sexta-feira, 4 de março de 2011

Ricardo Castro Ferreira

Uma comunicação académica





(Óleo sobre tela, 2010 - colecção particular)

quinta-feira, 3 de março de 2011

Louise Glück

Poema de amor



A dor serve sempre para alguma coisa.
A tua mãe faz malha.
Despacha cachecóis em todos os tons de vermelho.
Eram para o Natal, e mantinham-te quente
enquanto ela casava, uma vez e outra, levando-te
consigo. Como poderia ter dado certo
se ela escondeu o seu coração de viúva todos esses anos
como se os mortos pudessem regressar.
Não admira que sejas como és,
com medo de sangue, as tuas filhas
como paredes de tijolo, uma após outra.



(Versão inédita de António Ladeira; o original pode ser lido aqui).

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Ricardo Castro Ferreira

"Something about that Chimpanzee over there reminds me of you."*




















(Óleo sobre tela, 2010 - colecção particular).
*(Último verso do poema "Mrs Darwin", de Carol Ann Duffy).

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Charles Simic

Feira


Para Hayden Carruth



Se não viste o cão de seis patas,
Não tem importância.
Nós vimos, e ele praticamente só ficava deitado a um canto.
Quanto às pernas extra

As pessoas habituavam-se rapidamente àquilo
E pensavam noutras coisas.
Como, que noite fria e escura
Para se andar na feira.

Depois o dono atirou um pau
E o cão foi apanhá-lo
Nas quatro patas, as outras duas a abanar atrás,
O que fez uma rapariga dar um guincho de riso.

Estava bêbeda tal como o homem
Que teimava em beijar-lhe o pescoço.
O cão apanhou o pau e olhou para nós.
E o espectáculo era aquilo.



(Versão inédita de António Ladeira; o original pode ser lido aqui. Este poema surge na página 53 de Previsão de tempo para utopia e arredores, antologia de Charles Simic, com selecção e tradução da responsabilidade de José Alberto Oliveira, publicada pela Assírio & Alvim em 2002. Mais poemas de Simic em português podem ser lidos aqui e aqui).

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Ricardo Castro Ferreira

Cão com Cabeça de Homem



























(Pastel sobre papel, 2011)

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Charles Wright

Natureza morta em tampa de caixa de fósforos



O coração é mais frio do que o olho.
Os vigilantes, os santos,
sabem-no, não há atalhos para o céu,
um único pêlo de cão pode fender o vento.

Se desejas a grande tranquilidade,
há que trabalhar duro e andar muito.

Não te tortures com o passado.
O mundo não tem apêndices,
nem mensagem, nem nome.



(Versão inédita de António Ladeira; o original pode ser lido aqui).

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Charles Simic

Hotel Insónia



Gostava do meu buraquinho,
com a janela virada para a parede de tijolo.
Na porta ao lado havia um piano.
Algumas tardes por mês
um velho aleijado vinha tocar
"My Blue Heaven."

Mas havia, normalmente, sossego.
Cada quarto com a sua aranha no seu pesado sobretudo
A apanhar a sua mosca com uma teia
De fumo de cigarro e devaneios.
Tão escuro,
que não podia ver a minha cara no espelho da barba.

Às 5 da manhã o som de pés descalços lá em cima.
O Cigano que lia a sina,
Cujo estabelecimento ficava à esquina,
A urinar depois de uma noite de amor.
Uma vez, também, o som de uma criança a chorar.
Tão próximo estava, pensei
Por um momento, que era eu quem chorava.



(Versão inédita de António Ladeira; o original pode ser lido aqui)

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Ricardo Castro Ferreira

Boca bilingue






(Óleo sobre tela, 2011 - colecção particular)

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Joseba Sarrionandia

A mente do prisioneiro



A mente do ex-prisioneiro
volta sempre à cela.
Ele vê juízes, procuradores
e advogados nas ruas, por toda a parte,
e mesmo que não o consigam identificar
os polícias olham-no
durante mais tempo do que a qualquer outro
porque a sua maneira de caminhar parece tensa
ou talvez demasiado descontraída.
No seu coração
ele carrega para sempre um homem condenado.



(Versão minha; original reproduzido em Six basque poets, tradução do basco para o inglês de Amaia Gabantxo, selecção e introdução de Mari Jose Olaziregi, Arc, Todmordem, 2007, p. 85).

