Para ajudar o macaco a atravessar o rio,
o que ele tem
de fazer, nadando, para apanhar frutos e nozes,
para o ajudar
sento-me com a minha carabina numa plataforma
bem alta numa árvore, do mesmo lado do rio
em que se encontra o macaco esfomeado. Como é que isto o
ajuda? Quando ele se lança à água para chegar à outra margem
olho primeiro rio acima: os predadores movem-se mais depressa a favor
do que contra a corrente.
Se um crocodilo se prepara rio acima para comer o macaco
e uma anaconda rio abaixo arde
com a mesma ambição, elaboro
os cálculos, a álgebra necessária, os ângulos, as relações de velocidade
de macaco-crocodilo-e cobra, e se, se
se afigura provável que a anaconda ou o crocodilo
irão apanhar o macaco
antes de ele atingir a margem mais afastada do rio,
então aponto a minha carabina e disparo
uma, duas, três, talvez até quatro vezes para o rio,
mesmo a rasar as costas do macaco
para o apressar um pouco.
Deveria disparar sobre a cobra, o crocodilo?
Eles apenas desempenham os seus papéis na história,
mas o macaco, o macaco
tem duas mãozinhas que parecem as de uma criança,
e os mais espertos, numa jaula, podem ser ensinados a sorrir.
(versão minha; original e leitura do poeta aqui).
terça-feira, 30 de setembro de 2008
domingo, 28 de setembro de 2008
Carol Ann Duffy
Palavras, extensa noite
Algures do outro lado desta extensa noite
e da distância entre nós, estou a pensar em ti.
O meu espaço despede-se lentamente do espaço.
Isto é agradável. Ou devo riscar isto e dizer
que é triste? Numa certa linha do tempo canto
uma impossível canção de desejo que não podes escutar.
Lá lala lá. Entendes? Fecho os meus olhos e imagino
as montanhas negras que teria que atravessar
para te alcançar. Porque te amo e isto
é como é ou como é em palavras.
Algures do outro lado desta extensa noite
e da distância entre nós, estou a pensar em ti.
O meu espaço despede-se lentamente do espaço.
Isto é agradável. Ou devo riscar isto e dizer
que é triste? Numa certa linha do tempo canto
uma impossível canção de desejo que não podes escutar.
Lá lala lá. Entendes? Fecho os meus olhos e imagino
as montanhas negras que teria que atravessar
para te alcançar. Porque te amo e isto
é como é ou como é em palavras.
(versão minha; original reproduzido em Poems on the Underground, organização e selecção de Gerard Benson, Judith Chernaik e Cicely Herbert, Weidenfeld & Nicolson, London, 10ª edição reimpressa em 2007, p. 141.)
quinta-feira, 25 de setembro de 2008
Primo Levi
25 Fevereiro 1944
Quem me dera acreditar em alguma coisa,
Alguma coisa para além da morte que te desfez.
Quem me dera poder dizer a força
Com que desejávamos então,
Já submersos,
Poder voltar a caminhar por uma vez
Livres sob o sol.
Quem me dera acreditar em alguma coisa,
Alguma coisa para além da morte que te desfez.
Quem me dera poder dizer a força
Com que desejávamos então,
Já submersos,
Poder voltar a caminhar por uma vez
Livres sob o sol.
(versão minha; original e tradução para inglês de Eleonora Chiavetta reproduzidos em Poems on the Underground, organização e selecção de Gerard Benson, Judith Chernaik e Cicely Herbert, Weidenfeld & Nicolson, London, 10ª edição reimpressa em 2007, p. 243.)
terça-feira, 23 de setembro de 2008
Anna Swir
O mesmo interior
A caminho de tua casa para um festim de amor
vi na esquina de uma rua
uma velha pedinte.
Peguei na sua mão,
beijei a sua face delicada,
conversámos, ela tinha
o mesmo interior que eu,
do mesmo género,
senti-o instantaneamente
como um cão conhece pelo cheiro
outro cão.
Dei-lhe dinheiro,
não conseguia separar-me dela.
Afinal, todos precisamos
dos que nos são próximos.
E depois eu já não sabia
porque caminhava para tua casa.
****
Sandálias de praia
Nadei para longe de mim mesma.
Não me chames.
Nada também para longe de ti mesmo.
Nadaremos para longe, abandonando os nossos corpos
na margem
como um par de sandálias de praia.
****
Não é fácil
Ponho algemas
e grilhões de ferro
e agora
corro.
A caminho de tua casa para um festim de amor
vi na esquina de uma rua
uma velha pedinte.
Peguei na sua mão,
beijei a sua face delicada,
conversámos, ela tinha
o mesmo interior que eu,
do mesmo género,
senti-o instantaneamente
como um cão conhece pelo cheiro
outro cão.
Dei-lhe dinheiro,
não conseguia separar-me dela.
Afinal, todos precisamos
dos que nos são próximos.
E depois eu já não sabia
porque caminhava para tua casa.
****
Sandálias de praia
Nadei para longe de mim mesma.
Não me chames.
Nada também para longe de ti mesmo.
Nadaremos para longe, abandonando os nossos corpos
na margem
como um par de sandálias de praia.
****
Não é fácil
Ponho algemas
e grilhões de ferro
e agora
corro.
