terça-feira, 29 de abril de 2008

Adam Zagajewski

Espelho auto-reflector



No retrovisor vi subitamente
a mole imensa da Catedral de Beauvais;
grandes coisas habitando nas pequenas
por um instante.



(versão minha, a partir da tradução inglesa do polaco de Czeslaw Milosz e Robert Hass, reproduzida em A book of luminous things, organização e introdução de Czeslaw Milosz, Harcourt Brace & Company, San Diego, p. 128.)

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Miller Williams

Animais



Penso na morte dos animais domésticos
como um marco no mar de mudanças das nossas vidas.
Penso como as coisas eram, quando as coisas eram diferentes.
Havia então um animal, um cão ou um gato,
não o que há agora, mas outro.
Penso como as coisas eram diferentes antes disso.
Havia outro então. E tu quase esqueceste.



(versão minha; original reproduzido em Being Alive, organização e introdução de Neil Astley, Bloodaxe, Northumberland, 3ª edição, 2007, p. 175).

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Robert Creeley

Assim o dizem



Debaixo da árvore sobre um pouco
de erva fofa sentei-me,

vi dois picapaus
felizes serem per-

turbados pela minha presença. E
porque não, pensei

para mim, por
que não.



(versão minha; original reproduzido em A book of luminous things, antologia organizada por e com uma introdução de Czeslaw Milosz, Harcourt Brace & Company, San Diego, 1998, p. 18).

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Anna Swir

Recital de poesia



Enrosco-me em espiral
como um cão
que tem frio.

Quem me vai dizer
porque nasci,
a razão desta monstruosidade
chamada vida.

O telefone toca. Tenho de dar
um recital de poesia.

Entro.
Uma centena de pessoas, uma centena de pares de olhos.
Olham, esperam.
Eu sei porquê.

É suposto dizer-lhes
porque nasceram,
porque existe
esta monstruosidade chamada vida.



(versão minha, a partir da tradução inglesa do polaco de Czeslaw Milosz e Leonard Nathan, in A book of luminous things, organizado por e com uma introdução de Czeslaw Milosz, Harcourt Brace & Company, San Diego, 1988, p. 259).

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Anna Swir

O mar e o homem



Não subjugarás este mar
pela humildade ou pela exaltação.
Mas podes rir-te
na sua cara.

O riso
foi inventado pelos que
têm uma vida breve
como a explosão de uma gargalhada.

O mar eterno
nunca aprenderá a rir.



(versão minha, a partir da tradução inglesa do polaco de Czeslaw Milosz e Leonard Nathan, in A book of luminous things, organização e introdução de Czeslaw Milosz, Harcourt Brace & Company, San Diego, 1998, p.47).

domingo, 13 de abril de 2008

Laura Riding

O universo e eu



Não é exactamente isto que quero dizer
Não mais que sol é o sol.
Porém como dizê-lo mais rigorosamente,
Se o sol brilha, se não aproximadamente.
Que universo de inépcias!
Que instrumentos inimigos do sentido!
Talvez isto se aproxime de um significado
Ou talvez se transforme em acto de conhecimento.
Então penso que o universo e eu
Temos que viver juntos como estranhos e morrer -
Um amor azedo, cada qual duvidando
Se houve no outro algo para amar.
Não, é melhor para ambos estarmos seguros
Um do outro - exactamente onde
Exactamente eu e exactamente o universo
Falhamos em conhecermo-nos por um momento, por um verso.



(versão minha; original reproduzido in The great modern poets, Edited by Michael Schmidt, Quercus, London, s/d., p. 102).

terça-feira, 8 de abril de 2008

Li-Young Lee

Peço à minha mãe que cante



Ela começa, e a minha avó acompanha-a.
Mãe e filha cantam como jovens raparigas.
Se fosse vivo, o meu pai tocaria
o seu acordeão e balançaria como um barco.

Nunca estive em Pequim, ou no Palácio de Verão,
nem fiquei no grande Barco de Pedra a ver
a chuva a principiar sobre o Lago Kuen Ming, os veraneantes
a fugir pela relva fora.

Mas adoro ouvir tudo isto cantado;
como os nenúfares se enchem de chuva até
transbordarem, derramando água na água,
e voltam ao mesmo, e enchem-se com mais.

As duas mulheres começam a chorar.
Mas nem isto interrompe a sua canção.



(versão minha; original reproduzido in Edward Hirsch, Poet's choice, Harcourt, Orlando, 2007, pp. 241-242).

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Roger McGough

Fama



O melhor
de ser famoso

é quando desces
a rua

e as pessoas se viram
para te olhar

e vão contra as coisas.



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Blues em tempo de guerra



O sexo é racionado
e o cão roeu
todos os cupões.



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Sobrevivente



Todos os dias
penso na morte.
Na doença, na fome,
violência, terrorismo, guerra,
no fim do mundo.

Isto ajuda-me a manter a cabeça fria.



(versões minhas; poemas incluídos em The State of Poetry, Peguin, London, 2005).