Botão-de-ouvido
Botão-de-ouvido - uma pequena bolinha revestida de espuma
para usares como um brinco interior,
assim desfrutas de barulhos privados enquanto andas por aí
protegido de qualquer silêncio súbito.
Só tens de verificar a bateria e copiar
mil canções e histórias secretas
para esse pequeno casulo que trazes no bolso.
Agora estás a salvo dos outros barulhos produzidos
por outras pesssoas e máquinas, só por acaso
barulhos que não escolheste como teus.
Para ter a tua atenção, toco-te no braço -
para te revelar o tornado ou o urso polar.
Por vezes apanho-te a murmurar ou a falar para o ar
como se houvesse uma amante encolhida, à espera no teu ouvido.
(versão minha; o original pode ser lido aqui).
segunda-feira, 27 de abril de 2009
sábado, 25 de abril de 2009
José Emílio Pacheco
Alta traição
Não amo a minha pátria.
O seu fulgor abstracto
não se deixa agarrar.
Mas (ainda que soe mal)
daria a vida
por dez lugares seus,
certa gente,
portos, bosques, desertos, fortalezas,
uma cidade desfeita, cinzenta, monstruosa,
várias figuras da sua história,
montanhas
- e três ou quatro rios.
Não amo a minha pátria.
O seu fulgor abstracto
não se deixa agarrar.
Mas (ainda que soe mal)
daria a vida
por dez lugares seus,
certa gente,
portos, bosques, desertos, fortalezas,
uma cidade desfeita, cinzenta, monstruosa,
várias figuras da sua história,
montanhas
- e três ou quatro rios.
(versão minha, corrigida; a primeira versão que propus foi produzida a partir da forma como o poema original surge aqui; mas esta fonte pode ser problemática uma vez que, posteriormente, tomei conhecimento desta tradução, através da qual me dei conta de falhas na minha proposta, que agora rectifico; tomo agora como texto de partida o poema tal como surge em Tarde o temprano (poemas 1958-2000), Fondo de Cultura Económica, edição de Ana Clavel, 3ª edição, 2ª reimpressão, Picacho-Ajusco, 2004, p. 73; pela alta traição, ainda que involuntária, ao autor e aos leitores, as minhas desculpas).
quarta-feira, 22 de abril de 2009
Roger McGough
O Livro da Poesia Inglesa do Século Vinte da Oxford
(Recenseado por Georges Perec)
St psado volum rvla-s incontornávl para as pssoas qu gostam d posia.
Poma após poma, num glorioso fstim d posia.
Mmorávis comparaçõs, mtáforas, stão por toda a part
nquanto blas rimas, tanto como imagns, atravssam cada página.
Grands pomas de noms como Louis MacNic,
John Btjman, Hilair Blloc, T.S. Liot ou Td Hughs,
já para não falar do pota favorito de Larkin, Hardy, qu surg
com vint st pomas ao lado de apnas nov de W.B. Yats.
Sta antologia, apsar d duramnt criticada plos potas
nla não incluídos, acabará por afirmar-s como uma obra fundamntal
por muitos anos. A minha única qustão respita aos potas
d língua francsa qu foram xcluídos por razõs só conhcidas plo ditor.
(Recenseado por Georges Perec)
St psado volum rvla-s incontornávl para as pssoas qu gostam d posia.
Poma após poma, num glorioso fstim d posia.
Mmorávis comparaçõs, mtáforas, stão por toda a part
nquanto blas rimas, tanto como imagns, atravssam cada página.
Grands pomas de noms como Louis MacNic,
John Btjman, Hilair Blloc, T.S. Liot ou Td Hughs,
já para não falar do pota favorito de Larkin, Hardy, qu surg
com vint st pomas ao lado de apnas nov de W.B. Yats.
Sta antologia, apsar d duramnt criticada plos potas
nla não incluídos, acabará por afirmar-s como uma obra fundamntal
por muitos anos. A minha única qustão respita aos potas
d língua francsa qu foram xcluídos por razõs só conhcidas plo ditor.
