Escrito em Lisboa
Dizia que se escreve porque existir não chega
e que passou incógnito pela sua vida;
que ser poeta era a sua forma de estar sozinho
e que se sentia sempre
"vencido como alguém que sabe a verdade".
Ao lado da sua estátua
contei a Maria que Pessoa sonhava
estar longe, apartado de quem era;
que construía ruínas
e que alguns o designavam
como o arquitecto do inacabado.
Acreditava que esconder-se significava ser livre
e que fechar os olhos o separava do medo:
"- Troca por vinho o doce amor que não terás."
Ontem vim a Lisboa
porque era a cidade desse homem triste
que só lutava para fugir ao combate;
que pensou que quem cala é dono do silêncio;
que não precisava de mais do que seis palavras
para contar a sua história:
"invejo todos porque não são eu";
e hoje parto seguro de que não trocaria
os seus versos negros pela marca branca
do teu anel na minha pele.
Prefiro estar contigo e que me esqueçam
a escrever uma obra prima na qual conte
que ainda não te encontrei
ou que já te perdi.
(Versão minha; Acuerdo verbal - Poesía completa (1986-2014); Visor, 2ª edição, 2018, pp.427-428).