A morte de Manolete (1) nas folhas de um diário,
enquanto eu te esperava em Benimaclet.
Ou as execuções num pátio de Nuremberga
enquanto te via passar pela Rua das Barcas.
Um amor num tempo, que tempo!, oh que amor!
Um amor inscrito para sempre na história.
O "Mosteiro de Santa Clara" levantava-se no ar.
O Tyris (2) cheio de gente, o cheiro das gentes.
Os casais saíam, traziam as faces vermelhas.
As mães não sabiam o que fazer para o jantar.
Os pais ouviam rádios estrangeiras.
E todos pensavam que era coisa de quatro dias.
Ou, o mais tardar, de quatro semanas, quem sabe.
Os filhos faziam amor no vão das escadas.
O pai conversava com a mãe na cozinha.
A mãe envelhecia sobre grandes panelas absurdas,
branqueavam os cabelos sobre o osso da fronte.
Coisa de quatro dias ou de quatro semanas.
E passavam os dias, as semanas, os anos.
E a marcha de Mao pelo continente chinês.
Depois veio a Coreia. Depois veio o Vietname.
O pai morreu, morreu a mãe.
A filha casou-se com outro, anos depois.
Por vezes encontra-se com aquele primeiro amor.
Coisa de quatro dias ou de quatro semanas.
Como se entre eles não tivesse havido intimidade
no vão das escadas, falam dos filhos.
"O meu vai para o Liceu", "A minha tem sarampo".
Ganharam uma suja e triste civilidade.
De pé na rua, falam quando se encontram.
E cada um segue depois o seu caminho.
Oh o amor inscrito, que coisa, na história!
(Notas - (1) Toureiro espanhol, considerado por muitos como o maior de todos os tempos, morreu devido a uma cornada na coxa direita, a 29 de agosto de 1947. Franco ordenou três dias de luto nacional em Espanha. (2) Rio Túria (Valência).
(Versão minha a partir da tradução castelhana do autor, reproduzida em Antología; selecção de Jaume Perez Montaner e Vicent Salvador, Madrid, 2ª edição, 2003, pp. 58-59).
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