, de qualquer maneira,
compreendemos que somos bárbaros, e que isso não pode ser,
que já não temos idade, e tudo isto e aquilo.
Que já não temos idade, e tudo isto e aquilo.
Não havia em Valência dois amantes como nós,
porque amantes como nós são paridos muito poucos.
(Versão minha a partir da tradução castelhana do autor reproduzida em Antología; selecção de Jaume Perez Montaner e Vicent Salvador; Visor, Madrid, 2ª edição, 2003, p. 57).
quinta-feira, 9 de maio de 2013
Vicent Andrès Estellès
Gozo da rua
Para Isabel
A pura alegria da rua
encheu-nos as mãos de ternos punhados de água,
e ríamo-nos, ríamo-nos como tolos,
e em todos os nossos músculos estava a água viva do gozo
vinda por entre as ervas e as lebres.
Íamos sem motivo,
desejando boa noite ao velho matrimónio
e oprimindo silenciosamente os nossos corpos ao vermos
aquela jovem mãe
dando mama ao filho...
Viver era para nós uma oferenda,
um pintassilgo de barro com duas penas pintadas de cores vivas,
um cavalgar em corcéis de cartão, verdes e amarelos,
como um carrossel,
acenando uns aos outros, dizendo: "Adeus, adeus, amor! Nunca te esquecerei!"
A vida era para nós uma surpresa,
uma rã viva no bolso,
uma enorme cúpula de cristal,
um silêncio, um desejo súbito, um estupor,
um relógio parado que Alguém nos tinha
dado para que no fim o pudéssemos abrir
como desde pequenos queríamos
e afinal nada havia de interessante lá dentro.
E voltámos a rir!
O tempo estava no ar. E estendemos as mãos
à procura de punhados de tempo. Mas o tempo também não estava ali!
Nada mais era a alegria da rua.
E os gritos
- "Golo!" -
dos miúdos que jogavam
futebol assim que saíam da escola...
Para Isabel
A pura alegria da rua
encheu-nos as mãos de ternos punhados de água,
e ríamo-nos, ríamo-nos como tolos,
e em todos os nossos músculos estava a água viva do gozo
vinda por entre as ervas e as lebres.
Íamos sem motivo,
desejando boa noite ao velho matrimónio
e oprimindo silenciosamente os nossos corpos ao vermos
aquela jovem mãe
dando mama ao filho...
Viver era para nós uma oferenda,
um pintassilgo de barro com duas penas pintadas de cores vivas,
um cavalgar em corcéis de cartão, verdes e amarelos,
como um carrossel,
acenando uns aos outros, dizendo: "Adeus, adeus, amor! Nunca te esquecerei!"
A vida era para nós uma surpresa,
uma rã viva no bolso,
uma enorme cúpula de cristal,
um silêncio, um desejo súbito, um estupor,
um relógio parado que Alguém nos tinha
dado para que no fim o pudéssemos abrir
como desde pequenos queríamos
e afinal nada havia de interessante lá dentro.
E voltámos a rir!
O tempo estava no ar. E estendemos as mãos
à procura de punhados de tempo. Mas o tempo também não estava ali!
Nada mais era a alegria da rua.
E os gritos
- "Golo!" -
dos miúdos que jogavam
futebol assim que saíam da escola...
(Versão minha a partir da tradução castelhana do autor reproduzida em Antología; selecção de Jaume Perez Montaner e Vincent Salvador; Visor, 2ª edição, Madrid, 2003, pp. 35-36):
sábado, 27 de abril de 2013
Helen Farish em Paredes de Coura 2011
(Agradeço a Albano Ribeiro por me ter feito chegar este registo de uma leitura pública que incluiu um poema traduzido neste blogue).
sábado, 20 de abril de 2013
Mihály Ladányi (1934 - 1986)
Eu podia ter vivido alegremente
Eu podia ter vivdo alegremente
porque para isso tinha aptidão,
tinha a noite serena
e passava horas inteiras sem chorar.
Agora as noites lançam-me um nó corredio
e as minhas artérias apertam-me a garganta.
Se sou amargo, quem me faz amargo?