Romancista francês, na fase da sua obra, Georges Perec publicou um romance com 50000 palavras, La Disparition, eliminando sistematicamente a letra "e".
(versão minha; original reproduzido em Collected poems, Peguin, 2ª edição, Londres, 2004, p. 303).
segunda-feira, 20 de abril de 2009
Naomi Shihab Nye
Ombros
Um homem atravessa a rua à chuva,
caminhando suavemente, olhando duas vezes para norte
e para sul:
porque o seu filho dorme no seu ombro.
Nenhum carro deve salpicá-lo.
Nenhum carro pode aproximar-se demasiado da sua sombra.
Esta homem carrega a carga mais sensível do mundo
mas não há nenhuma marca disso.
Em nenhum lugar do seu blusão se diz FRÁGIL,
TRANSPORTAR COM CUIDADO.
O seu ouvido fica cheio com a respiração.
Ele ouve o murmúrio dos sonhos de um rapaz
bem dentro de si.
Não estaremos preparados
para viver neste mundo
se não tivermos o desejo de fazer a outro
o que este homem está a fazer.
A estrada será apenas imensa.
E a chuva não cessará nunca de cair.
Um homem atravessa a rua à chuva,
caminhando suavemente, olhando duas vezes para norte
e para sul:
porque o seu filho dorme no seu ombro.
Nenhum carro deve salpicá-lo.
Nenhum carro pode aproximar-se demasiado da sua sombra.
Esta homem carrega a carga mais sensível do mundo
mas não há nenhuma marca disso.
Em nenhum lugar do seu blusão se diz FRÁGIL,
TRANSPORTAR COM CUIDADO.
O seu ouvido fica cheio com a respiração.
Ele ouve o murmúrio dos sonhos de um rapaz
bem dentro de si.
Não estaremos preparados
para viver neste mundo
se não tivermos o desejo de fazer a outro
o que este homem está a fazer.
A estrada será apenas imensa.
E a chuva não cessará nunca de cair.
(versão minha; original reproduzido em Tender spot - selected poems, Bloodaxe, Northumberland, 2008, p. 64).
quarta-feira, 15 de abril de 2009
Wendell Berry
A cobra
No fim de Outubro
encontrei no chão do bosque
uma pequena cobra cujo dorso
estava camuflado na negrura
das folhas mortas entre as quais se estendia.
O seu corpo engrossara com um rato
ou um pequeno pássaro. Estava fria,
tão entorpecida com a sua barriga cheia
e o ar outonal que nem se
dava ao trabalho de revoltear a língua.
Segurei-a durante muito tempo, pensando
na perfeição dos desenhos
negros no seu dorso, na morte
que a inchava, no seu frio bem vivo.
Agora esse frio permanece
na minha mão, e eu penso nela
deitada debaixo do gelo,
enorme com a morte a nutri-la
durante um longo sono.
No fim de Outubro
encontrei no chão do bosque
uma pequena cobra cujo dorso
estava camuflado na negrura
das folhas mortas entre as quais se estendia.
O seu corpo engrossara com um rato
ou um pequeno pássaro. Estava fria,
tão entorpecida com a sua barriga cheia
e o ar outonal que nem se
dava ao trabalho de revoltear a língua.
Segurei-a durante muito tempo, pensando
na perfeição dos desenhos
negros no seu dorso, na morte
que a inchava, no seu frio bem vivo.
Agora esse frio permanece
na minha mão, e eu penso nela
deitada debaixo do gelo,
enorme com a morte a nutri-la
durante um longo sono.
(versão minha; original reproduzido em The generation of 2000 - contemporary american poets, prefácio e organização de William Heyer, Ontario Rewiew Press, Nova Iorque, 1984, p 16).
terça-feira, 14 de abril de 2009
Vorea Ujko
Três donzelas
Três donzelas puras,
Três donzelas, três irmãs,
Três vestidos de noiva bordados.
A mais nova disse
O amor há-de chegar,
Há-de chegar com a manhã.
De súbito chegou a morte
E levou-a.
Duas donzelas puras,
Duas donzelas, duas irmãs,
Dois vestidos de noiva bordados.
