A mão
O professor faz uma pergunta.
Tu sabes a resposta, desconfias
que és o único na sala de aula
que sabe a resposta, porque a pessoa
em questão és tu próprio, e nisso
és a maior autoridade viva,
mas não levantas a mão.
Levantas a tampa da tua carteira
e tiras uma maçã.
Olhas pela janela.
Não levantas a mão e há
uma beleza essencial nos teus dedos
que nem sequer tamborilam, permanecem
apenas rasos e descansados.
O professor repete a pergunta.
Para lá da janela, num ramo saliente,
um pisco agita as penas
e sente-se no ar a primavera.
(versão minha; original aqui)
domingo, 25 de maio de 2008
sexta-feira, 23 de maio de 2008
Robert Pinsky
"Se pudesse escrever um grande poema,
deveria ser sobre o quê?"
(Perguntado por quatro alunos poetas das Escolas
do Illinois para Surdos e Deficientes Visuais)
Fogo: porque é rápido, e pode destruir.
Música: lugar onde a raiva tem o seu lugar.
Amor romântico - aquele que é frio ou estúpido pergunta porquê.
Signo: é assim uma linguagem, cheia de graça,
É assim visível, invisível, clara e escura,
É assim ruidosa e silenciosa e é contida
No interior de um corpo e explode no ar
Fora de um corpo a conquistar a partir da mente.
(versão minha; original reproduzido por Edward Hirsch, Poet's choice, Harcourt, Orlando, 2007, p.403.)
deveria ser sobre o quê?"
(Perguntado por quatro alunos poetas das Escolas
do Illinois para Surdos e Deficientes Visuais)
Fogo: porque é rápido, e pode destruir.
Música: lugar onde a raiva tem o seu lugar.
Amor romântico - aquele que é frio ou estúpido pergunta porquê.
Signo: é assim uma linguagem, cheia de graça,
É assim visível, invisível, clara e escura,
É assim ruidosa e silenciosa e é contida
No interior de um corpo e explode no ar
Fora de um corpo a conquistar a partir da mente.
(versão minha; original reproduzido por Edward Hirsch, Poet's choice, Harcourt, Orlando, 2007, p.403.)
quinta-feira, 22 de maio de 2008
Robert Pinsky
"Ar um instrumento da língua"
Ar um instrumento da língua.
A língua um instrumento
Do corpo. O corpo
Um instrumento do espírito,
O espírito um ser do ar.
Ar um instrumento da língua.
A língua um instrumento
Do corpo. O corpo
Um instrumento do espírito,
O espírito um ser do ar.
(versão minha; original reproduzido por Edward Hirsch, Poet's choice, Harcourt, Orlando, 2007, p. 402).
terça-feira, 20 de maio de 2008
Francisco Gálvez
Mensagens
Neste momento estou ausente,
mas podes deixar uma mensagem
e ligar-te-ei quando regressar.
Se és o amor
liga mais tarde, ou talvez outro dia;
se és a solidão
aguarda, em breve estarei contigo;
se és o suicida
marca outro número, o tempo urge;
se és a morte
elege outro destino, sou apenas tecnologia;
se és o pensamento
desiste, esta linha não medita;
se és a palavra
do regresso, aqui ninguém te pronuncia;
e se és uma voz anónima
a qualquer momento chegarei a casa:
fala depois de ouvires o sinal.
(versão minha; original aqui).
Neste momento estou ausente,
mas podes deixar uma mensagem
e ligar-te-ei quando regressar.
Se és o amor
liga mais tarde, ou talvez outro dia;
se és a solidão
aguarda, em breve estarei contigo;
se és o suicida
marca outro número, o tempo urge;
se és a morte
elege outro destino, sou apenas tecnologia;
se és o pensamento
desiste, esta linha não medita;
se és a palavra
do regresso, aqui ninguém te pronuncia;
e se és uma voz anónima
a qualquer momento chegarei a casa:
fala depois de ouvires o sinal.
(versão minha; original aqui).
Reetika Vazinari
Sou eu, não estou em casa
É tarde na cidade e eu adormeço.
Vais ligar de novo? Terei ouvido
(por favor deixe a sua mensagem depois do sinal)
Tchekov? A ama B. Eu aplaudo
com prazer. B ama C. C não vai responder.
Na cidade é tarde, eu durmo,
e se o teu rosto se aproxima de mim como um mapa familiar
de desabrigo: velho mundo, novo hemisfério
(sou eu deixa uma mensagem depois do sinal)
então a história precipita-se para o volte-face
final, eu passo o testemunho tu desapareces
na cidade, é tarde e eu sonho
com núpcias outra vez, a acontecer por aqui,
dedicadas à nossa causa durante um ano,
deixa uma mensagem depois do sinal,
vou deixar-te uma chave, escuta a gravação
quando chegares, ou pega no auscultador.
