segunda-feira, 13 de abril de 2020

Pedro Sevilla

Burros na Medina de Fez



Quando pensava que já não voltaria a ver-vos,
que seríeis somente uma paisagem remota da infância,
haveis regressado aos meus olhos, sensatos carregadores
dum mundo fabuloso que pensava extinto.
Burros meus, confrades, sábios de olhos escuros,
julgava-vos mortos e era eu que faltava,
eu que, nos braços do tempo, saí do eterno.

Na velha Medina de uma cidade de um dia
voltei a ser o menino solitário de então,
que vos olhava com lágrimas vendo os vossos joelhos
dobrarem-se sob o peso de duras cargas.

Brutos irmãos meus, inocentes burricos,
hoje vi de novo o almocreve ruço
com o seu pregão cansado de cal branca,
o padeiro alegre e a sua burrinha elegante,
a dos laçarotes vermelhos gingando à sua frente
enquanto deixava um rasto de cheiro a pão e a mãe.

Nem sequer senti medo quando vos vi
carregados de peles mortas para os curtidores,
porque já sei de um sítio onde posso esconder-me
e ser, como vós, inocente de novo.



(Versão minha; Para cuando volvamos (Poesía completa, 1992-2018); Renacimiento, Sevilla, 2018, p. 149).

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