domingo, 23 de maio de 2021

Manuel Vásquez Montalbán

 Verão e fumo



Já sabemos o que custa
vencer a resistência tenaz
de duas pernas unidas
                                    o sabor
de um certo hálito amargou de madrugada
o ar nas nossas fauces
e o corpo descobriu-se amolecido ao despertar
ou triste fez queixas devido a um frio caído no esquecimento

e no entanto
mais de uma vez as árvores tornam-nos outonais,
a rua brilha debaixo da chuva amarela,
damos lume a um solitário que erra
pelo molhe
                    e assobiamos uma melodia
vulgar, já tarde, quando os veleiros
mentem sobre os portos ansiados e o ar
salino não pergunta
                                quem
quem não teme perder o que não ama?



(Versão minha; poema incluído em Poesía completa - Memoria y deseo (1963-2003); Visor, Madrid, 2018, p. 75). 

sábado, 15 de maio de 2021

Lars Huldén

 [Dois sábios...]



Dois sábios enredavam-se numa disputa sobre
a idade da árvore sob cuja sombra
se haviam sentado. Solucionaram o conflito
à maneira clássica:
cortando a árvore.
Ao fazerem a contagem dos anéis anuais observaram
que um se havia aproximado um pouco mais da verdade
que o outro.



(Versão minha a partir da tradução espanhola incluída em Veintidós poetas finlandeses; tradução e selecção de Francisco J. Uriz e Juan Capel; prólogo de Lars Huldein, 2014, Saragoça, p. 89).

quinta-feira, 6 de maio de 2021

Joseba Sarrionandia

 Voltar a casa



Com os mapas do tesouro debaixo do braço
                            deixei a minha casa e avancei
pelos esconderijos do medo em busca
                                                do canto das sereias.

Na encontrei na viagem mais do que lascas
                                                cinzentas de pederneira
e ninhos nojentos de melros no mais recôndito
                                                das selvas obscuras.

Quando o tempo esgotou o caminho
                                           e regressei a casa,
era nova a madeira da porta e
                                           a fechadura tinha sido mudada.



(Versão minha; poema incluído em La poesía está muerta; tradução do basco pelo autor; edição bilingue basco/espanhol; selecção de Eva Linazasoro; Pamiela, Arre, 2016, p. 29).