sábado, 27 de junho de 2020
terça-feira, 23 de junho de 2020
Hans Morgenthaler
Poeta na miséria
Sou o extravagante poeta Hans Morgenthaler.
Exacto! O primo de Ernest, o conhecido pintor.
Tenho restos de sopa no casaco
E gotas nasais no colarinho da camisa;
Noutras circunstâncias, vida minha, oferecer-te-ia
O meu amor, mas na minha absoluta pobreza
Não me é lícito fazê-lo.
Vivo na Suíça italiana,
Onde algumas vezes faz muito calor no verão.
Encurralado entre um rabisco
E um piano eléctrico,
Numa casa ruidosa virada a sul, abrasada pelo sol.
Estou à espera na minha vida, com uma interminável e tensa paciência,
De uma mudança favorável
Que nunca chega.
De cada vez que, para lá da persiana,
Passa um dia quente
E abro a janela, feliz, ao ar fresco da tarde,
Para trabalhar um bocadinho na minha mesa,
Ou com um cansaço de morte dormir um pouco,
Aparece um desses: um paquete, um moço de fretes ou um aprendiz de barbeiro,
Enfia uma moeda na jukebox
E começa a ouvir a endemoninhada canção Valência...
Levo uma vida de cão!
Assim nunca me curarei!
Assim se vive na Suíça livre:
Na mais terrível estreiteza e sem vender um único livro!
Ando pelos quarenta
E cada dia que passa sou mais pobre
Como se possuísse o meu próprio tesouro!
Não comi nada esta noite
E assim posso economizar algum para um envelope e um selo.
Tenho de escrever à minha nova admiradora,
Uma senhora de setenta anos
Que, salvo os portes de envio, não me custa nada
E vive num lar.
Sou o extravagante poeta Hans Morgenthaler.
Exacto! O primo de Ernest, o conhecido pintor.
Tenho restos de sopa no casaco
E gotas nasais no colarinho da camisa;
Noutras circunstâncias, vida minha, oferecer-te-ia
O meu amor, mas na minha absoluta pobreza
Não me é lícito fazê-lo.
Vivo na Suíça italiana,
Onde algumas vezes faz muito calor no verão.
Encurralado entre um rabisco
E um piano eléctrico,
Numa casa ruidosa virada a sul, abrasada pelo sol.
Estou à espera na minha vida, com uma interminável e tensa paciência,
De uma mudança favorável
Que nunca chega.
De cada vez que, para lá da persiana,
Passa um dia quente
E abro a janela, feliz, ao ar fresco da tarde,
Para trabalhar um bocadinho na minha mesa,
Ou com um cansaço de morte dormir um pouco,
Aparece um desses: um paquete, um moço de fretes ou um aprendiz de barbeiro,
Enfia uma moeda na jukebox
E começa a ouvir a endemoninhada canção Valência...
Levo uma vida de cão!
Assim nunca me curarei!
Assim se vive na Suíça livre:
Na mais terrível estreiteza e sem vender um único livro!
Ando pelos quarenta
E cada dia que passa sou mais pobre
Como se possuísse o meu próprio tesouro!
Não comi nada esta noite
E assim posso economizar algum para um envelope e um selo.
Tenho de escrever à minha nova admiradora,
Uma senhora de setenta anos
Que, salvo os portes de envio, não me custa nada
E vive num lar.
(Versão minha a partir da tradução espanhola incluída na Antología de la poesía suiza contemporánea; selecção e tradução de Manuel Jurado, Editorial Aguaclara, Alicante, 1992, pp.89-90).
domingo, 21 de junho de 2020
Adolfo Jenni
Os velhos professores
Os velhos, velhíssimos, professores
que foram brilhantes e autoritários,
agora, reformados,
arrastam pelas ruas
os corpos e os dias.
Resistem à morte
até não haver dúvidas
sobre como um ser humano pode ver deteriorados
o corpo e a mente.
Cada vez mais lentos e encurvados,
os velhos professores
quase afónicos e vacilantes,
surdos, com um sorriso pateta,
coléricos só de vez em quando,
cada vez mais desastrados dentro da roupa
com nódoas, desabotoados.
A dignidade que haviam encarnado
quando se sentavam na sua cátedra
a ensinar a juventude florescente
foi toda para o galheiro.
Não sabem já o que fazer
e procuram entreter-se com as pessoas,
com o primeiro que encontram,
ainda que seja o menos adequado
à sua condição e idade;
mas todos lhes viram as costas.
Os velhos, velhíssimos, professores
vagueiam como espantalhos do futuro
diante dos seus colegas mais jovens,
destinados a continuar, como vêem,
o caminho do ser humano.
Até eles deverão conseguir
a morte por um alto preço.
(Versão minha; poema incluído na Antología de la poesía suiza contemporánea; selecção e tradução de Manuel Jurado; Editorial Aguaclara, Alicante, 1992, pp. 62-63).
Os velhos, velhíssimos, professores
que foram brilhantes e autoritários,
agora, reformados,
arrastam pelas ruas
os corpos e os dias.