É tarde na cidade e eu durmo.
Por favor deixa uma mensagem depois do sinal.
É tarde na cidade e eu adormeço.
Vais ligar de novo? Terei ouvido
(por favor deixe a sua mensagem depois do sinal)
Tchekov? A ama B. Eu aplaudo
com prazer. B ama C. C não vai responder.
Na cidade é tarde, eu durmo,
e se o teu rosto se aproxima de mim como um mapa familiar
de desabrigo: velho mundo, novo hemisfério
(sou eu deixa uma mensagem depois do sinal)
então a história precipita-se para o volte-face
final, eu passo o testemunho tu desapareces
na cidade, é tarde e eu sonho
com núpcias outra vez, a acontecer por aqui,
dedicadas à nossa causa durante um ano,
deixa uma mensagem depois do sinal,
vou deixar-te uma chave, escuta a gravação
quando chegares, ou pega no auscultador.
É tarde na cidade e eu durmo.
Por favor deixa uma mensagem depois do sinal.
(versão minha; original reproduzido por Edward Hirsch, Poet's choice, Harcourt, Orlando, 207, pp. 212-213).
quinta-feira, 15 de maio de 2008
Max Mendelsohn (poeta aos 12 anos)
Ode aos berlindes
Adoro o som dos berlindes
espalhando-se sobre o soalho gasto do chão,
como crianças a fugir e a jogar às escondidas.
Adoro ver berlindes brancos,
berlindes azuis,
berlindes verdes, pretos,
novos berlindes, velhos berlindes,
berlindes iridescentes,
com redemoinhos e fitas de vidro,
dançando sempre às voltas.
Adoro sentir os berlindes,
frescos, lisos,
rolando livremente na palma da mão,
como estrelas de faces macias
a iluminar o gasto mundo.
(versão minha; original aqui.)
Adoro o som dos berlindes
espalhando-se sobre o soalho gasto do chão,
como crianças a fugir e a jogar às escondidas.
Adoro ver berlindes brancos,
berlindes azuis,
berlindes verdes, pretos,
novos berlindes, velhos berlindes,
berlindes iridescentes,
com redemoinhos e fitas de vidro,
dançando sempre às voltas.
Adoro sentir os berlindes,
frescos, lisos,
rolando livremente na palma da mão,
como estrelas de faces macias
a iluminar o gasto mundo.
(versão minha; original aqui.)
segunda-feira, 12 de maio de 2008
Javier Salvago
Um pouco mais sábios, um pouco mais cegos
Qaundo alguém já não é jovem, convence-se
de que o diabo sabe mais por ser velho,
e aceita que os anos nos ensinam
a distinguir a realidade do sonho.
E, por acaso, não. Talvez a vida apenas
nos apareça uma vez - quando temos
olhos para a apreciar - e logo começamos
a esquecer o seu rosto e o seu segredo.
(versão minha; de Variaciones y reincidencias, 1985.)
Qaundo alguém já não é jovem, convence-se
de que o diabo sabe mais por ser velho,
e aceita que os anos nos ensinam
a distinguir a realidade do sonho.
E, por acaso, não. Talvez a vida apenas
nos apareça uma vez - quando temos
olhos para a apreciar - e logo começamos
a esquecer o seu rosto e o seu segredo.
(versão minha; de Variaciones y reincidencias, 1985.)
domingo, 11 de maio de 2008
Javier Salgado
Anúncio de primavera
A minha vida é feita de noites,
de lágrimas de estrelas, de luas
frias e silenciosas.
Como um anjo das trevas
habituaram-se os meus olhos às ruas
obscuras, à penumbra dos bares,
à luz, de néon, artificial.
Gentes, recém-chegadas da tarde,
asseguram que regressou a primavera
e no meu roupeiro só há fatos negros,
pressentimentos negros,
máscaras de amargura.
Senhora dos Céus Luminosos,
quando não for um maldito
farei umas asas
- como Ícaro -
e tentarei voar até ao sol.
(versão minha; de Canciones del amargo amor y outros poemas, 1977.)
A minha vida é feita de noites,
de lágrimas de estrelas, de luas
frias e silenciosas.
Como um anjo das trevas
habituaram-se os meus olhos às ruas
obscuras, à penumbra dos bares,
à luz, de néon, artificial.
Gentes, recém-chegadas da tarde,
asseguram que regressou a primavera
e no meu roupeiro só há fatos negros,
pressentimentos negros,
máscaras de amargura.