Vivo a minha vida,
tenho sempre pão e amante
e o vinho nunca escasseia no meu copo.
Já não estou só e abandonado, como os que gesticulam e suam,
os das palmas das mãos feitas de lata,
os que dormem em colchões húmidos.
Quando sigo pelas estradas
e numa taberna -onde se juntam camponeses-
me abeiro do balcão,
não há leis que digam
que para sempre ali devo ficar
ou chegando a manhã
de novo devo tomar a direcção da estrada.
Podia ter vivido alegremente
mas os pássaros aninham as suas crias
nas palmas da minhas mãos
e alguém atou aos meus pés
os caminhos.
Podia ter vivido alegremente
mas agora as casas constroem-se em mim
e retumbam em mim na sua destruição.
Sou de alguma coisa o instrumento,
sinto sempre sobre mim o grande olho ardente
e vou por aqui e por ali, à deriva, embora
pudesse ter vivido alegremente.
Eu podia ter vivdo alegremente
porque para isso tinha aptidão,
tinha a noite serena
e passava horas inteiras sem chorar.
Agora as noites lançam-me um nó corredio
e as minhas artérias apertam-me a garganta.
Se sou amargo, quem me faz amargo?
Vivo a minha vida,
tenho sempre pão e amante
e o vinho nunca escasseia no meu copo.
Já não estou só e abandonado, como os que gesticulam e suam,
os das palmas das mãos feitas de lata,
os que dormem em colchões húmidos.
Quando sigo pelas estradas
e numa taberna -onde se juntam camponeses-
me abeiro do balcão,
não há leis que digam
que para sempre ali devo ficar
ou chegando a manhã
de novo devo tomar a direcção da estrada.
Podia ter vivido alegremente
mas os pássaros aninham as suas crias
nas palmas da minhas mãos
e alguém atou aos meus pés
os caminhos.
Podia ter vivido alegremente
mas agora as casas constroem-se em mim
e retumbam em mim na sua destruição.
Sou de alguma coisa o instrumento,
sinto sempre sobre mim o grande olho ardente
e vou por aqui e por ali, à deriva, embora
pudesse ter vivido alegremente.
(Versão minha a partir da versão castelhana de Yolanda Ulloa reproduzida em Cincuenta poemas de quince poetas húngaros del siglo XX; selecção de András Simor, Izana Editores, Madrid, 2012, pp. 141-142).
segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013
Maxim Rilsky (1895 - 1964)
A arte de traduzir
A flecha avança por planícies desconhecidas.
Onde paira a ave? Hoje será um dia de sorte?
O disparo será preciso? Num precipitado turbilhão
As cercetas levantam voo instalando na alma a agitação.
Assim o livro imagina o seu horizonte
E nessas linhas, configuradas sobre o papel,
Tens de capturar com a destreza de um caçador,
Oferecendo-a aos teus congéneres, a essência do real.
Não é necessário matar! Cada analogia possui
O seu próprio limite: procura que as palavras
Não transformem a sua riqueza em ausência de sentido,
Que nelas permaneça vivo o pensamento
E que o espírito poético se manifeste sobre nós
Como algo íntimo, num sopro que vem do que é único.
(1940)
A flecha avança por planícies desconhecidas.
Onde paira a ave? Hoje será um dia de sorte?
O disparo será preciso? Num precipitado turbilhão
As cercetas levantam voo instalando na alma a agitação.
Assim o livro imagina o seu horizonte
E nessas linhas, configuradas sobre o papel,
Tens de capturar com a destreza de um caçador,
Oferecendo-a aos teus congéneres, a essência do real.
Não é necessário matar! Cada analogia possui
O seu próprio limite: procura que as palavras
Não transformem a sua riqueza em ausência de sentido,
Que nelas permaneça vivo o pensamento
E que o espírito poético se manifeste sobre nós
Como algo íntimo, num sopro que vem do que é único.
