sexta-feira, 10 de abril de 2020

Barry Gifford

O dia em que morreu Allen Ginsberg



Levantei-me cedo
olhei pela janela
as mercadorias que cruzavam
o Hudson
o sol a aparecer
recalcitrante, um dia mais frio
que o esperado
Na noite anterior ouvira dizer
que o Allen estava doente, moribundo
davam-lhe só uns
poucos meses de vida
Era estranho estar
em Nova Iorque, a sua cidade
no momento
da sua desaparição
O jornal dizia
que ele tinha terminado
recentemente
um livro novo chamado
Morte e fama
Esta tarde visitei
um dos meus melhores
e mais antigos amigos
que há poucos dias
me dissera que
não se esperava que o seu pai
vivesse mais do que
duas semanas
O pai do meu amigo era
um tipo duro
sempre gostei dele
um tipo da classe operária
de Chicago
onde ainda vivia
O filho telefonou-lhe
quando eu estava
com ele
e passou-me o telefone
O velho parecia
tão rijo como sempre
- era difícil acreditar
que ele partiria
em breve
Ao falar comigo
tratou-me por um nome
da minha infância
e de repente
fui-me abaixo
Não há maneira de impedir
isto,
pensei.
Agora Allen G. morreu
e foi saudar
o Jack e o Neal
quase trinta anos depois
Imagino o Jack
no céu budista
a dizer, Obrigado
por vires, Al
Esta manhã é o seu funeral
decidi não ir
imagino que haverá
uma multidão
e eu não gosto de funerais
de qualquer modo
qual é a ideia
Às nove da manhã
quando está agendado o início
da cerimónia budista
uma cerimónia de quatro horas
que culmina com a cremação
a campainha toca
Tenho uma visão de Allen
de pé à porta
a dizer, Eu não morri,
mas não quero perder
isto. Vem comigo!
Mas em vez dele
é o canalizador
Conheci o Allen
há trinta e um anos
em Londres
Tinha lá ido com o seu
pai Louis para fazer
um recital de poesia
Alguns anos depois
trabalhámos juntos
organizando um livro
de cartas suas e do Neal
Vi-o a última vez
faz agora dois anos
em Paris
Encontrámo-nos na
rua de Sèvres
mostrou-me uma medalha
que o ministro francês
da Cultura
lhe tinha concedido
Disse-me
que eu estava com muito bom ar
deu-me beijos húmidos
nas bochechas
Allen escreveu
Que a morte sustenha os seus fantasmas!
e ele chegou
aos setenta anos
Ele e Kerouac
foram duas
das minhas maiores inspirações
quando eu era puto
Deram-me a esperança
de que a beleza e o sentido
podiam ser encontrados
no meio do caos
Disse-lho uma vez
e o Allen respondeu
Mantém essa esperança!
Ao caminharmos juntos
num trilho do kitkidizze
do Gary Snyder em 1976
demos com
um monte de cinzas
e contornámo-lo com cuidado
As cinzas de Allen
serão enterradas
ao pé do túmulo de Louis
Na morte regressamos
ao pai
Adeus, Allen
agora estás
com os fantasmas.



(Versão minha a partir do original e da tradução espanhola de Blanca Tortajada reproduzidos em Back in America, Renacimiento, Sevilha, edição bilingue, 2011, p. 25-33).


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