Para José Mateos
Uma imagem antiga, da minha infância,
acompanha-me sempre como um símbolo
da amizade: o meu avô, numa feira
de São Miguel, bêbedo e abraçado a outro velho,
chora feliz, ri-se e pede mais meia garrafa.
Com os abraços, com a bebedeira,
têm os fatos sujos e as boinas torcidas,
as botas enlameadas por causa
da primeira chuva de setembro.
Esta imagem, José, não é nada edificante,
no entanto sempre que penso
neste sentimento que nos une,
diferente das tristes
misérias do amor e das suas crueldades,
recrio na minha memória aqueles velhos
aturdidos de vinho e de alegria
- há charcos de água azul
no barro pisado pelos animais -:
a amizade é um par homens
que volta da feira, ou da vida
(que volta da feira que é a vida),
irmanados, rindo-se, chorando
com os braços ao ombro
e os fatos sujos.
(Versão minha; poema incluído em Para cuando volvamos (Poesía completa, 1992-2018), Renacimiento, Sevilha, 2018, p. 112).