quarta-feira, 30 de julho de 2008

Patrick Phillips

Piano



Tocado pela tua bondade, eu sou como
esse grande piano que encontrámos uma noite em Willoughby
e que alguém estragou e atirou
de qualquer maneira por uma janela aberta.

Podes pensar que com isto estou a dizer que sou uma ruína,
que fui abandonado, ou desamado. A verdade é que não
sei exactamente o que sou, pelo menos não mais
do que os destroços no beco sabem
que são um piano coberto de lixo e folhas amarelas.

Talvez eu seja tudo o que restou daquilo que fui.
Mas, tocando-me, eu sei, tu és a brisa
suave passando por entre as cordas enferrujadas.

Que nome vais dar a esse sentimento quando a madeira,
mesmo se a harpa foi quebrada, começa a cantar?



(versão minha; original aqui).

terça-feira, 29 de julho de 2008

Connie Bensley

Apologia



A minha vida é demasiado insípida e demasiado cautelosa -
até eu consigo ver isso:
a mesinha-de-cabeceira bem arrumada,
o gato estragado com mimo.

Sem dúvida que deveria ter sido mais ousada.
Que dirão de mim os biógrafos?
Levantou-se, comeu uma torrada e foi às compras
dia após dia?

O whisky e o gin são assustadores,
o ecstasy leva-nos à desgraça.
Os jovens amantes provocam estragos nas finanças
e na nossa metade da cama.

Emily Dickinson, ajuda-me.
Stevie, tira os olhos da tua Tia.
Há gente que aguenta a excitação,
há gente que não.



(versão minha; original reproduzido em Staying alive, organização de Neil Astley, Bloodaxe, Northumberland, 8ª impressão, 2006, p. 112).

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Bill Knott

(Sem título)



o passado e o futuro
são os meus pais
a encontrarem-se pela primeira vez
no momento em que eu morro



****



(Sem título)



agora que morri
o meu passado tornou-se tão infinito
como o meu futuro costumava ser



****



Interruptus



Espera. O que és.
Sou um poeta. Redijo o conteúdo de notas suicidárias. Tais como:
Amo-te.
Está bem. Continua.



(versões minhas; originais algures aqui).

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Bill Knott

Fragmento



Porque há no mundo em todos os momentos
Algures pelo menos um casal a fazer amor,
Porque os dois estão sempre unidos de uma forma tão apertada
Que o ódio não consegue nunca passar por entre eles
Para nos vir destruir.



(versão minha; original, algures aqui).

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Dennis O'Driscoll

Experiências com animais
(depois de Miroslav Holub)



É muito mais simples quando chovem coelhos
em vez de gatos ou cães. Os animais a experimentar
não devem denunciar demasiada inteligência.
É enervante ver as suas acções a mimetizarem as tuas;
o terror e o horror com os quais te podes identificar.

Mas, para uma verdadeira dor de alma, atenta num porco
recém-nascido.
Fantasticamente feio; sem possuir nada
e sem desejar nada a não ser goles de leite;
as pernas arqueando-se debaixo de todo aquele peso
de inutilidade, estupidez e focinho.

Quando tenho de matar um leitão hesito por um instante.
Por cinco ou seis segundos.
Em nome de toda a beleza do mundo.
Em nome de toda a tristeza do mundo.
"O qu' é que t' está a demorar?", alguém interrompe então.

Ou interrompo-me eu a mim próprio.



(versão minha; original reproduzido em Staying alive, organização de Neil Astley, Bloodaxe, Northumberland, 2006, 8ª impressão, pp. 218-219).

terça-feira, 15 de julho de 2008

Miroslav Holub

Experiências com animais



É mais fácil com coelhos do que com cães ou gatos. O
animal da experiência não deve ser demasiado inteligente. É
desconfortável quando as suas acções lembram as dos humanos,
é desconfortável quando conseguimos compreender o seu terror
e a sua tristeza.

Mas a coisa mais triste é trabalhar com porcos recém-nascidos.
São feios.

Não possuem nem desejam mais nada senão a sua fonte de leite.

As suas pernas ásperas e desastradas resvalam debaixo deles,
os seus focinhos e cascos minúsculos são extraordinariamente
inúteis.

São feios e estúpidos.

Quando tenho de matar um leitão paro sempre por um instante.
Mais ou menos cinco ou seis segundos.

Mais ou menos cinco ou seis segundos em nome de toda a beleza
e tristeza do mundo.

- Acaba lá com isso, - alguém diz então.

Ou então sou eu que o digo a mim próprio.




(versão minha a partir da tradução do checo para o inglês de Daniel Simko, reproduzida em Contemporary east european poetry, organização de Emery George, Oxford University Press, Oxford, 1993, 2ª edição, aumentada, pp. 219-220).

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Christopher Logue

Não sejas demasiado duro



Não sejas demasiado duro pois a vida é curta
E nada é dado ao homem;
Não sejas demasiado duro quando ele se vende ou compra
Pois tem de arranjar-se o melhor que pode;
Não sejas demasiado duro quando ele morre feliz
Defendendo coisas que não lhe pertencem;
Não sejas demasiado duro quando ele mente
E se o coração é em certas ocasiões como uma pedra
Não sejas demasiado duro - pois vai morrer em breve,
Quantas vezes menos sábio do que quando começou.
Não sejas demasiado duro pois a vida é curta
E nada foi dado ao homem.



(versão minha; original reproduzido em Staying alive, organização de Neil Astley, Bloodaxe, Northumberland, 2006, 8ª impressão, p. 98).

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Reiner Kunze

Hino a uma mulher sob interrogatório



Mau (disse ela) foi
o momento de
despir-se

Depois
exposta aos seus olhares fixos ela
descobriu tudo

sobre eles



(versão minha a partir da tradução do alemão para inglês de Ewald Osers, em Contemporary east european poetry, organização de Emery George, Oxford University Press, Oxford, 2ª edição, aumentada, 1993, pp. 182-183).

terça-feira, 8 de julho de 2008

Reiner Kunze

Quase um poema primaveril



Pássaros, postilhões, quando
começares a cantar a carta
com o carimbo azul chegará, com selos
a desfazerem-se em flores com palavras
a serem lidas:

Nada
dura
para sempre



(versão minha a partir da tradução do alemão para inglês de Ewald Osers reproduzida em Contemporary east european poetry, organização de Emery George, Oxford University Press, Oxford, 1993, 2ª edição, aumentada, p. 183).

domingo, 6 de julho de 2008

Reiner Kunze

Resposta



O meu pai, tu dizes,
o meu pai no fundo da mina
tem feridas nas costas,
cicatrizes,
rasgões de pedregulhos caídos,
enquanto eu, sim eu,
canto o amor.

Eu digo:
sim, é por isso mesmo.



(versão minha, a partir da tradução do alemão para inglês de Ewald Osers, reproduzida em Contemporary east european poetry, organização de Emery George, Oxford University Press, Oxford, 2ª edição, aumentada, 1993, p. 182).

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Ángel González

Morte no esquecimento



Sei que existo
porque tu me imaginas.
Sou alto porque tu me vês
alto, e limpo porque tu me olhas
com olhos bons,
com o olhar limpo.
O teu pensamento faz-me
inteligente, e na tua simples
ternura eu sou também simples
e bondoso.
Mas se tu me esqueces
cairei morto sem que nada
o evite. Verão viva
a minha carne, mas será outro homem
- obscuro, torpe, mau - aquele que a habita.



(versão minha).