segunda-feira, 30 de março de 2009

Daiva Cepauskaite

Poesia



Eu sou uma vaca chamada Poesia,
dou algum leite,
normalmente com 2,5% de gordura,
às vezes consigo mesmo
espremer cá para fora 3%,
sinto-me orgulhosa por tudo ser processado
com a mais avançada tecnologia
e por ver as embalagens tetrapack
chegarem aos consumidores pouco exigentes,
estou doente com todas as doenças
não conhecidas das coisas vivas
e exposta com cuidadosa minúcia
nos compêndios veterinários,
pasto em boa companhia
(o colectivo é amigável,
não há barreiras de línguas),
tenho medo dos moscardos e dos especialistas em zoologia,
e posso ser útil também de outras maneiras -
quando chega o frio, quando defeco,
se escalares o meu monte
vais sentir o calor
a subir desde os pés
até cima até à parte de trás da tua cabeça.



(versão minha, a partir da tradução do lituano para o inglês de Jonas Zdanys, reproduzida em A Fine Line - new poetry from Eastern & Central Europe, organização e selecção de Jean Boase-Beier, Alexandra Büchler & Fiona Sampson, Arc Publications, Todmorden /Lancs, 2004, p. 75).

sexta-feira, 27 de março de 2009

Roger McGough

Seja este outro poema



Eles não te fodem a vida, a mamã e o papá
(Apesar do que Larkin diz)
Isso é com outros, adultos ou rapazes
Que, cada um à sua maneira,

Morrem. E a sua morte espalha uma sombra
Que marca todos os nossos dias,
E nós tentamos escapar à loucura
De múltiplas maneiras.

E, graças a Deus, a maior parte de nós consegue,
Por isso se para cunhar uma expressão
Te sentes fodido não culpes a mamã e o papá
(Apesar do que Larkin diz).



(versão minha; original reproduzido em Collected poems, Peguin, Londres, 2004, 2ª ed. (?), p. 291).

quinta-feira, 26 de março de 2009

Miroslav Holub

Napoleão



Crianças, quando nasceu
Napoleão Bonaparte?
pergunta o professor.

Há mil anos, dizem as crianças.
Há cem anos, dizem as crianças.
Ninguém sabe.

Crianças, o que fez
Napoleão Bonaparte?
pergunta o professor.

Venceu uma guerra, dizem as crianças.
Perdeu uma guerra, dizem as crianças.
Ninguém sabe.

O homem do talho tinha um cão,
diz o Francisco,
e o seu nome era Napoleão,
e o homem do talho costumava bater-lhe,
e o cão morreu
de fome
há um ano.

E agora todas as crianças sentem pena
de Napoleão.



(versão minha, a partir da tradução inglesa de K. Polácková, reproduzida em The poetry of survival, introdução e organização de Daniel Weissbort, Peguin, Londres, 1991, p. 170).

terça-feira, 24 de março de 2009

Tess Gallagher

Deixo de escrever o poema



para dobrar a roupa. Não importa quem viva
ou morra, continuo a ser uma mulher.
Terei sempre muito que fazer.
Dobro as mangas da sua
camisa. Nada pode interomper
a nossa ternura. Voltarei
ao poema. Voltarei a ser
uma mulher. Mas por agora
há uma camisa, uma camisa gigantesca
nas minhas mãos e, algures, uma pequena rapariga
ao lado da sua mãe
observando-a para ver como se faz.



(versão minha, a partir do original e da tradução espanhola de Eduardo Moga, reproduzidos em El puente que cruza la luna, Bartleby Editores, Madrid, 2006, p. 88).

segunda-feira, 23 de março de 2009

Vorea Ujko

És muito bela



És muito bela, rapariga,
Mas o amor entre nós
É impossível
Porque, aqui entre nós,
Em tempos amei a tua mãe
Que, tal como tu, foi muito bela.



