sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Hrehory Chubay (1948 - 1982)

 [No século vinte viver não é...]



No século vinte viver não é tarefa fácil,
Pois cada instante é angustiante,
E o átomo pode ser dividido,

Pelo contrário a alma não se cindirá
Em duas partes ou em múltiplas
Partículas de substância vilipendiada.
Num mundo armado os versos
Permanecem alinhados ao lado dos mísseis.
Quando falam de guerras por terminar
Pronunciam palavras de mortal sacrilégio.
... No século vinte há que viver
Por aqueles que não puderam fazê-lo.
E sofrer uma dor multiplicada por vinte
Passando pelo tormento até à vigésima vez.
Pelos vinte há que arar a terra.
Pelos vinte há que carregar a tristeza.
Pelos vinte há que voar até ao céu
E trazer o conserto ao mundo:
Para que cada um viva um pouco mais por si mesmo
No futuro século vinte e um.


[1990]



(Versão minha. Fonte: Una iconografia del alma. Poesía ucraniana del siglo XX; prólogo, selecção e tradução de Iury Lech; Litoral/Edições UNESCO; Málaga, 1993, p. 186).

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Marta Eloy Cichocka

[Dá a ideia de que...]



Dá a ideia de que na palma da mão tenho toda a cidade, e quando fecho
o punho os campanários cravam-se debaixo das unhas, e quando enfio
as mãos nos bolsos os carros embatem uns nos outros,
dá-se um terrível choque em cadeia, cruzes cheias de vidros
partidos, pequenas ambulâncias desesperadas... Por isso não me 
perguntes por que pinto as unhas com as mãos a sangrar.



(Versão minha. Fonte: Luz que fue sombra. Diecisiete poetas polacas (1963-1981); selecção e tradução de Abel Murcia e Gerardo Beltrán, Vaso Roto, Madrid, 2021, p. 61).

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

É Por Isso Que A Alegria É mais alta

Poemas russos dos séculos vinte e vinte e um




(Mais informações aqui).

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Victor F. R. Redondo

 Tráfego pesado



Um pássaro com um caixão na boca.
Um galeão de ouro tripulado por ratos brancos.
Um peixe que quando nada em águas duplas rasga o casco de todos os barcos.

Uma hora na nossa vida que não chegaremos a recordar.
Uma garrafa de uísque vazia com a língua dum náufrago.
Uma palavra que não poderei pronunciar quando me for.
Um vagabundo dormindo debaixo duma ponte.
Um navio cuja tripulação não conhece o mar.
Um erro que voltarás a cometer.
Uma fantasia homossexual que te obceca.
Um verdugo aterrorizado a barbear-se com uma navalha, frente a um espelho.
Uma carruagem de metro onde ela murmura: "Tudo está perdido".

A solidão de um homem que viaja pelas suas veias e se perde antes de chegar.
A obrigação dos relógios andarem para trás para evitar a degolação.
O espaço interior de um caixão e o espaço que o rodeia.
O íman que não atrai sequer a sua sombra.
Uma igreja de cadeiras eléctricas.

O leque fantástico com o qual poderias atrair planetas até à tua janela.
Tudo o que cabe num espaço similar ao triângulo formado pelo ângulo da inclinação 
                                                                                                             [da Torre de Pisa.
Nunca assassines aqueles que não amas. Negoceia os teus segundos com a eternidade.



(Versão minha. Fonte: Nueva poesía argentina; selecção e introduçãode Leopoldo Castilla; Hiperión, Madrid, 1987, pp. 95-96).

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Rafael Felipe Oteriño

 Linhas da mão



Linhas da mão, linhas da vida,
pontos cardeais extraviados na pele,
suplico-vos que não digam toda a verdade:
mesmo que a vida seja curta em extremo
afirmem que o olhar mente
e que uma leitura mais atenta
poderia revelar
quanto andarão os pés,
quanto suplicarão ainda os lábios.



(Versão minha. Fonte: Nueva poesía argentina; selecção e introdução de Leopoldo Catstilla; Hiperión, Madrid, 1987, pp. 62-63).

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Santiago Kovadloff

 Quer dizer



Sim, as fissuras, já sei;
as fissuras, as poucas
conclusões.

Não, não é tarde;
é uma determinada dor aqui,
sim, aqui,
onde estava
a cabeça.



(Versão minha. Fonte: Nueva poesía argentina; selecção e introdução de Leopoldo Castilla; Hiperión, Madrid, 1987, p. 35).