Senhora dos Céus Luminosos,
quando não for um maldito
farei umas asas
- como Ícaro -
e tentarei voar até ao sol.
(versão minha; de Canciones del amargo amor y outros poemas, 1977.)
domingo, 4 de maio de 2008
Al Zolynas
Amor na sala de aulas
- para os meus alunos
De tarde. Do outro lado do jardim, em Green Hall,
alguém começa a tocar no velho piano -
uma peça espontânea, viva e diletante,
cheia de uma melodia alegre e simples.
A música flutua entre nós na sala de aulas.
Estou em frente dos meus alunos
e falo-lhes de fragmentos de frases.
Peço-lhes que descubram os dez fragmentos
do parágrafo vinte e um da página quarenta e cinco.
Eles vieram de todas as partes
do mundo - Irão, Micronésia, África,
Japão, China, até de Los Angeles - e continuam
desejosos de me agradar. Falta menos
de metade do trimestre.
Inclinam-se sobre os livros e começam.
Os lábios de Hamid movem-se enquanto segue
o tortuoso labirinto sintáctico do Inglês.
Yoshie senta-se direita, perfeita com a sua ténue maquilhagem,
as pernas cruzadas, em rápida cadência ritmada
sacudindo o pé direito. Tony,
vindo de um ilha do Pacífico Sul,
espreguiça-se molemente e estende-se sobre a carteira.
A melodia flutua à nossa volta e entre nós,
na sala, quebrada aqui e ali, fragmentada,
recomeçada. Parece oriental, mas
pode ser jazz, ou blues - pode ser
qualquer coisa de qualquer lado.
"Não importa," quero gritar.
"Não se preocupem com fragmentos.
Entendê-los ou não. Tudo
é fragmento e tudo não é fragmento.
Oiçam a música, quão fragmentada,
quão cheia, como não podemos separá-la
do sol a cair de joelhos sobre toda a verdura,
deste movimento, como este momento
contém todos os fragmentos de ontem
e de tudo o que não iremos conhecer do amanhã!"
Em vez disso, mantenho um silêncio cobarde.
A música pára abruptamente;
eles terminam o seu trabalho,
e avançamos munidos das respostas correctas,
que é o mesmo que dizer
que separamos os fragmentos do todo.
(versão minha; original reproduzido em A book of luminous things, organização e introdução de Czeslaw Milosz, Harcourt Brace & Company, San Diego, 1998, pp. 193-194).
- para os meus alunos
De tarde. Do outro lado do jardim, em Green Hall,
alguém começa a tocar no velho piano -
uma peça espontânea, viva e diletante,
cheia de uma melodia alegre e simples.
A música flutua entre nós na sala de aulas.
Estou em frente dos meus alunos
e falo-lhes de fragmentos de frases.
Peço-lhes que descubram os dez fragmentos
do parágrafo vinte e um da página quarenta e cinco.
Eles vieram de todas as partes
do mundo - Irão, Micronésia, África,
Japão, China, até de Los Angeles - e continuam
desejosos de me agradar. Falta menos
de metade do trimestre.
Inclinam-se sobre os livros e começam.
Os lábios de Hamid movem-se enquanto segue
o tortuoso labirinto sintáctico do Inglês.
Yoshie senta-se direita, perfeita com a sua ténue maquilhagem,
as pernas cruzadas, em rápida cadência ritmada
sacudindo o pé direito. Tony,
vindo de um ilha do Pacífico Sul,
espreguiça-se molemente e estende-se sobre a carteira.
A melodia flutua à nossa volta e entre nós,
na sala, quebrada aqui e ali, fragmentada,
recomeçada. Parece oriental, mas
pode ser jazz, ou blues - pode ser
qualquer coisa de qualquer lado.
"Não importa," quero gritar.
"Não se preocupem com fragmentos.
Entendê-los ou não. Tudo
é fragmento e tudo não é fragmento.
Oiçam a música, quão fragmentada,
quão cheia, como não podemos separá-la
do sol a cair de joelhos sobre toda a verdura,
deste movimento, como este momento
contém todos os fragmentos de ontem
e de tudo o que não iremos conhecer do amanhã!"
Em vez disso, mantenho um silêncio cobarde.
A música pára abruptamente;
eles terminam o seu trabalho,
e avançamos munidos das respostas correctas,
que é o mesmo que dizer
que separamos os fragmentos do todo.
(versão minha; original reproduzido em A book of luminous things, organização e introdução de Czeslaw Milosz, Harcourt Brace & Company, San Diego, 1998, pp. 193-194).
quinta-feira, 1 de maio de 2008
Leonard Nathan
Canção da bexiga
Num pedaço de papel higiénico,
Flutuando no mijo não evacuado,
Os lábios impressos e inteiros de uma mulher.
