sexta-feira, 29 de abril de 2011

Ricardo Castro Ferreira

O retiro pelo risco


(Acrílico sobre papel, 2011)

terça-feira, 26 de abril de 2011

Hafid Gafaïti (2)

Nova partida



de manhã depois de pão e chá
não são necessárias palavras
armados de paciência e dúvida
desposamos a costa de novo

passamos Tamanrasset
marcha fatigada
olhares na distância
nunca termina o grito

perseguimos ecos
tendas nómadas rios secos
até turbilhões e sementes
nos perderem para sempre



(Versão inédita de António Ladeira; poema do livro La tentation du désert / The temptation of the desert, L' Harmattan, Paris, 2008, p. 66).

domingo, 24 de abril de 2011

Jüri Talvet

Breve carta para Álvaro de Campos



O que é a realidade? Apenas um monte de ossos. Por isso há
que construir, só por isso há que construir com argamassa
feita de cinza e madrugada, imaginações, paredes que falem
para uma casa em que talvez um dia se aloje uma rapariga.



(Versão minha a partir da tradução castelhana de Albert Lázaro-Tinaut e revista pelo autor incluída em Del sueño, de la nieve (Antología 2001-2009), Olifante, edição bilingue estónio-castelhana, Saragoça, 2010, p. 33).

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Ricardo Castro Ferreira

Comunicação de ausência



























(Acrílico sobre papel, 2011)

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Hafid Gafaïti (1)

Da necessidade de continuar argelino



Nasci em berbere
Sinto em árabe
Penso em francês
Trabalho em inglês
Canto em espanhol
Recordo em latim
Transmito em grego
Partilho em hebraico
Questiono em sânscrito
Espero em americano
Sento-me em zen
Comunico em não-dito

Falo todas as línguas
Rio-me com todas as vozes
Sangro em silêncio
Amo em cada palavra

concebida Múltipla
Vivo em argelino
Morro em humano



(Versão inédita de António Ladeira; poema do livro La gorge tranchée du soleil / The slit throat of the sun, L' Harmattan, Paris, 2006, p. 82.
Hafid Gafaïti nasceu na Argélia, onde, durante a guerra civil (anos 90), foi membro do movimento democrático de oposição quer ao regime militar, quer ao partido islamita. Foi membro fundador da secção argelina da Aministia Internacional, tal como membro activo do movimento feminista. Como intelectual e crítico que colaborava sobretudo com dissidentes políticos, escritores e poetas (todos na "lista da morte" das forças anti-democráticas), Hafid foi considerado um inimigo tanto do governo como da insurreição islâmica.
Estudou e leccionou em múltiplas universidades na Argélia, Inglaterra e Estados Unidos. Hafid Gaifaïti é actualmente professor de literaturas francófonas na Texas Tech University. Publicou numerosos livros de ensaios e de crítica literária e, desde 2006, editou três livros de poesia. O poema aqui apresentado é o primeiro de um conjunto que será publicado neste blogue. Segundo sabemos, é o primeiro poema do autor passado para português. Ao poeta, por ter autorizado a publicação do poema, e a António Ladeira pela tradução - e por tudo mais - o nosso agradecimento).

sábado, 9 de abril de 2011

Robert Bly

É tarde e conduzo até à cidade para pôr uma carta no correio



A noite está fria e neva. A rua principal está deserta.
As únicas coisas que se mexem são remoinhos de neve.
Ao levantar a tampa da caixa do correio, sinto o seu metal gelado.
Há um isolamento que eu amo nesta noite nevada.
Andando às voltas poderei demorar-me um pouco mais.



(Versão minha; o original surge em Good poems for hard times, selecção e introdução de Garrison Keillor, Viking, Nova Iorque, 2005, p. 253)

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Ricardo Castro Ferreira

O corpo da pintura




















(Óleo sobre papel, 2010 - colecção particular)

segunda-feira, 4 de abril de 2011

W. S. Merwin

Ar



Naturalmente é de noite.
Sob o alaúde virado com a sua
Única corda eu sigo o meu caminho
O qual tem um som estranho.

Pó aqui, pó daquele lado.
Escuto os dois lados
Mas prossigo.
Lembro-me das folhas
Paradas nas suas deliberações
E depois o inverno.

Lembro-me da chuva com o seu feixe de estradas.
A chuva conduzindo todas as suas ruas.
A lugar algum.

Jovem como eu, velha como eu.

Esqueço o amanhã, o homem cego.
Esqueço a vida entre janelas enterradas.
O olhar das cortinas.
A parede
Crescendo entre as perpétuas.
Esqueço o silêncio
O autor do sorriso.

Isto deve ser o que eu quis fazer.
Caminhar de noite entre os dois desertos,
Cantando.



(Versão inédita de António Ladeira; o original pode ser lido aqui).