A segunda disse
Talvez a morte chegue
E só tu restarás.
Em breve chegou o amor
E levou-a.
E agora eu espero sozinha.
Três donzelas puras,
Três donzelas, três irmãs,
Três vestidos de noiva bordados.
A mais nova disse
O amor há-de chegar,
Há-de chegar com a manhã.
De súbito chegou a morte
E levou-a.
Duas donzelas puras,
Duas donzelas, duas irmãs,
Dois vestidos de noiva bordados.
A segunda disse
Talvez a morte chegue
E só tu restarás.
Em breve chegou o amor
E levou-a.
E agora eu espero sozinha.
(versão minha, a partir da tradução inglesa de Robert Elsie, reproduzida em An Elusive Eagle Soars - anthology of modern albanian poetry, organizaçõa, tradução e introdução de R. Elsie, Forest/Book, Londdres, 1993, p. 61).
sábado, 11 de abril de 2009
Nan Cohen
Uma menina recém-nascida na Páscoa Judaica
Considera um alperce numa cesta cheia deles.
É muito parecido com todos os outros alperces -
um exemplar único, feito de pele e semente.
Agora pensa neste dia. Um que provavelmente esquecerás.
O teu próximo fôlego, um longo trago de ar.
Dia sagrado ou não, não importa.
Uma criança nasceu e não sabe que dia é hoje.
Nem pode imaginar a alegria particular do meu coração.
O sabor dos alperces permanece na loja à sua espera.
(versão minha; o original pode ser lido aqui).
Considera um alperce numa cesta cheia deles.
É muito parecido com todos os outros alperces -
um exemplar único, feito de pele e semente.
Agora pensa neste dia. Um que provavelmente esquecerás.
O teu próximo fôlego, um longo trago de ar.
Dia sagrado ou não, não importa.
Uma criança nasceu e não sabe que dia é hoje.
Nem pode imaginar a alegria particular do meu coração.
O sabor dos alperces permanece na loja à sua espera.
(versão minha; o original pode ser lido aqui).
quinta-feira, 9 de abril de 2009
Martin Camaj
A um poeta moderno
O teu caminho é bom:
As Parcas têm os rostos mais repugnantes
Dos mitos clássicos. Não escreves sobre eles,
Mas sobre lajes e testas humanas
Cobertas de vincos, sobre o amor.
Os teus versos não são para serem lidos em silêncio
Nem ao microfone
Como os de outros poetas,
O coração
Ainda que debaixo de sete camadas de pele
É gelo,
Gelo
Ainda que debaixo de sete camadas de pele.
O teu caminho é bom:
As Parcas têm os rostos mais repugnantes
Dos mitos clássicos. Não escreves sobre eles,
Mas sobre lajes e testas humanas
Cobertas de vincos, sobre o amor.
Os teus versos não são para serem lidos em silêncio
Nem ao microfone
Como os de outros poetas,
O coração
Ainda que debaixo de sete camadas de pele
É gelo,
Gelo
Ainda que debaixo de sete camadas de pele.
(versão minha, a partir da tradução para inglês de Robert Elsie, reproduzida em An Elusive Eagle Soars - anthology of modern albanian poetry, organização, tradução e introdução de R. Elsie, Forest Book/Unesco, Londres, 1993, p. 33).
terça-feira, 7 de abril de 2009
Paul Muldoon
Conhecer os britânicos
Conhecemos os britânicos no fim do inverno.
O céu era cor de alfazema
e a neve alfazema-azul.
Eu podia ouvir, muito lá em baixo,
o ruído de duas correntes unindo-se
(ambas outrora geladas)
e, não menos estranho,
ouvir-me a gritar em francês
para lá da clareira
da floresta. Nem o general Jeffrey Amherst
nem o coronel Henry Bouquet
tinham estômago para o nosso tabaco de salgueiro.
Quanto ao desacostumado
perfume quando o coronel sacudiu o seu lenço
de bolso: C'est la lavande,
une fleur mauve comme le ciel.
Deram-nos seis anzóis
e duas mantas bordadas com varíola.
Conhecemos os britânicos no fim do inverno.