Resistem à morte
até não haver dúvidas
sobre como um ser humano pode ver deteriorados
o corpo e a mente.
Cada vez mais lentos e encurvados,
os velhos professores
quase afónicos e vacilantes,
surdos, com um sorriso pateta,
coléricos só de vez em quando,
cada vez mais desastrados dentro da roupa
com nódoas, desabotoados.
A dignidade que haviam encarnado
quando se sentavam na sua cátedra
a ensinar a juventude florescente
foi toda para o galheiro.
Não sabem já o que fazer
e procuram entreter-se com as pessoas,
com o primeiro que encontram,
ainda que seja o menos adequado
à sua condição e idade;
mas todos lhes viram as costas.
Os velhos, velhíssimos, professores
vagueiam como espantalhos do futuro
diante dos seus colegas mais jovens,
destinados a continuar, como vêem,
o caminho do ser humano.
Até eles deverão conseguir
a morte por um alto preço.
(Versão minha; poema incluído na Antología de la poesía suiza contemporánea; selecção e tradução de Manuel Jurado; Editorial Aguaclara, Alicante, 1992, pp. 62-63).
quarta-feira, 17 de junho de 2020
Jonathan Greene
O retorno
Todos os anos
recuperamos o ânimo
quando as andorinhas do celeiro
regressam.
Reencontram os antigos ninhos,
e ensinam as mais novas a voar,
alinhadas no telhado do celeiro
para o seu primeiro voo.
Lembram-nos
que, por enquanto, certos rituais
desta terra generosa
perduram.
(Versão minha; original reproduzido aqui).
Todos os anos
recuperamos o ânimo
quando as andorinhas do celeiro
regressam.
Reencontram os antigos ninhos,
e ensinam as mais novas a voar,
alinhadas no telhado do celeiro
para o seu primeiro voo.
Lembram-nos
que, por enquanto, certos rituais
desta terra generosa
perduram.
(Versão minha; original reproduzido aqui).
segunda-feira, 15 de junho de 2020
Mustafa Koz
O louco da ilha
Sobrevive comendo estrelas de noite,
O dia é para ele uma casinha sem números vermelhos
Ninguém pôde até agora escravizá-lo
A sua cabeça - esse céu - está coroada com espinhos escarlates,
Sigamos as nossas pegadas na margem lamacenta
Enquanto silenciosamente abandonamos a ilha
Para irmos limpar a lâmpada empoeirada.
Sobrevive comendo estrelas de noite,
O dia é para ele uma casinha sem números vermelhos
Ninguém pôde até agora escravizá-lo
A sua cabeça - esse céu - está coroada com espinhos escarlates,
Sigamos as nossas pegadas na margem lamacenta
Enquanto silenciosamente abandonamos a ilha
Para irmos limpar a lâmpada empoeirada.
(Versão minha a partir da tradução castelhana incluída em Poesía contemporánea de la República de Turquía; Vision Libros; organização e selecção de Jaime B. Rosa e Metin Cengiz, Madrid, 2013, p. 102).
quinta-feira, 11 de junho de 2020
Alison Luterman
Confesso
Andei a persegui-la
pelo mini-mercado: a sua coroa
de tranças imaculadas, presas na perfeição por um gancho prateado,
a sua postura direita, irradiando suavidade,
o modo como colocou os iogurtes e os abacates no cesto,
espalhando paz como a Estrela Polar.
Quis perguntar-lhe "Em que corredor encontraste
a tua serenidade, sabes como
se consegue estar casado durante cinquenta anos, ou como viver sozinho,
desculpa-me por estar a interromper, mas pareces ter
um grau de sabedoria que faz a terra arder e girar no seu eixo -",
só que nós não pedimos este tipo de informações a estranhos
nos nossos dias. Pelo que me limitei a dizer, "Adoro o seu cabelo."
Andei a persegui-la
pelo mini-mercado: a sua coroa
de tranças imaculadas, presas na perfeição por um gancho prateado,
a sua postura direita, irradiando suavidade,
o modo como colocou os iogurtes e os abacates no cesto,
espalhando paz como a Estrela Polar.
Quis perguntar-lhe "Em que corredor encontraste
a tua serenidade, sabes como
se consegue estar casado durante cinquenta anos, ou como viver sozinho,
desculpa-me por estar a interromper, mas pareces ter
um grau de sabedoria que faz a terra arder e girar no seu eixo -",
só que nós não pedimos este tipo de informações a estranhos
nos nossos dias. Pelo que me limitei a dizer, "Adoro o seu cabelo."
(Versão minha; poema incluído na antologia Healing the divide, organizada por James Crews; Green Writers Press, Brattleboro, Vermont, 2019, p. 64).
domingo, 7 de junho de 2020
Jon Juaristi
Sinais de agradecimento
A Luis García Montero
Não tenho carro
nem casa própria. Vivo só
e a minha conta corrente
está no vermelho.
Habito num frigorífico,
num frio promontório
varrido pelas turvas
ventanias do outono.
