Os poetas malditos
oh essas raparigas que perdem a cabeça por Sylvia Plath
porque foi capaz de fazer o que elas nunca farão
(não me refiro às metáforas atropeladas que escrevem sobre o medo
de se amarem um pouco a si mesmas
mas sim a suicidarem-se)
e esses rapazes que imitam Bukowski
(não me refiro a escreverem poemas descosidos sobre a sua própria miséria
mas sim a embebedarem-se com a certeza de que um dia
alguém os vai tirar da miséria)
e os Rimbauds de bairro baixo
que já que não podem traficar armas e deixar de escrever poemas
escrevem poemas e masturbam-se sonhando
com um cirurgião do deserto que lhes amputa uma perna
e quantos Lautréamonts de bairro alto
que adorariam ter um assomo de energia
para tirar a seringa do braço
e escrever com o próprio sangue algum verso assassino
oh os Maiakovskis
dando murraças à esquerda e à direita abrindo sobrolhos
e socando bochechas e recebendo em algum momento uma cabeçada,
com os narizes partidos e felizes, erguidos de pé para dizer a revolução
e os ternos tristes jovens que eugenizam, senam, herbertam,
ou fazem tintilar as moedas musicais de Pessoa
e escrevem ironias sentenciosas sem terem ainda perdido nada
e do seu tédio fazem melancolia fugitiva
num mundo de selfies
e estão convencidos de que a comida mais importante do dia
é um livro de poemas
invejo-os a todos por terem
aquilo que já perdi para sempre:
a cega confiança de que escrever
é um modo de engrandecer a vida
a confiança cega de que viver
não é nada
se depois não nos serve
para cair de bruços
num poema.
(Versão minha; Horizonte de sucesos; Renacimiento, Sevilha, 2021, pp.115-116).