(1940)
(Versão minha a partir da tradução castelhana de Iury Lech reproduzida em Poesía ucraniana del siglo XX - Una iconografia del alma; prólogo e selecção do tradutor; Litoral/Edições UNESCO, Torremolinos/Málaga, 1993. Com este poema assinalam-se cinco anos de Do trapézio, sem rede. Foi um imenso prazer. Vemo-nos por aí).
sábado, 2 de fevereiro de 2013
Wolf Biermann
Um pouco de paz
Crianças que acordam
Mulheres que lavam roupa de manhã
Homens que escrevem poemas s o b r e:
Crianças
que acordam
Mulheres
que lavam roupa de manhã
Homens
que escrevem poemas
(Versão minha a partir da tradução inglesa de Michael Hamburguer reproduzida em East Germany Poetry - an anthology; selecção do tradutor; Carcanet Press, Oxford, 1972, p. 177).
Crianças que acordam
Mulheres que lavam roupa de manhã
Homens que escrevem poemas s o b r e:
Crianças
que acordam
Mulheres
que lavam roupa de manhã
Homens
que escrevem poemas
(Versão minha a partir da tradução inglesa de Michael Hamburguer reproduzida em East Germany Poetry - an anthology; selecção do tradutor; Carcanet Press, Oxford, 1972, p. 177).
terça-feira, 29 de janeiro de 2013
Reiner Kunze
O fim das fábulas
Era uma vez uma raposa...
o galo começou
a compor uma fábula
Mas percebeu
que não o podia fazer
se a raposa a ouvisse
viria ter com ele e apanhá-lo-ia
Era uma vez um lavrador...
o galo começou
a compor uma fábula
Mas percebeu
que não o podia fazer
se o lavrador a ouvisse
viria torcer-lhe o pescoço
Era uma vez...
Procurem-nas por aqui procurem-nas por ali
Descobrirão que não há fábulas em lado nenhum
Era uma vez uma raposa...
o galo começou
a compor uma fábula
Mas percebeu
que não o podia fazer
se a raposa a ouvisse
viria ter com ele e apanhá-lo-ia
Era uma vez um lavrador...
o galo começou
a compor uma fábula
Mas percebeu
que não o podia fazer
se o lavrador a ouvisse
viria torcer-lhe o pescoço
Era uma vez...
Procurem-nas por aqui procurem-nas por ali
Descobrirão que não há fábulas em lado nenhum
(Versão minha minha a partir da tradução inglesa de Michael Hamburguer reproduzida em East Germany Poetry - an anthology; selecção do tradutor; Carcanet Press, Oxford, 1972, p. 123).
sábado, 26 de janeiro de 2013
Kurt Marti
Depois do desaparecimento da cidade de Berna
onde tranquilamente
a erva daninha
pode brotar
labirintos
de pedestais de cotos
sobre línguas rochosas
cheias de fetos e selva virgem
ainda assim às vezes
turistas procedentes de
áfrica ou da ásia
tropeçam nos lugares em ruínas
a guia revela-lhes
que em tempos aqui
existiu uma cidade
- BÖRN ou coisa parecida -
e a gente de cor inclina a cabeça
olha rapidamente em redor
tira também algumas fotos dos destroços
e mordisca biscoitos feitos em nairobi
onde tranquilamente
a erva daninha
pode brotar
labirintos
de pedestais de cotos
sobre línguas rochosas
cheias de fetos e selva virgem
ainda assim às vezes
turistas procedentes de
áfrica ou da ásia
tropeçam nos lugares em ruínas
a guia revela-lhes
que em tempos aqui
existiu uma cidade
- BÖRN ou coisa parecida -
e a gente de cor inclina a cabeça
olha rapidamente em redor
tira também algumas fotos dos destroços
e mordisca biscoitos feitos em nairobi
(Versão minha a partir da tradução castelhana de Hans Leopold Davi reproduzida na Antología de la poesía suiza alemana contemporánea; selecção e introdução do tradutor, Los Libros de la Frontera, s/d., pp. 97-99).
terça-feira, 22 de janeiro de 2013
Antoine Douaihy
Um átomo de vazio
Estou repleto de ti desde um extremo ao outro extremo do meu corpo, e o teu corpo afoga-se em mim sem deixar um só átomo para a razão, a memória, o sentimento consciente, a alma visionária. É possível que te tenha tragado? Ergue a tua mão para mim para que eu saiba que estás viva.