(versão minha, a partir da tradução inglesa de Robert Elsie, reproduzida em An Elusive Eagle Soars - anthology of modern albanian poetry, organização, tradução e introdução de Robert Elsie, Forest Book/Unesco, Londres, 1993, p. 60).

quarta-feira, 18 de março de 2009

Richard Jones

Toalhas brancas


Estive a estudar a diferença
entre a solidão e o estar só,
estive a contar a história da minha vida
às toalhas brancas e limpas, ainda quentes da máquina de secar.
Agora carrego-as pela casa
como se fossem minhas filhas
adormecidas nos meus braços.




(versão minha; original reproduzido em Poetry 180, a turning back to poetry, organização e introdução de Billy Collins, Random House, Nova Iorque, 2003, p. 42).

domingo, 15 de março de 2009

Bardhyl Londo

Crónica de um caso amoroso



Na segunda conhecemo-nos. Dissemos os nossos nomes
um ao outro.
Na terça tornámo-nos amigos. Sorrimos.
Na quarta fizemos amor. Perdemo-nos.
Na quinta tivemos uma discussão. Ficámos tristes.
Na sexta revimos os nossos últimos dias como se fossem um filme.
No sábado procurámos maneiras de nos reencontrarmos.
No domingo redescobrimos o nosso amor, como Colombo.

E depois era segunda outra vez.




(versão minha a partir da tradução inglesa de Robert Elsie, reproduzida em An Elusive Eagle Soars - anthology of modern albanian poetry, organização, tradução e introdução de Robert Elsie, Forest Book/Unesco, 1993, p. 169).

terça-feira, 10 de março de 2009

Paul Muldoon

Por que se foi Brownlee



Por que se foi Brownlee e para onde
É, ainda hoje, um mistério.
Se havia homem que deveria estar satisfeito,
Seria ele; quase um hectare de cevada,
Meio de batatas, quatro novilhos,
Uma vaca leiteira, uma casa de xisto.
A última vez que foi visto ia lavrar,
Numa clara madrugada de Março.

Ao meio-dia Brownlee era famoso:
Tinham encontrado tudo abandonado,
O último sulco por abrir, a parelha de cavalos
Pretos, como marido e mulher,
Alternando o peso ora numa pata ora
Noutra, olhando fixamente o futuro.



(versão minha, a partir do original e da tradução para espanhol de Dámaso López Garcia, reproduzidos em Indecisiones, Visor Libros, Madrid, 2004, pp. 50-51).

sábado, 7 de março de 2009

Ted Kooser

Escolhendo uma leitora



Em primeiro lugar, gostaria que fosse bonita,
e chegasse à minha poesia de forma cuidadosa,
no momento mais solitário de uma tarde,
o cabelo ainda húmido junto ao pescoço
por o ter lavado. Deveria trazer vestida
uma velha gabardina, e suja
por não ter dinheiro para a mandar limpar.
Então tirará os óculos e, já
na livraria, manuseará
os meus poemas, depois recolocará o livro
na prateleira. Dirá a si mesma,
"Por esta quantia, vou mas é mandar
limpar a gabardina." E vai.



(versão minha; original reproduzido em Poetry 180, a turning back to poetry, organização e introdução de Billy Collins, Random House, Nova Iorque, 2003, p. 4; e aqui).

quinta-feira, 5 de março de 2009

Ted Kooser

Um aniversário feliz



Ao entardecer sentei-me junto de um janela
aberta e li até que a luz se foi e o livro
já não era mais do que uma parte da escuridão.
Eu podia ter acendido facilmente um candeeiro,
mas quis conduzir este dia bem para dentro da noite,
sentar-me sozinho e sossegar a página ilegível
com o fantasma pálido e cinzento da minha mão.



(versão minha; o original pode ser lido aqui e relido aqui).

terça-feira, 3 de março de 2009

Azem Shkreli

Montão



Deixem a minha erva crescer sobre a minha cabeça
Sobre a minha cabeça deixem a minha erva crescer
A minha erva sobre a minha cabeça deixem-na crescer

Deixem-na crescer
Deixem crescer a minha erva sobre a minha cabeça



(versão minha, a partir da tradução inglesa de Robert Elsie, reproduzida em An Elusive Eagle Soars - anthology of modern albanian poetry, tradução e organização de Robert Elsie, Forest Book/Unesco, Londres, 1993, p. 99).