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Ricardo Castro Ferreira

White Rabbit






(Óleo sobre tela, 2010)

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Forrest Hamer

Lição



Foi em 1963 ou 4, no Verão,
o meu pai guiava a família
de Forte Hood para a Carolina do Norte no nosso Buick de 56.
Tínhamos ouvido falar dos ataques do Klan, e sabíamos

que o Mississippi se tinha tornado mais perigoso do que o habitual.
A escuridão descia inclinando-se das árvores como faz o musgo
e, nessa noite, quando a luz caiu sobre as janelas,
o meu pai encostou à berma para dormirmos.

Barulhos
que habitualmente não me deixavam adormecer, com medo de monstros,
mantiveram também o meu pai acordado nessa noite
e eu permaneci em silêncio dando conta de que ele estava alerta,
aprendendo que ele poderia não ser capaz de nos proteger

de tudo e de todas as criaturas;
nem talvez da fúria subitamente ruidosa
de todo o meu corpo em relação a esta viagem do Texas
para fixarmos residência antes de ele partir

para um lugar sem lugar no mundo
a que ele chamava Vietname. Um rapaz precisa de um pai
junto de si, eu não parava de pensar, fitando o ruído
que vinha das trevas.



(Versão minha; original reproduzido aqui).

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Inger Elisabeth Hansen

Arame / rede
sobre a condição necessária para contar uma boa história



Quando o inimigo actua em grupo,
quando o inimigo se amontoa e olha fixamente, considera-se uma forma de participação
que não constitui já uma fonte legítima.

Quando o inimigo se deixa levar em grupos até habitações fechadas,
quando o inimigo actua publicamente como um utente da privação da liberdade,
o inimigo ilude aquela obrigação que o indivíduo assume
voluntariamente
em assembleias à porta fechada, onde os que desejam falar entre si
tomam importantes decisões porque sabem que se alguém os leva a algum lado
é para contar uma boa história.



(Versão minha a partir da tradução de Kirsti Baggethun e Espido Freire reproduzida em Latitudes extremas - doce poetas chilenas y noruegas, selecção de Gonzalo Rojas e Inger Elisabeth Hansenm Tabla Rasa, Madrid, 2003, p. 123. Com esta versão assinalam-se três anos a tombar do trapézio, sem rede).

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Manuel Arana

Naufrágios



Ontem quis ser náufrago
e adormecer assim na minha cabana de palmeiras,
fazer com dois cocos um sutiã para a minha mulher.

Quis ser náufrago
e andei pelas bibliotecas e pelas ruas,
questionei inclusivamente a experiência.

E no fim aprendi
que, para o ser,
só tinha de recordar
o que parecia não ter importância,
e varrer um pouco a praia
antes de me instalar,
não se desse o caso do último inquilino
se ter esquecido de o fazer.



(Versão minha; original reproduzido em Poesía por venir - Antologia de jóvenes poetas andaluces, Junta de Andalucía / Editorial Renacimiento, 2004, p. 14).

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Fleur Adcock

Para alguém com cinco anos



Um caracol sobe pelo peitoril da janela
e introduz-se no teu quarto, depois de uma noite de chuva.
Chamas-me para o ver, e eu explico-te
que seria pouco simpático deixá-lo ali:
poderia arrastar-se pelo soalho, temos de evitar
que alguém o esmague. Compreendes-me
e, com mão cuidadosa, leva-lo lá para fora
para que coma um narciso.

Vejo, depois, como uma espécie de confiança subsiste:
a tua gentileza é ainda moldada pelas palavras
que eu digo, eu - que apanhei ratos com ratoeiras e disparei contra aves selvagens,
eu - que afoguei os teus gatinhos, que traí
os teus familiares mais póximos
e distribuí as mais duras verdades por muitos outros.
Mas é assim que as coisas são: eu sou a tua mãe
e nós somos gentis com caracóis.



(Versão minha; original reproduzido em Good poems for hard times, selecção e introdução de Garrison Keillor, Viking, Nova Iorque, 2005, p. 12).