(Versão minha a partir da tradução castelhana de Joumana Haddad reproduzida em Allí donde el río se incendia - Antología de la poesía libanesa moderna, Norteysur, Málaga, 2005, p. 35).
terça-feira, 15 de janeiro de 2013
Jon Benito
[Pela terceira vez...]
Pela terceira vez
saio à tua procura.
Procuro-te
nos sítios onde te encontrei até ontem:
nos bares do costume, nos terraços, dando um passeio de bicicleta.
Hoje é dia de festa,
chove pela primeira vez no verão.
Não encontro abrigo para a minha solidão.
Queria encontrar-te debaixo de todos os guarda-chuvas.
Queria abraçar-te debaixo das arcadas.
Tenho vertigens só de pensar que
estás em algum sítio onde não estou.
Pela terceira vez
saio à tua procura.
Procuro-te
nos sítios onde te encontrei até ontem:
nos bares do costume, nos terraços, dando um passeio de bicicleta.
Hoje é dia de festa,
chove pela primeira vez no verão.
Não encontro abrigo para a minha solidão.
Queria encontrar-te debaixo de todos os guarda-chuvas.
Queria abraçar-te debaixo das arcadas.
Tenho vertigens só de pensar que
estás em algum sítio onde não estou.
(Versão minha a partir da tradução castelhana do autor reproduzida em Un puente de palabras - 5 jóvenes poetas vascos; edição bilingue: basco/castelhano; selecção/organização de Jon Kortazar, Centro de Lingüística Aplicada Atenea, Madrid, 2005, p. 147).
domingo, 13 de janeiro de 2013
Marts Pujats
[Não é difícil...]
Não é difícil chegar a um qualquer lugar do mundo,
Avança até à água - olha, olha fixamente, depois nada.
Naquele tempo sentado numa rocha ardente eu disse-te:
A água é um músculo.
A água contrai-se sempre que tu dás as tuas braçadas.
Não é difícil chegar a um qualquer lugar do mundo,
Avança até à água - olha, olha fixamente, depois nada.
Naquele tempo sentado numa rocha ardente eu disse-te:
A água é um músculo.
A água contrai-se sempre que tu dás as tuas braçadas.
(Versão minha a partir da tradução inglesa de Ieva Lesinska reproduzida em Six latvian poets; organização da tradutora, introdução de Juris Krombergs, Arca, Todmordem, 2011, p. 119).
quarta-feira, 9 de janeiro de 2013
Matei Visniec
Uma manhã no parque
Durante as manhãs silenciosas impecáveis
costumo passear com o trompete debaixo do braço
pelo parque municipal
ponho-me de pé em cima de um dos bancos molhados
e sonhador começo a tocar
um homem e uma mulher detêm-se à minha frente
escutam perturbados, abraçam-se logo de seguida
e ele diz-lhe emocionado a partir de amanhã,
sim, a partir de amanhã, mudaremos o nosso modo de vida
trataremos de ser felizes iremos ao
cinema discutiremos arte
coleccionaremos postais pensaremos nas grandes verdades
dia após dia ao entardecer
apertaremos as mãos olhar-nos-emos olhos nos olhos
e a cada vinte e quatro horas
faremos uma boa acção
e no verão
oh, no verão
visitaremos de autocarro a Bulgária
Durante as manhãs silenciosas impecáveis
costumo passear com o trompete debaixo do braço
pelo parque municipal
ponho-me de pé em cima de um dos bancos molhados
e sonhador começo a tocar
um homem e uma mulher detêm-se à minha frente
escutam perturbados, abraçam-se logo de seguida
e ele diz-lhe emocionado a partir de amanhã,
sim, a partir de amanhã, mudaremos o nosso modo de vida
trataremos de ser felizes iremos ao
cinema discutiremos arte
coleccionaremos postais pensaremos nas grandes verdades
dia após dia ao entardecer
apertaremos as mãos olhar-nos-emos olhos nos olhos
e a cada vinte e quatro horas
faremos uma boa acção
e no verão
oh, no verão
visitaremos de autocarro a Bulgária
(Versão minha a partir da tradução castelhana de Angelica Lambru reproduzida em El muro del silencio - Antología de poesía rumana contemporánea, selecção e organização da tradutora, Huerga & Fierro, 2007, p. 162).