(versões minhas, a partir das traduções para inglês de Czeslaw Milosz e Leonard Nathan, reproduzidas em Talking to my body, Copper Canyon Press, Washington, 1996, pp. 73, 131 e 125.)
sábado, 20 de setembro de 2008
Stuart Kestenbaum
Oração pelos mortos
A neve suave começou tarde a noite passada e continuou
a noite toda enquanto eu dormia e podia ouvi-la entrar
ocasionalmente no meu sono, no qual sonhei que o meu irmão
estava de novo vivo e possuía a beleza da juventude, consciente
de que ele partiria de novo em breve e de que essa é a lição
da neve a cair e das sementes de morte que existem em tudo
o que nasce: estamos aqui por um momento
numa história que é mais longa do que nós e poucos de nós
recordam, o vento nasce em sítios
que desconhecemos, e cada momento contém ritmos
dentro de ritmos, e se descobres restos antigos
da tua própria escrita, ou uma velha fotografia,
podes não ter a certeza de que foste tu mesmo que tenhas sido tu,
não és tu agora, nem este momento que une o fogo
e as tuas mãos movem-se para cobrir o teu rosto num gesto
de dor e recordação.
(versão minha; o original, com o irmão do poeta e o 11 de Setembro de 2001 em fundo, pode ser lido aqui).
A neve suave começou tarde a noite passada e continuou
a noite toda enquanto eu dormia e podia ouvi-la entrar
ocasionalmente no meu sono, no qual sonhei que o meu irmão
estava de novo vivo e possuía a beleza da juventude, consciente
de que ele partiria de novo em breve e de que essa é a lição
da neve a cair e das sementes de morte que existem em tudo
o que nasce: estamos aqui por um momento
numa história que é mais longa do que nós e poucos de nós
recordam, o vento nasce em sítios
que desconhecemos, e cada momento contém ritmos
dentro de ritmos, e se descobres restos antigos
da tua própria escrita, ou uma velha fotografia,
podes não ter a certeza de que foste tu mesmo que tenhas sido tu,
não és tu agora, nem este momento que une o fogo
e as tuas mãos movem-se para cobrir o teu rosto num gesto
de dor e recordação.
(versão minha; o original, com o irmão do poeta e o 11 de Setembro de 2001 em fundo, pode ser lido aqui).
quarta-feira, 17 de setembro de 2008
Vagn Steen
$capitalista$
$uma$sociedade$
$capitalista$transforma$tudo$
$em$dinheiro$e$capitaliza$todos$
$os$serviços$tudo$é$expresso$
$monetariamente$e$exactamente$contabilizado$
$tudo$tem$um$aspecto$
$monetário$tudo$tem$
$um$sorriso$monetário$
$tudo$
(versão minha a partir da tradução para inglês feita pelo poeta, reproduzida em Poems on the Underground, organização e selecção de Gerard Benson, Judith Chernaik e Cicely Herbert, Weidenfeld & Nicolson, London, 10ª edição reimpressa em 2007, p. 249.)
domingo, 14 de setembro de 2008
Cicely Herbert
Tudo muda
depois de Brecht, "Alles wandelt sich"
Tudo muda. Plantamos
árvores em nome dos que vão nascer
mas o que aconteceu aconteceu,
e os venenos vazados nos mares
não mais serão drenados.
O que aconteceu aconteceu.
Os venenos vazados nos mares
não mais serão drenados, mas
tudo muda. Plantamos
árvores em nome dos que vão nascer.
depois de Brecht, "Alles wandelt sich"
Tudo muda. Plantamos
árvores em nome dos que vão nascer
mas o que aconteceu aconteceu,
e os venenos vazados nos mares
não mais serão drenados.
O que aconteceu aconteceu.
Os venenos vazados nos mares
não mais serão drenados, mas
tudo muda. Plantamos
árvores em nome dos que vão nascer.
(versão minha; original reproduzido em Poems on the Underground, organização e selecção de Gerard Benson, Judith Chernaik e Cicely Herbert, Weidenfeld & Nicolson, London, 10ª edição reimpressa em 2007, p. 89.)
domingo, 7 de setembro de 2008
Samih al-Qasim
Como me transformei num artigo
Eles mataram-me uma vez
Agora exibem o meu rosto infinitas vezes
****
Fim de um debate com um carcereiro
Do postigo da minha estreita cela
posso avistar árvores a sorrir-me,
telhados repletos com a minha gente,
janelas chorando e rezando por mim.
Do postigo da minha estreita cela
posso avistar a tua imensa cela.
****
Eternidade
Folhas caem de quando em quando,
No entanto o tronco do carvalho...
****
Bilhetes de viagem
No dia em que me matar
O meu assassino encontrará no meu bolso
Bilhetes de viagem
Para a paz,
Para os campos e a chuva,
Para a consciência do povo.
Peço-te: não os desperdices, por favor.
Suplico-te, a ti que me mataste - Viaja.
(versões minhas a partir das traduções inglesas de Abdullah al-Udhari reproduzidas em Victims of a Map: a bilingual anthology of arabic poetry, SAQI, London, 2005, pp. 71, 77, 79 e 59).
terça-feira, 2 de setembro de 2008
Samih al-Qasim
Confissão ao meio-dia
Plantei uma árvore
Desprezei o fruto
Queimei o tronco como lenha
Fiz um alaúde
E toquei uma melodia
Quebrei o alaúde
Perdi o fruto
Perdi a melodia
Chorei sobre a árvore
Plantei uma árvore
Desprezei o fruto
Queimei o tronco como lenha
Fiz um alaúde
E toquei uma melodia
Quebrei o alaúde
Perdi o fruto
Perdi a melodia
Chorei sobre a árvore
(versão minha a partir da tradução inglesa de Abdullah al-Udhari reproduzida em Victims of a Map: a bilingual anthology of arabic poetry, SAQI, London, 2005, p. 57).
Subscrever:
Mensagens (Atom)