Nathan, alegra-te! O esgoto
Manda-te um grande beijo vermelho.
Ah, nada está perdido, se é humano.
Num pedaço de papel higiénico,
Flutuando no mijo não evacuado,
Os lábios impressos e inteiros de uma mulher.
Nathan, alegra-te! O esgoto
Manda-te um grande beijo vermelho.
Ah, nada está perdido, se é humano.
(versão minha; original reproduzido em A book of luminous things, organização e introdução de Czeslaw Milosz, Harcourt Brace & Company, San Diego, 1998, p. 197)
terça-feira, 29 de abril de 2008
Adam Zagajewski
Espelho auto-reflector
No retrovisor vi subitamente
a mole imensa da Catedral de Beauvais;
grandes coisas habitando nas pequenas
por um instante.
No retrovisor vi subitamente
a mole imensa da Catedral de Beauvais;
grandes coisas habitando nas pequenas
por um instante.
(versão minha, a partir da tradução inglesa do polaco de Czeslaw Milosz e Robert Hass, reproduzida em A book of luminous things, organização e introdução de Czeslaw Milosz, Harcourt Brace & Company, San Diego, p. 128.)
segunda-feira, 28 de abril de 2008
Miller Williams
Animais
Penso na morte dos animais domésticos
como um marco no mar de mudanças das nossas vidas.
Penso como as coisas eram, quando as coisas eram diferentes.
Havia então um animal, um cão ou um gato,
não o que há agora, mas outro.
Penso como as coisas eram diferentes antes disso.
Havia outro então. E tu quase esqueceste.
Penso na morte dos animais domésticos
como um marco no mar de mudanças das nossas vidas.
Penso como as coisas eram, quando as coisas eram diferentes.
Havia então um animal, um cão ou um gato,
não o que há agora, mas outro.
Penso como as coisas eram diferentes antes disso.
Havia outro então. E tu quase esqueceste.
(versão minha; original reproduzido em Being Alive, organização e introdução de Neil Astley, Bloodaxe, Northumberland, 3ª edição, 2007, p. 175).
segunda-feira, 21 de abril de 2008
Robert Creeley
Assim o dizem
Debaixo da árvore sobre um pouco
de erva fofa sentei-me,
vi dois picapaus
felizes serem per-
turbados pela minha presença. E
porque não, pensei
para mim, por
que não.
Debaixo da árvore sobre um pouco
de erva fofa sentei-me,
vi dois picapaus
felizes serem per-
turbados pela minha presença. E
porque não, pensei
para mim, por
que não.
(versão minha; original reproduzido em A book of luminous things, antologia organizada por e com uma introdução de Czeslaw Milosz, Harcourt Brace & Company, San Diego, 1998, p. 18).
sexta-feira, 18 de abril de 2008
Anna Swir
Recital de poesia
Enrosco-me em espiral
como um cão
que tem frio.
Quem me vai dizer
porque nasci,
a razão desta monstruosidade
chamada vida.
O telefone toca. Tenho de dar
um recital de poesia.
Entro.
Uma centena de pessoas, uma centena de pares de olhos.
Olham, esperam.
Eu sei porquê.
É suposto dizer-lhes
porque nasceram,
porque existe
esta monstruosidade chamada vida.
Enrosco-me em espiral
como um cão
que tem frio.
Quem me vai dizer
porque nasci,
a razão desta monstruosidade
chamada vida.
O telefone toca. Tenho de dar
um recital de poesia.
Entro.
Uma centena de pessoas, uma centena de pares de olhos.
Olham, esperam.
Eu sei porquê.
É suposto dizer-lhes
porque nasceram,
porque existe
esta monstruosidade chamada vida.
(versão minha, a partir da tradução inglesa do polaco de Czeslaw Milosz e Leonard Nathan, in A book of luminous things, organizado por e com uma introdução de Czeslaw Milosz, Harcourt Brace & Company, San Diego, 1988, p. 259).
segunda-feira, 14 de abril de 2008
Anna Swir
O mar e o homem
Não subjugarás este mar
pela humildade ou pela exaltação.
Mas podes rir-te
na sua cara.
O riso
foi inventado pelos que
têm uma vida breve
como a explosão de uma gargalhada.
O mar eterno
nunca aprenderá a rir.
Não subjugarás este mar
pela humildade ou pela exaltação.
Mas podes rir-te
na sua cara.
O riso
foi inventado pelos que
têm uma vida breve
como a explosão de uma gargalhada.
O mar eterno
nunca aprenderá a rir.
