quinta-feira, 9 de maio de 2013

Vicent Andrès Estellès

Gozo da rua

                                                                            Para Isabel



A pura alegria da rua
encheu-nos as mãos de ternos punhados de água,
e ríamo-nos, ríamo-nos como tolos,
e em todos os nossos músculos estava a água viva do gozo
vinda por entre as ervas e as lebres.
Íamos sem motivo,
desejando boa noite ao velho matrimónio
e oprimindo silenciosamente os nossos corpos ao vermos
aquela jovem mãe
dando mama ao filho...
Viver era para nós uma oferenda,
um pintassilgo de barro com duas penas pintadas de cores vivas,
um cavalgar em corcéis de cartão, verdes e amarelos,
como um carrossel,
acenando uns aos outros, dizendo: "Adeus, adeus, amor! Nunca te esquecerei!"
A vida era para nós uma surpresa,
uma rã viva no bolso,
uma enorme cúpula de cristal,
um silêncio, um desejo súbito, um estupor,
um relógio parado que Alguém nos tinha
dado para que no fim o pudéssemos abrir
como desde pequenos queríamos
e afinal nada havia de interessante lá dentro.
E voltámos a rir!
O tempo estava no ar. E estendemos as mãos
à procura de punhados de tempo. Mas o tempo também não estava ali!
Nada mais era a alegria da rua.
E os gritos
                 - "Golo!" -
dos miúdos que jogavam
futebol assim que saíam da escola...



(Versão minha a partir da tradução castelhana do autor reproduzida em Antología; selecção de Jaume Perez Montaner e Vincent Salvador; Visor, 2ª edição, Madrid, 2003, pp. 35-36):

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