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Grace Cavalieri

Tartes de tomate, 25 cêntimos



Tartes de tomate era o que lhe chamávamos, naquele tempo,
antes das pizzas terem aparecido,
no restaurante da minha avó,
em Trenton, Nova Jersey.
O meu avô enrola almôndegas
lá atrás. Estudou para padre na Sicília mas
livrou a sua irmã Maggie de casar com um tipo bera
vindo para a América.
O tio Joey está a estender a massa e a espalhar o molho.
O tio Joey, sempre impecavelmente limpo,
sóbrio, de camisa branca e engomada, depois
dos polícias o terem deixado em casa apenas há algumas horas.
As empregadas servem-se
à grande tirando dinheiro das caixas
e fazendo apostas com o Moon Mullin
e o Shad, vindos da Broad Street. 1942,
tartes de tomate com queijo, 25 cêntimos.
Com anchovas, tamanho grande, 50 cêntimos.
Um jantar completo custa 60 cêntimos (antes das 6 da tarde).
O modo como os soldados, transportados de Fort Dix,
ficavam lá fora, ao longo de toda a Warren Street,
à espera de experimentar este novo prazer,
rapazes de uniforme,
em fila e a rir, a aprender italiano
antes de embarcarem para combaterem na última grande guerra.



(Versão minha; o original pode ser lido aqui).

domingo, 23 de janeiro de 2011

Manuel Arana

O filho do Colosso de Rodes visita Ankara no Dia do Orgulho Turco



Há homens
que só são capazes de andar de bicicleta
quando os seus pais os obrigam,
que sobem sempre à torre de neón
com o desânimo
de não terem recebido nunca
a sua parte da terra prometida.

Depois dizem
que só viram placas de gelo
e chamas azuis palpáveis,
que depois de seis
ou sete vezes
todas as coisas passam a ser iguais,
ainda que delas precisem.

Porque esses homens cruzam a vida
de bicicleta
e só recebem
palmadinhas nas costas.



(Versão minha; original reproduzido em Poesía por venir - Antología de jóvenes poetas andaluces, Renacimiento / Junta de Andalucía, 2004, pp. 13-14).

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Erica Jong

Parábola da cama com dossel



Porque quer tocá-lo,
ela distancia-se.
Porque quer falar-lhe,
ela fica em silêncio.
Porque quer beijá-lo,
ela afasta-se
& beija um homem que não quer beijar.


Ele observa
pensando que ela não o quer.
Ele escuta
ouvindo o silêncio dela.
Ele afasta-se
pensando que ela é distante
& beija uma rapariga que não quer beijar.

Cada um casa com o seu -
um erro com quatro vias.
Ele vai para a cama com a sua mulher
pensando nela.
Ela vai para a cama com o seu marido
pensando nele.
- & tudo isto numa verdadeira cama com dossel, à maneira antiga.

Viveram infelizes para sempre?
Claro.
Alguma vez reparam os seus erros?
Nunca.
Quem é a vítima?
O amor é a vítima.
Quem é o vilão?
O amor que nunca morre.


(Versão minha; original reproduzido em Good poems, seleccão e introdução de Garrison Keillor, Peguin Books, Nova Iorque, 2002, pp. 347-348).

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Tushar Chowdhury

As palavras sem luz



A poesia ameaça o sonho envenenado, o sonho ligeiro do pub.
A pele verde das palavras oculta o fogo eterno.
A magia do corpo convoca a alma desmaiada.
Diz-lhe: levanta-te, diz-lhe: vem dançar no fogo azulado.

As palavras, como a sabedoria, serão oceânicas,
segundo alguns. Eu penso antes
que estão todas desprovidas de espírito.
As palavras devoram o vento como o acto o desejo.
As palavras são manadas de tartarugas
como o caçador que regressa a casa
depois de matar cento e um patos
e cento e um cavalos voltam ao estábulo
para comer aveia.



(Versão minha a partir das traduções castelhana e francesa de Sumana Sinha, Lionel Ray e F. Torres Monreal reproduzidas em 12 poetas bengalíes - Antologia de poesía india contemporánea, Lancelot, Murcia, 2005, p. 149).

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Richard Jones

Depois do trabalho



Emergindo do metro
para a noite fria de Manhattan,
sinto mãos ásperas no meu coração -
mulheres a gritar no mercado
sobre caixas de tomates e pimentos,
velhos sentados nos degraus a jogar às cartas,
taxistas insultando-se uns aos outros de punho no ar
enquanto os sons dos sinos da igreja
deslizam pela rua
e o pai, exausto e esfomeado
depois de um longo dia de trabalho,
abraça a sua pequena filha,
beija-a,
mi vida, mi corazón,
e desvia-lhe o cabelo dos olhos
para que ela possa ver.




(Versão minha; original reproduzido em Good poems, selecção e introdução de Garrison Keillor, Peguin Books, Nova Iorque, 2002, p. 183).

