Para Vladimír Holan
As gatas irrompem das águas-furtadas
e tornam-se verdes na noite.
Eu procurava em vão uma palavra nova
para isso a que os outros chamam sonho.
Para esta quimera, coisa ou instante,
que ultrapassa os limites da tua realidade
e depois - para te submeter ao seu próprio império -
não chega quase a ter corpo.
Para isso que é um simples murmúrio
e se dilacera a cada choque,
assim como um pão de gaze ligeiro
que, rente à tua fronte, flutua no ar.
Isso que, com o sangue, chega ao rosto
e faz sonhar as jovens raparigas
logo que, confessando-se à almofada,
se escondem sob os cobertores.
Para isso que surge assim que as tuas mãos
cobrem os teus olhos; isso que quase
a tua orelha não ouve, quando há um suspiro -
muito baixo - num recolhimento solitário.
Para esses olhos e esse olhar, enfim,
com os quais uma senhora me deslumbrou.
E com os quais, desde então, eu sonho ainda,
balbuciando versos comovidos.
Velar sem prazo, pela dor:
nada me impedirá de dormir mal.
A cidade? Dorme. Lá em baixo, o dique
purifica o ouro pálido das estrelas.
(Versão minha a partir da tradução francesa de Petr Král, incluída na Anthologie de la poésie tchèque contemporaine, Gallimard, Paris, 2002, pp. 26-27).