sábado, 27 de abril de 2019

Ron Padgett

Os números romanos



Multiplicar deve ter sido
bem complicado para os Romanos
- não me refiro à acção de se reproduzirem
mas ao campo da computação.

Pensa num número romano
por um instante, um dos grandes
como MDCCLIX. Repara
nas colunas, nas arcadas
e nas arquitraves: não podes movê-las,
mas são tão belas e
majestosas! Tenta, no entanto, multiplicar
MDCCCLXIV por MCCLVIII.

Como é que eles faziam?

Pus esta questão há uns anos
e nunca encontrei uma resposta
pois nunca a procurei,
mas é agradável
viver com uma questão deste género.

Talvez os Romanos não fossem bons a matemática,
ao contrário dos Árabes, que chegaram
com carradas de números, suficientes
para toda a gente. Ainda hoje temos
mais do que aqueles de que precisamos.

Eu tenho um 6 e um 7 que,
postos lado a lado, formam a minha idade.

Pensando bem,
preferia ter LXVII.



(Versão minha a partir do original publicado em Alone and not alone, Coffee Houese Press, Minneapolis, 2015, pp. 2-3).

segunda-feira, 22 de abril de 2019

Abbas Kiarostami

(...)

XL

As flores silvestres
ninguém as cheirou
ninguém as colheu
ninguém as vendeu
ninguém as comprou

(...)

LXIII

Por negligência
cruzaram-se
duas linhas paralelas

(...)

CX


o cavalo de bronze
não atira ao chão
o seu cavaleiro

(...)

CXL

Não sabia ler
nem escrever
mas dizia coisas
que eu nunca havia lido
nem ninguém havia escrito

(...)

CXLII

No dicionário
à frente da palavra "nada"
naturalmente
tem de estar escrito
"nada"

(...)

CLI

Reunião
de hortaliças
no mercado da fruta

(...)

CLVI

O glorioso dia do nascimento
o amargo dia da morte
entre ambos alguns dias

(...)

CCVI

Quando no meu bolso não tenho nada
tenho poemas
quando no frigorífico não tenho nada
tenho poemas
quando no coração não tenho nada
nada tenho

(...)



(Tradução minha a partir de El viento y la hoja, tradução castelhana de Ahmad Taherí e de Clara Janés; prólogo de Santos Zunzunegui; Salto de Página, 2015).

sábado, 20 de abril de 2019

Víctor Botas

"A fragrância desnuda..."



A fragrância desnuda
do íntimo crepúsculo, nas tardes
dolentes do jardim (nunca o esqueças),
deve-se, mais do que tudo,
ao facto de um homem vulgar
ter aqui posto, um dia,
o esterco necessário.



(Versão minha a partir do original castelhano incluído em Poesía completa, La Isla de Siltolá, Sevilha, 2012, p. 38).