segunda-feira, 27 de maio de 2019

Juan Manuel Bonet

Janelas sobre o Vltava



O vento arrasta o céu. A chuva
molha. Ao longe bate uma persiana esquecida.
O rádio dá notícias sobre as cinzas
da Europa. A água ferve sobre o fogo.
A rosa desfolha-se. O limpa-chaminés
não veio. Tenho de comprar um disco
de blues. Escreveram-me uma carta
anunciando-me que morreu, ultramarino,
Vicente Huidobro. Os meus antigos amigos
ameaçam expulsar-me desta casa fria. Oxalá
possa escrever alguns versos menos maus, que digam
todo o horror e toda a doçura
de viver nesta cidade, neste tempo
de suspeitas, de mentiras,
de forcas levantadas por aqueles
que quisemos ver no Castelo.
Oxalá um dia se editem,
nesta cidade, estes versos, e se tornem
incompreensíveis.


[por volta de 1949]



(Versão minha; original reproduzido em Via Labirinto - Poesía (1978-2015), La Veleta, Granada, 2015, p. 130).

sexta-feira, 17 de maio de 2019

Ron Padgett

Estruturas sintácticas



Foi como se
enquanto conduzia por uma estrada poeirenta de uma só faixa
com altos pinheiros dos dois lados
a paisagem tivesse uma sintaxe
idêntica à da nossa língua
e à medida que me movia
uma longa frase estivesse a ser dita
do lado direito e outra do lado esquerdo
então pensei
Talvez a paisagem
possa compreender também aquilo que eu digo.
Mais à frente havia uma casa numa quinta
com crianças a brincar à beira da estrada
pelo que abrandei
e acenei-lhes.
Elas eram ainda suficientemente pequenas
para sorrirem e devolverem o aceno.



(Versão minha; original reproduzido em Alone and not alone, Coffee House Press, Minneapolis, 2015, p. 64).