(versão minha, a partir da tradução inglesa do polaco de Czeslaw Milosz e Leonard Nathan, in A book of luminous things, organização e introdução de Czeslaw Milosz, Harcourt Brace & Company, San Diego, 1998, p.47).
domingo, 13 de abril de 2008
Laura Riding
O universo e eu
Não é exactamente isto que quero dizer
Não mais que sol é o sol.
Porém como dizê-lo mais rigorosamente,
Se o sol brilha, se não aproximadamente.
Que universo de inépcias!
Que instrumentos inimigos do sentido!
Talvez isto se aproxime de um significado
Ou talvez se transforme em acto de conhecimento.
Então penso que o universo e eu
Temos que viver juntos como estranhos e morrer -
Um amor azedo, cada qual duvidando
Se houve no outro algo para amar.
Não, é melhor para ambos estarmos seguros
Um do outro - exactamente onde
Exactamente eu e exactamente o universo
Falhamos em conhecermo-nos por um momento, por um verso.
Não é exactamente isto que quero dizer
Não mais que sol é o sol.
Porém como dizê-lo mais rigorosamente,
Se o sol brilha, se não aproximadamente.
Que universo de inépcias!
Que instrumentos inimigos do sentido!
Talvez isto se aproxime de um significado
Ou talvez se transforme em acto de conhecimento.
Então penso que o universo e eu
Temos que viver juntos como estranhos e morrer -
Um amor azedo, cada qual duvidando
Se houve no outro algo para amar.
Não, é melhor para ambos estarmos seguros
Um do outro - exactamente onde
Exactamente eu e exactamente o universo
Falhamos em conhecermo-nos por um momento, por um verso.
(versão minha; original reproduzido in The great modern poets, Edited by Michael Schmidt, Quercus, London, s/d., p. 102).
terça-feira, 8 de abril de 2008
Li-Young Lee
Peço à minha mãe que cante
Ela começa, e a minha avó acompanha-a.
Mãe e filha cantam como jovens raparigas.
Se fosse vivo, o meu pai tocaria
o seu acordeão e balançaria como um barco.
Nunca estive em Pequim, ou no Palácio de Verão,
nem fiquei no grande Barco de Pedra a ver
a chuva a principiar sobre o Lago Kuen Ming, os veraneantes
a fugir pela relva fora.
Mas adoro ouvir tudo isto cantado;
como os nenúfares se enchem de chuva até
transbordarem, derramando água na água,
e voltam ao mesmo, e enchem-se com mais.
As duas mulheres começam a chorar.
Mas nem isto interrompe a sua canção.
Ela começa, e a minha avó acompanha-a.
Mãe e filha cantam como jovens raparigas.
Se fosse vivo, o meu pai tocaria
o seu acordeão e balançaria como um barco.
Nunca estive em Pequim, ou no Palácio de Verão,
nem fiquei no grande Barco de Pedra a ver
a chuva a principiar sobre o Lago Kuen Ming, os veraneantes
a fugir pela relva fora.
Mas adoro ouvir tudo isto cantado;
como os nenúfares se enchem de chuva até
transbordarem, derramando água na água,
e voltam ao mesmo, e enchem-se com mais.
As duas mulheres começam a chorar.
Mas nem isto interrompe a sua canção.
(versão minha; original reproduzido in Edward Hirsch, Poet's choice, Harcourt, Orlando, 2007, pp. 241-242).
segunda-feira, 7 de abril de 2008
Roger McGough
Fama
O melhor
de ser famoso
é quando desces
a rua
e as pessoas se viram
para te olhar
e vão contra as coisas.
****
Blues em tempo de guerra
O sexo é racionado
e o cão roeu
todos os cupões.
****
Sobrevivente
Todos os dias
penso na morte.
Na doença, na fome,
violência, terrorismo, guerra,
no fim do mundo.
Isto ajuda-me a manter a cabeça fria.
(versões minhas; poemas incluídos em The State of Poetry, Peguin, London, 2005).
O melhor
de ser famoso
é quando desces
a rua
e as pessoas se viram
para te olhar
e vão contra as coisas.
****
Blues em tempo de guerra
O sexo é racionado
e o cão roeu
todos os cupões.
****
Sobrevivente
Todos os dias
penso na morte.
Na doença, na fome,
violência, terrorismo, guerra,
no fim do mundo.
Isto ajuda-me a manter a cabeça fria.
(versões minhas; poemas incluídos em The State of Poetry, Peguin, London, 2005).
sexta-feira, 28 de março de 2008
José Emílio Pacheco
Indesejável
Não me deixa passar o guarda.
Ultrapassei o limite de idade.
Provenho de um país que já não existe.
Os meus papéis não estão em ordem.
Falta-me um carimbo.
Preciso de outra assinatura.
Não falo a língua.
