terça-feira, 22 de setembro de 2009

Jan Polkowski

Não escrevas nada...



Não escrevas nada. Deixa os outros falarem,
e mesmo que eles nunca usem palavras como:
revolução, liberdade, dignidade, humilhação,
mesmo que as suas línguas sejam apenas carne
e não cítaras, ou frescos, ou espadas, permite-lhes
que falem. Deixa o sangue correr
e o fogo propagar-se, deixa o tronco da limeira engrossar,
deixa a água e o fruto extraviarem-se.
Não retenhas o teu coração,
deixa-o beber e escutar.



(versão minha a partir da tradução de Donald Pirie reproduzida em Young poets of a new Poland, introdução e traduções de D. Pirie, Forest Books, Londres, 1993, p. 82.)

domingo, 20 de setembro de 2009

Margaret Atwood

Eles jantam fora



Nos restaurantes discutimos
qual de nós pagará o teu funeral

ainda que a verdadeira pergunta seja
se farei ou não de ti um ser imortal.

Neste momento só eu
posso fazê-lo e assim

levanto o garfo mágico
sobre o prato de carne e arroz frito

e cravo-o no teu coração.
Há um pequeno estalido, um zumbido

e da tua própria cabeça fendida
emerges incandescente;

o céu abre-se
uma voz canta O Amor É Uma

Coisa Esplendorosa
circulas suspenso por cima da cidade

com um fato azul e uma capa vermelha,
os teus olhos brilhando em uníssono.

Os outros comensais olham-te
alguns com temor, outros só com aborrecimento:

não conseguem decidir se és uma nova arma
ou apenas outro anúncio.

Quanto a mim, continuo a comer;
gostava mais de ti como eras,
mas tu sempre foste ambicioso.



(versão minha, a partir do original e da tradução para espanhol de Pilar Somacarrera Íñigo, reproduzidos em Juegos de poder, tradução, introdução e notas de P. S. Íñigo, Hiperión, Madrid, 2000, p. 33).

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Óscar Hahn

Numa estação de Metro



Desventurados os que avistaram
uma rapariga no Metro

e se apaixonaram de repente
e a seguiram enlouquecidos

e a perderam para sempre entre a multidão

Porque serão condenados
a vaguear sem rumo pelas estações

e a chorar com as canções de amor
que os músicos ambulantes cantam nos túneis

E se calhar o amor não é mais do que isso:

uma mulher ou um homem que sai de uma carruagem
numa qualquer estação de Metro

e resplandece por uns segundos
e desaparece na noite sem nome



(versão minha; original reproduzido em Poemas de la era nuclear, Bartleby Editores, prólogo de Alexandra Domínguez, Madrid, 2008, p. 95).

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Bronislaw Maj

Nunca escreverei um poema...



Nunca escreverei um poema longo: tudo
o que encontrei aqui impede-me
de dizer mentiras: isto existe entre
duas golfadas de ar, apenas num
relance, num só aprisionamento do coração. E agora
estou só, e o que está aqui comigo
chega apenas para uma dúzia (mais ou menos)
de pequenos versos, um poema tão breve como o instante de vida
de uma borboleta das couves, ou o fulgor de luz
na crista de uma onda,
de um ser humano, ou de uma catedral. Uma dúzia (mais
ou menos) de versos depois,
e o que existe entre eles: a perpétua
fulgurância da luz, a eternidade da vida de uma borboleta
e a humanidade que transcende
a morte.




(versão minha, a partir da tradução inglesa de Donald Pirie, reproduzida em Young poets of a new Poland, Forest Books, Londres, 1993, p. 61).

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Óscar Hahn

Retrato de família iraquiana



O pai de turbante
e denso bigode negro
com os braços cruzados
À esquerda a sua esposa
com a túnica bordada
e o véu branco
Ahmad e Zainab
os dois filhos pequenos
de mãos dadas
Os avós sentados
em cadeirões de verga
Todos a sorrir
numa fotografia meio chamuscada
encontrada entre os escombros
da sua casa
depois do bombardeamento



(versão minha; original reproduzido em Poemas de la era nuclear, Bartleby Editores, prólogo de Alexandra Domínguez, Madrid, 2008, p. 46).

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Vladimíra Cerepková

Para Eva O.



Não me fales como a um morto
não me fales como se eu fosse um defunto
fala-me
como se eu ainda não tivesse nascido
fala-me como se eu fosse árvore



(versão minha, a partir da tradução francesa de Petr Král reproduzida em Anthologie de la poésie tchèque contemporaine: 1945-2000, Gallimard, Paris, 2002, p. 266).