Passei a quarentena,
dobrei o meu Cabo Horn,
perdi todos os mastros
da alma nos escolhos.
Vivi em países
não especialmente exóticos,
mas do triste mundo
sei mais do que os geógrafos.
Nasci sob Saturno,
deus nocturno do chumbo.
Coube-me um tempo
inclinado para a tormenta.
A minha juventude entretém-se
com jogos perigosos.
Sigo sendo das esquerdas
embora pouco se note.
Não me lembro das vezes
que bati no fundo
por causa do despenhadeiro
das boas intenções,
nem quero publicitar
os meus lances mais gloriosos:
virar-me para trás
deixa-me melancólico.
Dê-se só um conselho
aos mais paranóicos:
a amnésia, se oportuna,
afasta o mal da vista.
No que respeita à memória,
melhor pecar por sóbrio:
a minha infância são recordações
de algum jardim zoológico
e deslizes pueris
de vate vaidoso
e megalomania
de calça curta.
Receio hoje os truques
dos poetas moços
e ponho-me a distinguir
as vozes dos buços.
Amo o meu povo basco,
um povo nobre e tosco
metido num atolamento
que assinaria El Bosch(o).
Deixar-lhe-ei em herança
o meu pó e os meus ossos
e quatro ou cinco livros
de versos rancorosos.
E se a poesia
me deu quase tudo
(ou seja, o belo punhado
de amigos que guardo),
brigar e apaixonar-me
são artes que melhor
conheço que a poesia:
agora julgai vós.
(Versão minha; poema incluído em Hacia da democracia. La nueva poesía (1968-2000); organização de Araceli Iravedra, Visor, 2016, pp. 446-448).
A Luis García Montero
Não tenho carro
nem casa própria. Vivo só
e a minha conta corrente
está no vermelho.
Habito num frigorífico,
num frio promontório
varrido pelas turvas
ventanias do outono.
Passei a quarentena,
dobrei o meu Cabo Horn,
perdi todos os mastros
da alma nos escolhos.
Vivi em países
não especialmente exóticos,
mas do triste mundo
sei mais do que os geógrafos.
Nasci sob Saturno,
deus nocturno do chumbo.
Coube-me um tempo
inclinado para a tormenta.
A minha juventude entretém-se
com jogos perigosos.
Sigo sendo das esquerdas
embora pouco se note.
Não me lembro das vezes
que bati no fundo
por causa do despenhadeiro
das boas intenções,
nem quero publicitar
os meus lances mais gloriosos:
virar-me para trás
deixa-me melancólico.
Dê-se só um conselho
aos mais paranóicos:
a amnésia, se oportuna,
afasta o mal da vista.
No que respeita à memória,
melhor pecar por sóbrio:
a minha infância são recordações
de algum jardim zoológico
e deslizes pueris
de vate vaidoso
e megalomania
de calça curta.
Receio hoje os truques
dos poetas moços
e ponho-me a distinguir
as vozes dos buços.
Amo o meu povo basco,
um povo nobre e tosco
metido num atolamento
que assinaria El Bosch(o).
Deixar-lhe-ei em herança
o meu pó e os meus ossos
e quatro ou cinco livros
de versos rancorosos.
E se a poesia
me deu quase tudo
(ou seja, o belo punhado
de amigos que guardo),
brigar e apaixonar-me
são artes que melhor
conheço que a poesia:
agora julgai vós.
(Versão minha; poema incluído em Hacia da democracia. La nueva poesía (1968-2000); organização de Araceli Iravedra, Visor, 2016, pp. 446-448).
quinta-feira, 4 de junho de 2020
Manuel Vilas
Hölderlin
O grande poeta, linhagem das enfermidades mentais,
cuja palavra, segundo os doutos e cabais académicos,
falou da Grécia e da Alemanha, que propôs aos mortais
um reino superior, lá nas alturas onde os deuses vivem,
foi no tempo da sua vida um pobre tonto que esqueceu
até o seu próprio nome. Teve razão Goethe, que viu nele
o que era na realidade: primeiro, um jovem exaltado,
com pouca experiência do mundo e demasiada filosofia,
depois mais um louco entre os que adubam os campos da terra.
(Versão minha; poema incluído em Hacia la democracia. La nueva poesía (1968-2000); organização de Araceli Iravedra; Visor, 2016, p. 694).
O grande poeta, linhagem das enfermidades mentais,
cuja palavra, segundo os doutos e cabais académicos,
falou da Grécia e da Alemanha, que propôs aos mortais
um reino superior, lá nas alturas onde os deuses vivem,
foi no tempo da sua vida um pobre tonto que esqueceu
até o seu próprio nome. Teve razão Goethe, que viu nele
o que era na realidade: primeiro, um jovem exaltado,
com pouca experiência do mundo e demasiada filosofia,
depois mais um louco entre os que adubam os campos da terra.
(Versão minha; poema incluído em Hacia la democracia. La nueva poesía (1968-2000); organização de Araceli Iravedra; Visor, 2016, p. 694).
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