Não tenho conta no banco.
Reprovei no exame de admissão.
Extinguiram o meu posto na fábrica imensa.
Desempregaram-me hoje e para sempre.
Não tenho nenhuma cunha.
Levo aqui deste mundo vasto tempo.
E os nossos amos dizem que já é hora
de me calar e de me fundir com o lixo.
(versão minha)
Não me deixa passar o guarda.
Ultrapassei o limite de idade.
Provenho de um país que já não existe.
Os meus papéis não estão em ordem.
Falta-me um carimbo.
Preciso de outra assinatura.
Não falo a língua.
Não tenho conta no banco.
Reprovei no exame de admissão.
Extinguiram o meu posto na fábrica imensa.
Desempregaram-me hoje e para sempre.
Não tenho nenhuma cunha.
Levo aqui deste mundo vasto tempo.
E os nossos amos dizem que já é hora
de me calar e de me fundir com o lixo.
(versão minha)
quarta-feira, 26 de março de 2008
Bill Knott
Poema
Queridos rapazes e raparigas,
não se esqueçam por favor
de sublinhar as minhas palavras
depois de as apagarem.
****
Na encruzilhada
O vento traz uma folha de papel até aos meus pés.
Apanho-a.
Não é uma petição para a minha morte.
****
Errado
Quero ser mal interpretado;
isto é,
interpretado a partir da tua perspectiva.
****
O que eu disse
O humor foi banido do céu das hienas.
****
Poema putativo da época samurai
ele escreveu um haiku
antes da sua lâmina cortar a minha cabeça
por que não um tanka
um tanka permitir-me-ia viver
por mais catorze sílabas.
(versões minhas)
Queridos rapazes e raparigas,
não se esqueçam por favor
de sublinhar as minhas palavras
depois de as apagarem.
****
Na encruzilhada
O vento traz uma folha de papel até aos meus pés.
Apanho-a.
Não é uma petição para a minha morte.
****
Errado
Quero ser mal interpretado;
isto é,
interpretado a partir da tua perspectiva.
****
O que eu disse
O humor foi banido do céu das hienas.
****
Poema putativo da época samurai
ele escreveu um haiku
antes da sua lâmina cortar a minha cabeça
por que não um tanka
um tanka permitir-me-ia viver
por mais catorze sílabas.
(versões minhas)
domingo, 23 de março de 2008
Javier Salvago
Retrato
Fala pouco, e a muito poucos
se atreve a chamar amigos,
passa ao largo se há confusão,
não visita os seus vizinhos,
atravessa a rua fumando,
sempre dentro de si mesmo,
vendo o mundo de fora
como quem lê um livro
preso - sem saída -
no seu próprio labirinto,
no entanto nem surdo nem cego
nem indiferente nem frio:
um solitário que vive
com uma mulher e um miúdo.
(versão minha)
Fala pouco, e a muito poucos
se atreve a chamar amigos,
passa ao largo se há confusão,
não visita os seus vizinhos,
atravessa a rua fumando,
sempre dentro de si mesmo,
vendo o mundo de fora
como quem lê um livro
preso - sem saída -
no seu próprio labirinto,
no entanto nem surdo nem cego
nem indiferente nem frio:
um solitário que vive
com uma mulher e um miúdo.
(versão minha)
sábado, 22 de março de 2008
Javier Salvago
Convém não esquecer
Por este atalho,
a que chamam vida, todos
vamos às apalpadelas
tal como um cego.
Em cinza terminam
todos os fogos.
****
Haiku
Como as nuvens de agosto, tudo passa.
A vida prova-nos
que se pode viver sem quase tudo.
(versões minhas)
Por este atalho,
a que chamam vida, todos
vamos às apalpadelas
tal como um cego.
Em cinza terminam
todos os fogos.
****
Haiku
Como as nuvens de agosto, tudo passa.
A vida prova-nos
que se pode viver sem quase tudo.
(versões minhas)
sexta-feira, 21 de março de 2008
Javier Salvago
A juventude
Durou o que duram,
por norma, as ilusões:
até que descobres
que já acordaste.
Hoje é só história
para constituir memória.
Outros são os seus donos
e outro é aquele que olha
e procura o que de novo
oferece a vida.
Quem veio por tudo
não se satisfaz com tão pouco.
(versão minha)
Durou o que duram,
por norma, as ilusões:
até que descobres
que já acordaste.
Hoje é só história
para constituir memória.
Outros são os seus donos
e outro é aquele que olha
e procura o que de novo
oferece a vida.
Quem veio por tudo
não se satisfaz com tão pouco.