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Sunil Gangopadhyay

Unicamente para a poesia



Unicamente para a poesia esta vida, unicamente
para a poesia certos jogos, para a poesia uma tarde de inverno e só
atravesso o mundo inteiro, a paz de um instante,
de um rosto imóvel;
unicamente para a poesia, tu, a mulher,
unicamente para a poesia tantos crimes,
o aguaceiro do Ganges nas nuvens,
unicamente para a poesia desejo viver por largo tempo,
viver como um homem, viver imperfeito,
unicamente para a poesia
rejeitei a eternidade.



(Versão minha a partir das traduções castelhana e francesa reproduzidas em 12 poetas bengalíes - Antologia de poesía india contemporánea, selecção e tradução de Sumana Sinha e Lionel Ray para francês e de F. Torres Monreal para castelhano, Lancelot, Murcia, 2005, p. 87).

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Walid Khaznadar

Casa, casas



Coroei-me a mim próprio
e proclamei-te rainha
Fiz-te uma trança com erva e calcei
- espreitando-os -
os teus pequenos pés
com sapatos feitos de rosas
Com ramos verdes fiz um arco
para que passasses
Fomos assaltados por rebentos
e pelos primeiros arrepios
E enquanto nos separávamos:
- Deixei-me vê-la
- Deixei-me ser o primeiro a vê-la
o horizonte incendiava-se
os homens preparavam os seus fuzis
e as mulheres estendiam distraidamente
panos brancos
sobre cordas intermináveis



(Versão minha a partir da tradução francesa reproduzida em La poésie palestinienne contemporaine, selecção e tradução de Addellatif Laâbi, Le Temps des Cerises / Maison de la Poésie Rhône-Alpes, 2002, p. 169).

domingo, 2 de janeiro de 2011

Azeddine al-Manacirah

A cirrose de Ícaro



Entre Ícaro e mim, anos-luz
E no entanto reencontramo-nos
num só ponto do mundo
nocturnamente, sem ninguém nos ver
mesmo se a noite, por exemplo em Beirute,
não chega para esconder os segredos
É um homem estranho
O seu acto é um erro que não se repete como a dinamite
disse-nos o instrutor
Antes de realizar esse acto
ele foi atacado por uma cirrose
segredo que só os que lhe eram próximos conheciam
Ele é o filho do mar, ela a descendente do fogo
Ele é o filho do pássaro, ela descende da árvore das dissidências
E no entanto eu continuo à espera
que a História se repita
Sim, senhor, ela repete-se por vezes
Ele arderá no seu sol
eu: o exílio derreter-me-á
Ele há-de unir-se à capa da erva celeste
eu: serei corroído na terra pedregosa dos exílios
Eis o resultado da ausência de planificação, ó Ícaro!
Acreditas agora em mim, caro defunto?



(Versão minha a partir da tradução francesa reproduzida em La poésie palestinienne contemporaine, selecção e tradução de Abdellatif Laâbi, Le Temps des Cerises / Maison de la Poésie Rhône-Alpes, 2002, pp. 74-75).

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Hélène Dorion

Pode-se viver muito bem...



Pode-se viver muito bem
sem nada mais do que estes privilégios quotidianos:
uma carta na caixa do correio, o barulho de uma vaga,
o azul sobre a planície, as palavras de um poema.
O universo reduzido a poucos vínculos
ao trajecto habitual
da sua própria morte.

Pode-se muito bem não ser mais
do que uma aventura de átomos e de questões insignificantes.



(Versão minha; original reproduzido em Poèmes pour voyager - anthologie des poèmes dans le métro et le bus, selecção de Gérard Cartier e Francis Combes, Les Temps des Cerises, Pantin, 2005, p. 82).

domingo, 19 de dezembro de 2010

Sara Teadsdale

Aquelas que amam



Aquelas que mais amam
Não falam do seu amor,
Francesca, Guinevère,
Deirdre, Isolda, Heloísa,
Nos jardins perfumados do paraíso
Ficam em silêncio, ou falam
De coisas frágeis e inconsequentes.

E uma mulher que eu costumava encontrar
E que amou um homem desde a juventude,
Lutando com orgulho sombrio
Contra a força do destino,
Nunca falou deste assunto,
Mas se por acaso ouvisse o nome dele
Uma luz havia de sobrevoar o seu rosto.



(Versão minha; original reproduzido em Good poems, selecção e introdução de Garrison Keillor, Peguin Books, Nova Iorque, 2002, p. 137).

