(Dez poemas)
Depois de um ataque aéreo
Saindo de um monte de destroços
dirigindo-se para o céu
cinzenta como uma parede
uma mão com cinco dedos.
***
Natureza morta
Num charco de lodo e sangue,
entre o corpo meio carbonizado de um cavalo
e o corpo meio carbonizado de um homem,
ao pé de uma conduta de esgoto destruída, um sofá com franjas, uma chaleira
e três pedaços de vidro partido,
jaz o fragmento de uma carta de amor, queimado nas margens:
"Sou tão feliz."
***
Terra e Céu
Havia aqui tantas coisas a gritar
os aviões gritavam e o fogo e a desolação
o ataque gritava
até às nuvens.
Agora a terra e o céu
estão em silêncio.
***
Estou cheia de amor
Estou cheia de amor
como uma grande árvore de vento,
como uma esponja de oceano,
como uma grande vida de sofrimento,
como o tempo de morte.
***
O meu sofrimento
O meu sofrimento
é útil para mim.
Dá-me o privilégio
de escrever sobre o sofrimento de outros.
O meu sofrimento é o lápis
com que escrevo.
***
Não posso
Invejo-te. A qualquer momento
podes deixar-me.
Eu não posso
deixar-me.
***
Protesto
Morrer
é o mais duro
de todos os trabalhos.
Velhos e doentes
deveriam estar isentos dele.
***
Isso não seria nada bom
Quando estou só
tenho medo de me virar
demasiado depressa.
O que está nas minhas costas
pode, no fim de contas, não estar preparado
para assumir uma forma adequada
para olhos humanos.
E isso não seria nada bom.
***
Quatro patas muito gordas
Sinto-me alegre como se fosse
muito gorda.
Como se tivesse quatro
pernas muito gordas. Como se saltasse muito alto
com as minhas quatro pernas muito gordas.
Como se ladrasse
alegremente e muito alto
com essas quatro pernas muito gordas.
Eis quão alegre me sinto hoje.
***
Ansiedade
Fazes entre as árvores
um ninho para o nosso amor.
Mas repara nas flores
que esmagaste.
(Fontes: 1) Talking to my body; tradução de Czeslaw Milosz e Leonarda Nathan, Copper Canyon Press; Washington, 1996; 2) Construyendo la barricada y otros poemas; tradução de Édgar Trevizo; Medusa, Chihuahua, 2021).