(versão minha)
quinta-feira, 20 de março de 2008
Javier Salvago
Quinta-feira Santa
A mesma lua, o mesmo
perfume de laranjeira
perfumando as ruas,
onde a vida estala
na multidão de corpos
que se atraem e procuram.
Calor de primavera
na pele e no ar.
Jovens incansáveis,
como nós então,
percorrem a cidade
bêbedos de desejo
- jovens com invernos
de abstinência, que sentem,
como Aquele, que também
o seu reino não é deste mundo -.
Os tambores recordam
que se avança para o patíbulo.
Diante de virgens chorosas,
descaradamente, beijam-se
deuses que morrerão
- como o deus que ontem fomos -,
sem remédio nem culpa,
na cruz dos anos.
(in Los mejores años, 1991; versão minha)
A mesma lua, o mesmo
perfume de laranjeira
perfumando as ruas,
onde a vida estala
na multidão de corpos
que se atraem e procuram.
Calor de primavera
na pele e no ar.
Jovens incansáveis,
como nós então,
percorrem a cidade
bêbedos de desejo
- jovens com invernos
de abstinência, que sentem,
como Aquele, que também
o seu reino não é deste mundo -.
Os tambores recordam
que se avança para o patíbulo.
Diante de virgens chorosas,
descaradamente, beijam-se
deuses que morrerão
- como o deus que ontem fomos -,
sem remédio nem culpa,
na cruz dos anos.
(in Los mejores años, 1991; versão minha)
quarta-feira, 19 de março de 2008
Adam Zagajewski
Não permitas que o momento de lucidez se dissolva
Não permitas que o momento de lucidez se dissolva
Deixa que o pensamento radiante dure em sossego
embora a página esteja quase concluída e a chama vacile
Ainda não ascendemos ao nível que nos é devido
A sabedoria cresce lentamente como um dente do siso
A estatura de um homem continua a ser talhada
sobre uma porta branca
Vinda da distância, a voz feliz de uma trompete
e de uma canção surge inesperadamente como um gato
O que acontece não cai no vazio
O fogueiro continua a alimentar a fornalha com carvão
Não permitas que o momento de lucidez se dissolva
Tens de gravar a verdade
numa substância seca e dura
(versão minha a partir da tradução para inglês de Renata Gorczynski)
Não permitas que o momento de lucidez se dissolva
Deixa que o pensamento radiante dure em sossego
embora a página esteja quase concluída e a chama vacile
Ainda não ascendemos ao nível que nos é devido
A sabedoria cresce lentamente como um dente do siso
A estatura de um homem continua a ser talhada
sobre uma porta branca
Vinda da distância, a voz feliz de uma trompete
e de uma canção surge inesperadamente como um gato
O que acontece não cai no vazio
O fogueiro continua a alimentar a fornalha com carvão
Não permitas que o momento de lucidez se dissolva
Tens de gravar a verdade
numa substância seca e dura
(versão minha a partir da tradução para inglês de Renata Gorczynski)
terça-feira, 18 de março de 2008
Juan Gelman
O jogo em que andamos
Se me dessem a escolher, escolheria
esta saúde de saber que estamos doentes,
esta felicidade de andarmos tão infelizes.
Se me dessem a escolher, escolheria
esta inocência de não ser um inocente,
esta pureza em que passo por impuro.
Se me dessem a escolher, escolheria
este amor com que odeio,
esta esperança que come pães desesperados.
Aqui acontece, senhores,
que jogo com a morte.
(versão minha)
Se me dessem a escolher, escolheria
esta saúde de saber que estamos doentes,
esta felicidade de andarmos tão infelizes.
Se me dessem a escolher, escolheria
esta inocência de não ser um inocente,
esta pureza em que passo por impuro.
Se me dessem a escolher, escolheria
este amor com que odeio,
esta esperança que come pães desesperados.
Aqui acontece, senhores,
que jogo com a morte.
(versão minha)
sábado, 15 de março de 2008
Richard Aronowitz
Anatomia de um mentiroso
Deslizar debaixo deste céu infinito,
cavalgar a rede das minhas artérias,
percorrer os caminhos do meu pecado.
Poderia contar-te histórias sobre
a atracção, tubos capilares e por aí fora,
tecer grandes narrativas a partir dos ramos dos meus brônquios,
guiar-te pelos quatro cantos dos meus olhos.
Poderia conceber mil papeis diferentes,
enganar-te com a contagem das minhas borbulhas
só para confirmar que de facto ainda estou vivo.
Talvez componha algo simples para ti,
tão fácil como admitir uma mentira.
Agora, retrocedendo lentamente a partir de cem,
abre-me como se fosse uma rosa. Rejeita
o meu coração e deixa os meus pulmões inchados,
eles enganam-te a toda a hora. Não aceites
que a minha língua ou a garganta te desviem.
