segunda-feira, 30 de maio de 2022

Antun Branko Simic

 Eu e a morte



A morte não existe fora de mim. Ela está em mim
desde o primeiro momento: cresce comigo
a cada minuto
                  Um dia
se eu parar
                  ela continuará a crescer
em mim até me ocupar completamente
até me preencher. O meu fim
é o seu verdadeiro começo:
                  ela expande o seu reino, sozinha.



(Versão minha. Fonte: La poésie croate - des origines à nos jours; selecção de Slavko Mihalic e Ivan Kusan; vários tradutores [tradutora deste poema: Janine Matillon]; Seghers, s/d, p.168).

quarta-feira, 25 de maio de 2022

Miroslav Krleza (1893 - 1981)

O diálogo de Jerusalém



- É isso? Ele é de Nazaré?
- Pois claro: a feirante ali da esquina
é a sua tia!
- E ouvi dizer que é filho ilegítimo
e que o pai anda a varrer ruas.
- Nasceu num estábulo, isso é certo.
Verdade seja dita, a origem do miúdo é problemática e pouco clara.
A mãe, diz-se, anda por aí com um velhote.
Quem poderia imaginar, minha senhora, todos estes escândalos?
- Mas adiante. E andou à escola?
Fez o liceu?
- Nem pensar!
Com certeza a senhora só pode estar a brincar!
Qual bacharelato de Deus?
Um dia destes, na rua,
deu um beijo a uma galdéria!
Anda a beber com os vadios; só os indigentes,
os cegos e os pecadores é que o seguem,
e agora começou a levar as nossas crianças por maus caminhos.
As reclamações contra ele já começaram
a chegar à polícia.
Oiça o que lhe digo, minha senhora,
esse rapaz há de acabar numa cruz!



(Versão minha. Fonte: La poésia croate - des origines à nos jours; selecção de Slavko Mihalic e Ivan Kusan; vários tradutores [tradutores deste poema: Mira Kuzmic e Pierre Seghers]; Seghers, s/d, p. 157).

sexta-feira, 20 de maio de 2022

Petar Preradovic (1818 - 1872)

 Ao coração humano



Ao coração humano falta sempre alguma coisa;
Nunca se dá completamente por satisfeito:
Não é senhor de ter nas mãos o objecto do seu sonho
Sem que cem desejos o assaltem uma vez mais.

Desprezando o pão de cada dia, que o destino lhe dá,
Por que aconchega, no seu seio, sob a forma
Dum desejo ardente, um falcão cruel que
Não cessa de nele enterrar o bico esfomeado?

Entre o berço e o túmulo decorre um tempo
Excessivamente curto, designado vida;
Face à morte, também o coração sempre

Estremece com o mesmo desejo de sempre,
Sempre sonhando: é que a terra tem prazeres
Que o coração não saberá levar para o caixão.



(Versão minha. Fonte: La poésie croate- des origines à nos jours; selecção de Slavko Mihalic e Ivan Kusan; vários tradutores [tradutora deste poema: Janine Matillon]; Seghers, s/d, p. 103).

domingo, 15 de maio de 2022

Poesia popular croata (2)

 Estranho remédio



O cervo corre na montanha,
nos seus bosques, nos píncaros,
nos píncaros as cidades,
nas cidades um palácio, e
o meu bem amado está à mesa:
"Sentes-te doente, meu bem amado?
Então dar-te-ei um ensopado,
um ensopado de moscas,
uma costeleta de mosquito,
uma coxa de poldra,
aguardente numa peneira,
meu bem amado, para te curar!"



(Versão minha. Fonte: La poésie croate - des origines à nos jours; selecção de Slavko Mihailic e Ivan Kusan; vários tradutores [tradutora deste poema: Janine Matillon]; Seghers, s/d, p.84).

quinta-feira, 12 de maio de 2022

Poesia popular croata (1)

Enganaram-no



Cidade de Senj, que as chamas te devorem!
Dentro dos teus muros servi três anos:
um ano pelas armas brilhantes,
um ano por um bom cavalo,
um ano por uma bonita rapariga.
Quando voltei para resgatar as armas brilhantes,
deram-me as velhas e ferrugentas.
Quando voltei para resgatar o bom cavalo,
deram-me uma velha pileca.
Quando voltei para resgatar a bonita rapariga,
deram-me uma velha galdéria.



(Versão minha. Fonte: La poésie croate - des origines à nos jours; selecção de Slavko Mihailic e Ivan Kusan; vários tradutores [a tradução francesa deste poema é de Janine Matillon]; Seghers, s/d, pp. 85-86).

segunda-feira, 9 de maio de 2022

Dinko Zlataric (1555 - 1613)

Na morte do meu filho primeiro nascido Simão e falecido
no dia três de setembro de 1592, tendo vivido um ano, 
dois meses e quinze dias!



Meu bem amado filho, por que foi então necessário
que eu te fechasse os olhos, tal como fiz, quando 
julguei que serias tu a fazê-lo a mim, defunto?
Agora que estás morto, e eu aqui permaneço,
o sol percorreu a sua órbita somente uma vez,
e a lua apenas três vezes desde a tua vinda.
Tu que foste tão breve, que nos deixaste, 
meu filho, ó toda a minha glória, todo o meu amor!
Mais rápido do que a flecha passaste
e furtaste aos nossos olhos o teu doce encanto.
Teu pai a teu rogo não mais te embalará,
não mais, no seu pescoço, sentirá os teus meigos braços.
Tu, que foste do meu coração a primeira alegria,
tu, que agora és o seu choro, a sua queixa, o seu luto.
Num tempo tão curto como mudou o meu destino, 
como de doces fez amargas todas as minhas esperanças!
A noite não virá sobre nenhum dos meus dias
sem que não me encontre em lágrimas, e não me deixará.
Porque contigo todas as minhas alegrias pereceram -
foi a luz dos meus olhos que me abandonou.



(Versão minha.  Fonte: La poésie croate - des origines à nos jours; selecção de Slavko Mihalic e Ivan Kusan; vários tradutores [Janine Matillon]; Seghers, s/d, p. 72).

quinta-feira, 5 de maio de 2022

Ditos e provérbios populares croatas

 

Os tolos batem-se, os sábios bebem vinho.

*

O diabo não é tão negro como o pintam.

*

Cada um receia o seu próprio cadáver.

*

Deus nas alturas, e a justiça ao longe.

*

Primeiro de agosto, primeiro figo na boca.

*

Não vale a pena mentir ao estômago.

*

Enquanto os sábios procuram a ponte, os tolos atravessam o rio.

*

Os grandes gatunos são libertados, os pequenos enforcados.

*

É preciso medir as palavras, mais do que contá-las.

*

É bom ter amigos, mesmo no inferno.


(Versões minhas. Fonte: La poésie croate - des origines à nos jours; selecção de Slavko Mihalic e Ivan Kusan: vários tradutores; Seghers, s/d, pp. 305-307).