5 POEMAS
Borboleta-monarca
Entrou no pátio como quem cai num poço.
As suas asas bateram nas janelas
que entrincheiravam outras vidas.
Aqueles que faziam amor,
cozinhavam, dormiam, discutiam
ou amamentavam os filhos
não deram por ela.
Não conseguiu ascender, voava em círculos,
perdida e longe da sua rota,
longe dos seus pares, sem saber
que o grupo garante a sobrevivência.
No fim pôde escapar para o céu aberto,
talvez para morrer num ramo
no parque mais próximo.
***
O homem que caminha
O homem que vejo agora a andar pelo passeio
é o homem que não sei se vai ou vem.
Se chegará aqui,
se vem para partir ou talvez para ficar,
se é que vem.
Caminha de perfil, como um egípcio,
e por isso não identifico o sentido dos seus passos.
Para mim ou para longe.
Para mim ou para nunca.
Eu poderia esperar
ou descer à rua e pôr-me à sua frente.
Mas, feitas as contas, para quê
se nunca suportei os indecisos.
Fechei a minha porta dando duas voltas à chave.
***
Canto das espigas
Não cantam, isso são fantasias
dos que nunca trabalharam no campo.
São mentiras piedosas revestidas com um verniz piegas
que os artistas ou os parolos inventam,
se é que eles não são os mesmos.
Suponho que aquilo que as espigas fazem
são cortes nas mãos,
mas das feridas que sangram não se fala.
***
As boas intenções
Esta manhã saí de casa
com várias intenções, todas muito firmes:
a de devorar o mundo,
a de me tornar invulnerável
ou invisível,
de acordo com as circunstâncias,
a de negar tudo o que quero negar,
a de me afirmar.
E mais uma ainda, acima das outras,
acima de todas:
procurar-te e dizer-te que te amo.
Mas não te encontrei.
***
Lisboa
Sardinhas e azulejos,
eléctricos amarelos, calçadas onduladas
com paralelepípedos escorregadios
e o teu olhar.
Livrarias e fados
e castanhas assadas.
Uma língua mais doce e mais profunda,
e também mais triste,
e a tua língua.
O Tejo, que já é mar
e ferida e janela.
A nossa idade que avança
e a espantosa e estranha juventude
que tornamos presente ao fecharmos a porta.
O nosso amor renovado
e pastéis de nata.
(Versões minhas; fonte: Azul el agua; La Bella Varsovia, 2ª edição, Barcelona, 2022).
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