terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Bruce Bennett

 Os mais altos conseguimentos



      Um homem tem cada vez menos que dizer,
e di-lo cada vez melhor.

      "Em breve", exulta ele, "Não terei
nada para dizer, e di-lo-ei
na perfeição."



(Versão minha; poema incluído na antologia What have you lost?; selecção de Naomi Shihab Nye, Greenwillow Books / HarperCollins, Nova Iorque, 2001, p. 65).


segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Tony Hoagland

 A pergunta


                "We are what is missing from the world"
                                                    Fernando Pessoa


Certas perguntas não têm resposta.
Depois de colocadas ficam suspensas na mente
Como bocas abertas, cheias de alguma coisa que se perdeu.
O grande poeta português, Pessoa,
Disse que a ideia de felicidade
É o que nos conduz a uma permanente tristeza.
O corpo, ao imaginar a alma,
Vê-se como horrível diante de si mesmo.
Um homem ouve uma palavra, e o mundo
Torna-se num sítio que ele não compreende.
De modo que, coberto de vergonha
Pelo que não sabe, ele ascende até à sua vida
E recusa-se a descer.

Se o pudéssemos convencer de novo
Seria possível dizer-lhe, digamos,
Que nada pode ser explicado.
A forma das maçãs, por exemplo,
Pela sua paixão de viajar.
Ou a cor azul do céu
Por ser mais acessível aos olhos.
Até o cão, ao perseguir a cauda,
Tem, durante algum tempo, um centro.
E mesmo o pássaro, quando desaparece no seu buraco,
Sabe que o mundo prossegue sem ele.
E Pessoa, esse homem eminentemente sadio,
Esse artista, usava um chapéu azul de feltro
Até nos dias mais quentes de verão.
Apenas para o atirar aos estranhos na rua.
Gostava de os ver a apanharem-no,
E a tornarem-se imediatamente menos estranhos.



(Versão minha; original incluído em What have you lost?; selecção de Naomi Shihab Nye, Greenwillow Books /HarperCollins, Nova Iorque, 2001, pp. 124-125).



terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Miguel d' Ors

 A cotovia de Shelley


                                      Traduzido de Thomas Hardy


Em algum lugar olvidado, longe daqui,
entregue a uma terra esquecida e cega,
jaz o que inspirou o canto de um poeta:
um montinho de pó ignorado e perdido;

o pó da cotovia que Shelley escutou
e que imortalizou sobre todos os tempos
- ainda que tenha vivido o mesmo que outro pássaro
qualquer e não tenha sabido da sua imortalidade -.

Viveu a sua leve vida, e caiu um dia
- apenas uma porção de penas e ossinhos -,
e como pereceu, quando cantou a sua despedida
ou onde se desfez são coisas ignoradas.

Talvez repouse neste barro que contemplo agora,
talvez palpite no verdor de alguma murta
ou durma na cor emergente de uma baga
das ladeiras de uma paisagem remota.

Ide procurá-la, fadas, e trazei
essa pisca de pó inestimável,
e fazei de prata um cofre guarnecido
com ouro e pedras preciosas engastadas,

e nele guardaremos, preservada,
e para sempre a veneraremos
porque permitiu que um bardo conquistasse,
com pensamento e música, as alturas do êxtase.



(Versão minha; poema incluído em La imgen de su cara, Editorial Comares, Granada, 1994, pp. 46-47).

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

José Agustín Goytisolo

 Agravo público



O General foi um homem odiado
e aqui continua ainda a sua estátua equestre:
é revoltante, e não pela sua crueldade,
antes porque nunca montou a cavalo.



(Poema incluído por José Luis García Martín em Poesís española: 1982-1983. Crítica y antología; Hiperión, Madrid, 1983, p. 168).


domingo, 3 de janeiro de 2021

Janet Frame

 Sou invisível


Sou invisível.
Sempre fui invisível
como a pobreza num país rico,
como os ricos nos seus quartos escondidos nas suas casas com muitos quartos,
como as pulgas, os piolhos, como o que cresce debaixo da terra,
os mundos para além do céu, o vento, o tempo, as ideias -
o catálogo da invisibilidade é inesgotável
e, dizem, não é boa poesia.

Como as decisões.
Como qualquer outro lugar.
Como as instituições afastadas da estrada que se chama Scenic Drive.

Chega de comparações. Sou invisível.
Num mundo cheio de gente com visão binocular feitas as contas faço parte da maioria
enquanto tu e eu caminhamos com a nossa pequena lua crescente visitando a nossa obscuridade pessoal
através de um mundo no qual as decisões de ser ou não ser
são controladas pela luz
assistidas pelas lágrimas e o sonho da desatenção ou a morte.

Sou invisível.
Os amantes atravessam a minha vida para se tocarem,
a chuva que cai sobre mim atravessa-me como sangue sobre a terra.
Nenhuma cabeça me concebe como conhecimento.
Para dizer a verdade,
outorgo liberdade àqueles que dançam.
Assim é. Não há ninguém aqui para observar nem escutar dissimuladamente,

e então aprendo mais do que tenho direito a saber.



(Versão minha a partir do original e da tradução espanhola de Irene Artigas incluída em Sueños de lirios - Antología de poetas locos; selecção de Óscar Ayla; introdução de María Castrejón, Huerga & Fierro, Madrid, 2018, pp. 199-200).