Terás que me cortar em carne viva,
até às pontas dos dedos por um verso que seja verdadeiro.
O resto é apenas entretenimento, um logro feito carne.
(versão minha; in Anvil new poets, Anvil, London, 2001, p. 18)
Deslizar debaixo deste céu infinito,
cavalgar a rede das minhas artérias,
percorrer os caminhos do meu pecado.
Poderia contar-te histórias sobre
a atracção, tubos capilares e por aí fora,
tecer grandes narrativas a partir dos ramos dos meus brônquios,
guiar-te pelos quatro cantos dos meus olhos.
Poderia conceber mil papeis diferentes,
enganar-te com a contagem das minhas borbulhas
só para confirmar que de facto ainda estou vivo.
Talvez componha algo simples para ti,
tão fácil como admitir uma mentira.
Agora, retrocedendo lentamente a partir de cem,
abre-me como se fosse uma rosa. Rejeita
o meu coração e deixa os meus pulmões inchados,
eles enganam-te a toda a hora. Não aceites
que a minha língua ou a garganta te desviem.
Terás que me cortar em carne viva,
até às pontas dos dedos por um verso que seja verdadeiro.
O resto é apenas entretenimento, um logro feito carne.
(versão minha; in Anvil new poets, Anvil, London, 2001, p. 18)
terça-feira, 11 de março de 2008
Tony Harrison
Longa distância II
Apesar da minha mãe já ter morrido há dois anos
o meu pai continua a colocar as suas pantufas junto do aquecedor,
põe botijas de água quente no seu lado vazio da cama
e continua a ir renovar-lhe o passe social.
Não podíamos aparecer de repente. Tínhamos de telefonar.
Durante uma hora mantinha-nos à distância para ter tempo
de esconder as coisas dela e parecer um homem só
como se o seu amor puro e silencioso fosse um crime.
Ele não podia expor-se à minha má influência de descrente
embora estivesse certo de que em breve iria ouvir a chave dela
a ranger na fechadura enferrujada e a encerrar o sofrimento dele.
Sabia que ela tinha saído precipitadamente para arranjar chá.
Eu creio que a vida termina com a morte, e é tudo.
Não fomos juntos às compras; tanto faz,
na minha agenda preta de cabedal aparece o teu nome
e o número que já ninguém atende e para o qual continuo a ligar.
(versão minha)
Apesar da minha mãe já ter morrido há dois anos
o meu pai continua a colocar as suas pantufas junto do aquecedor,
põe botijas de água quente no seu lado vazio da cama
e continua a ir renovar-lhe o passe social.
Não podíamos aparecer de repente. Tínhamos de telefonar.
Durante uma hora mantinha-nos à distância para ter tempo
de esconder as coisas dela e parecer um homem só
como se o seu amor puro e silencioso fosse um crime.
Ele não podia expor-se à minha má influência de descrente
embora estivesse certo de que em breve iria ouvir a chave dela
a ranger na fechadura enferrujada e a encerrar o sofrimento dele.
Sabia que ela tinha saído precipitadamente para arranjar chá.
Eu creio que a vida termina com a morte, e é tudo.
Não fomos juntos às compras; tanto faz,
na minha agenda preta de cabedal aparece o teu nome
e o número que já ninguém atende e para o qual continuo a ligar.
(versão minha)
segunda-feira, 10 de março de 2008
Ferran Fernández
Mandamento
Ama-me sobre todas as coisas
por exemplo
sobre a carpete
sobre a mesa
sobre a areia da praia
(versão minha)
Ama-me sobre todas as coisas
por exemplo
sobre a carpete
sobre a mesa
sobre a areia da praia
(versão minha)
quinta-feira, 6 de março de 2008
Peter Cherches
Levanta o teu braço direito
Levanta o teu braço direito, disse ela.
Levantei o meu braço direito.
Levanta o teu braço esquerdo, disse ela.
Levantei o meu braço esquerdo. Os meus dois braços estavam levantados.
Baixa o teu braço direito, disse ela.
Baixei-o.
Baixa o teu braço esquerdo, disse ela.
Fi-lo.
Levanta o teu braço direito, disse ela.
Obedeci.
Baixa o teu braço direito.
Assim fiz.
Levanta o teu braço esquerdo.
Levantei-o.
Baixa o teu braço esquerdo.
Assim fiz.
Silêncio. Ali fiquei, os dois braços em baixo, esperando pela sua próxima ordem. Passado um bocado fiquei impaciente e disse, e agora.
Agora é a tua vez de dar as ordens, disse ela.
Está bem, disse eu. Diz-me para levantar o meu braço direito.
(versão minha)
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