domingo, 6 de janeiro de 2013
Dorin Popa
Confissão em dezembro
pedi sempre ao outro, com dureza,
que olhasse as coisas de frente,
mas eu não as olhei
todas as minhas condenações
conservaram-se durante anos à minha frente
mas eu não soube segui-las
não soube segui-las
não soube compreendê-las
não pude decifrá-las
até ao fim
nunca
soube levar nada
até ao fim
só a juventude passa,
só a alegria passa,
só a vida passa,
só ela, a minha culpa inteira, perdura
nunca
soube levar nada
até ao fim
sempre pedi com dureza ao outro
que olhasse as coisas de frente,
mas eu voltei o rosto
e agora que nada espero
a minha esperança
é mais forte do que nunca
pedi sempre ao outro, com dureza,
que olhasse as coisas de frente,
mas eu não as olhei
todas as minhas condenações
conservaram-se durante anos à minha frente
mas eu não soube segui-las
não soube segui-las
não soube compreendê-las
não pude decifrá-las
até ao fim
nunca
soube levar nada
até ao fim
só a juventude passa,
só a alegria passa,
só a vida passa,
só ela, a minha culpa inteira, perdura
nunca
soube levar nada
até ao fim
sempre pedi com dureza ao outro
que olhasse as coisas de frente,
mas eu voltei o rosto
e agora que nada espero
a minha esperança
é mais forte do que nunca
(Versão minha a partir da tradução castelhana de Angelica Lambru reproduzida em El muro del silencio - Antología de poesía rumana contemporánea; selecção e organização da tradutora; Huerga & Fierro, 2007, pp. 150-151).
quinta-feira, 3 de janeiro de 2013
Liviu Antonesei
Romance
Recordação de E. A. Poe
A flor da sua carne não voltarei a ver,
não voltarei a ver, não voltarei a ver
nunca mais
e ela a minha boca não quebrantará
não quebrantará, não quebrantará,
como tantas vezes,
inteira.
Os seus seios nus sobre a minha pele não voltarão,
não voltarão, não voltarão
jamais
e o meu coração para sempre errará
para sempre errará, para sempre errará
no deserto de pedra
áspero.
Na sua gruta não penetrarei mais,
não penetrarei mais, não penetrarei
jamais
e a minha carne morta será, morta será,
morta será,
despedaçada.
A flor da sua carne não voltarei a ver,
não voltarei a ver, não voltarei a ver
recostada
e o botão de rosa não me sorrirá,
não me sorrirá, não me sorrirá
nunca mais.
Nunca mais.
Nunca mais.
Assim grasnou o corvo feroz.
Recordação de E. A. Poe
A flor da sua carne não voltarei a ver,
não voltarei a ver, não voltarei a ver
nunca mais
e ela a minha boca não quebrantará
não quebrantará, não quebrantará,
como tantas vezes,
inteira.
Os seus seios nus sobre a minha pele não voltarão,
não voltarão, não voltarão
jamais
e o meu coração para sempre errará
para sempre errará, para sempre errará
no deserto de pedra
áspero.
Na sua gruta não penetrarei mais,
não penetrarei mais, não penetrarei
jamais
e a minha carne morta será, morta será,
morta será,
despedaçada.
A flor da sua carne não voltarei a ver,
não voltarei a ver, não voltarei a ver
recostada
e o botão de rosa não me sorrirá,
não me sorrirá, não me sorrirá
nunca mais.
Nunca mais.
Nunca mais.
Assim grasnou o corvo feroz.
(Versão minha a partir da tradução castelhana de Angelica Lambru reproduzida em El muro del silencio - Antología de poesía rumana comtemporánea; selecção e organização da tradutora; Huerga & Fierro, 2007, pp. 35-36).