O céu era cor de alfazema
e a neve alfazema-azul.
Eu podia ouvir, muito lá em baixo,
o ruído de duas correntes unindo-se
(ambas outrora geladas)
e, não menos estranho,
ouvir-me a gritar em francês
para lá da clareira
da floresta. Nem o general Jeffrey Amherst
nem o coronel Henry Bouquet
tinham estômago para o nosso tabaco de salgueiro.
Quanto ao desacostumado
perfume quando o coronel sacudiu o seu lenço
de bolso: C'est la lavande,
une fleur mauve comme le ciel.
Deram-nos seis anzóis
e duas mantas bordadas com varíola.
(versão minha, a partir do original e da tradução para espanhol de Dámaso Lopez Garcia, reproduzidos em Indecisiones, introdução, tradução e notas de D. López Garcia, Visor, Madrid, 2004, pp. 50-51).
segunda-feira, 6 de abril de 2009
Anna Swir
Vamos atirar directamente ao coração
Nós vamos matar o nosso amor.
Vamos estrangulá-lo
como se estrangula um bebé.
Vamos pontapeá-lo
como se pontapeia um cão fiel.
Vamos arrancar
as suas asas vivas
como se faz
com um pássaro.
Vamos disparar sobre o seu coração
como disparamos
sobre nós.
Nós vamos matar o nosso amor.
Vamos estrangulá-lo
como se estrangula um bebé.
Vamos pontapeá-lo
como se pontapeia um cão fiel.
Vamos arrancar
as suas asas vivas
como se faz
com um pássaro.
Vamos disparar sobre o seu coração
como disparamos
sobre nós.
(versão minha, a partir da tradução do polaco para o inglês de Czeslaw Milosz e Leonard Nathan, reproduzida em The poetry of survival, introdução e organização de Daniel Weissbort, Peguin, Londres, 1993, pp. 69-70).
sábado, 4 de abril de 2009
Anna Swir
Uma conversa nocturna muito triste
"Devias ter muitos amantes."
"Eu sei, querido."
"Eu tive muitas mulheres."
"Eu tive homens, querido."
"Estou acabado."
"Sim, querido."
"Não confies em mim."
"Não confio, querido."
"Tenho medo da morte."
"Eu também, querido."
"Não me vais deixar."
"Não, querido."
"Estou só."
"Também eu, querido."
"Abraça-me."
"Boa noite, querido."
"Devias ter muitos amantes."
"Eu sei, querido."
"Eu tive muitas mulheres."
"Eu tive homens, querido."
"Estou acabado."
"Sim, querido."
"Não confies em mim."
"Não confio, querido."
"Tenho medo da morte."
"Eu também, querido."
"Não me vais deixar."
"Não, querido."
"Estou só."
"Também eu, querido."
"Abraça-me."
"Boa noite, querido."
(versão minha, a partir da tradução do polaco para o inglês de Czeslaw Milosz e Leonard Nathan, reproduzida em The poetry of survival, introdução e organização de Daniel Weissbort, Peguin, Londres, 2ª edição, 1993, p. 69).
sexta-feira, 3 de abril de 2009
Gerald Fleming
Longo casamento
Estás preocupado, por isso acorda-la
e falas para o escuro:
Pensas que tenho um cancro, dizes,
ou Havia vermes
naquela carne, ou Achas
que o nosso filho está bem, e é
realmente maravilhoso - quase
sagrado o modo como sentes
a carga da tua preocupação passar
miraculosamente de ti para ela -
Ui, o som da chuva é tão belo,
dizes - Vou voltar a adormecer.
(versão minha; o original pode ser lido aqui).
Estás preocupado, por isso acorda-la
e falas para o escuro:
Pensas que tenho um cancro, dizes,
ou Havia vermes
naquela carne, ou Achas
que o nosso filho está bem, e é
realmente maravilhoso - quase
sagrado o modo como sentes
a carga da tua preocupação passar
miraculosamente de ti para ela -
Ui, o som da chuva é tão belo,
dizes - Vou voltar a adormecer.
(versão minha; o original pode ser lido aqui).
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