quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Victor F. R. Redondo

 Tráfego pesado



Um pássaro com um caixão na boca.
Um galeão de ouro tripulado por ratos brancos.
Um peixe que quando nada em águas duplas rasga o casco de todos os barcos.

Uma hora na nossa vida que não chegaremos a recordar.
Uma garrafa de uísque vazia com a língua dum náufrago.
Uma palavra que não poderei pronunciar quando me for.
Um vagabundo dormindo debaixo duma ponte.
Um navio cuja tripulação não conhece o mar.
Um erro que voltarás a cometer.
Uma fantasia homossexual que te obceca.
Um verdugo aterrorizado a barbear-se com uma navalha, frente a um espelho.
Uma carruagem de metro onde ela murmura: "Tudo está perdido".

A solidão de um homem que viaja pelas suas veias e se perde antes de chegar.
A obrigação dos relógios andarem para trás para evitar a degolação.
O espaço interior de um caixão e o espaço que o rodeia.
O íman que não atrai sequer a sua sombra.
Uma igreja de cadeiras eléctricas.

O leque fantástico com o qual poderias atrair planetas até à tua janela.
Tudo o que cabe num espaço similar ao triângulo formado pelo ângulo da inclinação 
                                                                                                             [da Torre de Pisa.
Nunca assassines aqueles que não amas. Negoceia os teus segundos com a eternidade.



(Versão minha. Fonte: Nueva poesía argentina; selecção e introduçãode Leopoldo Castilla; Hiperión, Madrid, 1987, pp. 95-96).

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