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Gerard Locklin

Onde estamos



(para edward field)



tenho inveja daqueles
que vivem em dois sítios:
nova iorque, digamos, e londres;
país de gales ou espanha;
l.a. e paris;
hawai e suíça.

há sempre a antevisão
da mudança, a possibilidade de que aquilo que está mal
resulta do sítio onde estamos. sempre
adorei não só a frescura
da chegada como o alívio da partida. com
duas casas qualquer movimento seria um regresso.
nem me estou a referir ao clima, quente
ou frio, seco ou húmido: falo de esperança.



(Versão minha; original reproduzido em Good poems, selecção e introdução de Garrison Keillor, Peguin Books, Nova Iorque, 2002, p. 286).

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Leo Dangel

Depois de quarenta anos de casamento, ela experimenta uma nova receita de hambúrguer como prato quente



"O que é que achaste?", perguntou ela.

"Tudo bem", disse ele.

"Esta é a terceira vez que o faço
desta maneira. Porque é que
nunca dizes que gostas de alguma coisa?"

"Bem, se não tivesse gostado
não teria comido", disse ele.

"Nunca consegues dizer que uma coisa
feita por mim te sabe bem."

"Não sei porque é que pensas
que tenho de estar sempre a dizer que é bom.
Comi, não foi?"

"Não penso nada que tenhas de estar
sempre a dizer que é bom, mas de vez
em quando podias dizer
que gostas."

"Tudo bem", disse ele.



(Versão minha; original reproduzido em Good poems, selecção e introdução de Garrison Keillor, Peguin Books, Nova Iorque, 2002, p. 136).

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Wendy Cope

A laranja



À hora de almoço comprei uma laranja enorme -
O seu tamanho pôs-nos todos a rir.
Descasquei-a e dividi-a com o Robert e o Dave -
Cada um deles ficou com um quarto e eu com metade.

Fez-me tão feliz essa laranja -
Como me tem acontecido ultimamente
Com as coisas vulgares. As compras. Um passeio no parque.
Esta paz e satisfação. É uma novidade.

O resto do dia foi muito leve.
Cumpri com prazer todas as tarefas da minha lista
E ainda me sobrou tempo.
Amo-te. É maravilhoso viver.



(Versão minha; original reproduzido em Good poems, selecção e introdução de Garrison Keillor, Peguin Books, Nova Iorque, 2002, p. 133).

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Erica-Lynn Gambino

É só para dizer

(para William Carlos Williams)



Só te
pedi que
saísses do meu
apartamento

mesmo que tu
nunca
tenhas pensado
que o faria

Perdoa-me
estavas
a pôr-me
doida



(Versão minha; original reproduzido em Good poems, selecção e introdução de Garrison Keillor, Peguin, Nova Iorque, 2002, p. 110).

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

David Allan Evans

Rapariga andando a cavalo num campo de girassóis



Postura perfeitamente direita,
satisfeita e pensativa,
ela prende numa mão,
não segura, as rédeas do Verão:

o verde das árvores e dos arbustos;
o azul da água do lago;
o vermelho da jaqueta
e do colarinho aberto; o castanho
do seu cabelo, preso ao alto,
e do cavalo, bem no meio
do amarelo dos girassóis.

Quando ela pára para descansar,
o Verão descansa.
Quando ela decide partir,
assim se vai o Verão
para além do horizonte.



(Versão minha; o original pode ser lido aqui).

sábado, 20 de novembro de 2010

Roberto D. Malatesta

Exame de inglês



Líamos Dylan Thomas para o teu exame de inglês,
mas não estava ali o teu exame, a severidade de uma aula,
a lição decisiva que era preciso temer.
Estava, sim, a colina dos fetos
com o seu sol tombando em rios de ouro palpável,
estava o sol sobre os declives
na sua sagrada fascinação de beijar
as crianças que acabavam de começar a andar.
Estavam as eiras de feno a partir das quais
segui o trilho das ervas altas
que me levou aos caminhos da minha infância.
Não havia ali nenhum mundo maciço,
antes uma substância núbil cobrindo o ar
na qual as minhas palavras se lançavam felizes
pelo seu som, pela sua cadência e cor.
Em voz alta Dylan Thomas para o teu exame de inglês,
juntos aprovámos esse regaço de luz verbal
comovida entre as folhas frescas dos fetos.



(Versão minha a partir do original e da tradução francesa de Nicole e Émile Martel, reproduzidos em Voix d'Argentine / voces argentinas, selecção de Claudia Schvartz e Gerardo Manfredi, Leviatán (Buenos Aires), Écrits des Forges (trois-Rivières - Québec) e Le Temps des Creises (Pantin), 2009, pp. 118-119).