quinta-feira, 25 de junho de 2009

Belén Reyes

Sou poeta



Sou poeta
E nunca levo escolta.



(versão minha; original reproduzido em 23 Pandoras - poesía alternativa española, selecção e prólogo de Vicente Muñoz Álvarez, Ediciones Baile del Sol, 2ª edição, Tenerife, p.249).

domingo, 21 de junho de 2009

José Manuel Arango

Os que têm por ofício lavar as ruas



Os que têm por ofício lavar as ruas
(madrugam, Deus ajuda-os)
encontram nas pedras, um dia após outro, rastos de sangue

E também os lavam: é o seu ofício
E depressa
não se dê o caso de os primeiros transeuntes os espezinharem



(versão minha; original reproduzido em La poesia del siglo XX em Colombia, edição de Ramón Cote Baraibar, Visor, Madrid, 2006, p. 276).

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Miroslav Holub

Cemitério judeu em Olsany, túmulo de Kafka, Abril, tempo solarengo



Ocultas sob os carvalhos
algumas pedras abandonadas
como palavras dispersas.
A solidão é tão compacta
que tem de ser feita de pedra.

O homem velho ao portão,
um Gregor Samsa
que não sofreu nenhuma metamorfose,
olha de esguelha
sob a nudez da luz,
respondendo a todas as perguntas:

Desculpe, mas não sei.
Não sou de Praga.



(versão minha, a partir da tradução do checo para o inglês de David Young e Dana Hábová reproduzida em The poetry of survival, introdução e organização de Daniel Weissbort, Peguin, Londres, 2ª edição (?), p. 184)

terça-feira, 16 de junho de 2009

Leopold Staff

Fala



Não é necessário compreender o canto do rouxinol
Para o admirar.
Não é necessário compreender o coaxar das rãs
Para o considerar inebriante.
Eu compreendo a fala humana
Com todas as suas duplicidades e mentiras.
Se não a compreendesse
Seria o maior dos poetas.



(versão minha, a partir da tradução inglesa de Adam Czerniawski reproduzida em The poetry of survival, introdução e organização de Daniel Weissbort, Peguin, Londres, 2ª (?) edição, 1993, p. 62).

domingo, 14 de junho de 2009

Brenda Ascoz

se sentes que não existes



se sentes que não existes,
que se extingue a tua voz quando é escutada,
que o teu corpo se apaga se ninguém o toca

se tu não existes,
a tua solidão muito menos.



(versão minha; original reproduzido em 23 Pandoras - Poesía alternativa española, selecção e prólogo de Vicente Muñoz Álvarez, Ediciones Baile del Sol, 2ª edição, Tenerife, 2009, p. 131).

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Roxana Popelka

Acerca da verdade, acerca da felicidade



Agora que
não estou contigo,
que não estarei
contigo nunca
mais,
é bom que
te diga várias coisas:

enganei-te
um montão de vezes
com alguns homens
muito mais jovens
do que tu
porque sabia que
isso era o que mais
te doía
e voltaria a fazê-lo
acredita
- asseguro-to -

que foram
os momentos
mais felizes da
minha vida.

Quando esses homens
me abriam a
porta e me
faziam entrar
nas suas casas.
E nos despíamos
com impaciência.

Então tirava
a camisola preta,
aquela, sim!
e o sutiã.

Alguns diziam-me:
"espera, fica um
instante com as cuecas
vestidas."

E beijávamo-nos
com paixão,
era autêntica a
paixão.

Lá fora
no pátio da
casa
ouvia-se uma mulher
a mexer os ovos perto do
televisor.

E voltávamos a beijar-nos
com ardor
esmagando
o que restava
dos nossos corpos
Alguns corpos
ossudos, outros
debilitados,
ou barbeados
tanto se me dava.

E entretanto
eu pensava tanto em como te
sentirias se tivesses
sabido
tudo isto.

Mas sempre
tive bons
álibis,
ainda te lembras?

Nunca suspeitaste
que tudo
aquilo era
mentira,
que o que fazia
verdadeiramente
era enganar-te com
homens muito
mais jovens
do que tu.

E essa
- asseguro-te -
foi a época
mais feliz da
minha vida.





(versão minha; original reproduzido em 23 Pandoras - Poesía alternativa española, selecção e prólogo de Vicente Muñoz Álvarez, Ediciones Baile del Sol, 2ª edição, Tenerife, 2009, pp. 210-213).

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Carol Ann Duffy

Namorada



Não uma rosa vermelha ou um coração de cetim.

Ofereço-te uma cebola.
É uma lua embrulhada em papel castanho.
Promete luz
tal como o cuidadoso desnudamento do amor.

Aqui.
Vai cegar-te com lágrimas
tal como um amante.
Vai fazer do teu reflexo
uma fotografia tremida de dor.

Tento ser verdadeira.

Não uma carta engraçada ou uma quantidade de beijos.

Ofereço-te uma cebola.
Os seus beijos violentos permanecerão nos teus lábios,
possessivos e fiéis
como nós somos,
enquanto continuarmos a ser.

Aceita-a.
Se o desejares
os seus anéis de platina servem de alianças.

Letais.
O seu cheiro vai agarrar-se aos teus dedos,
agarrar-se à tua faca.



(versão minha; original reproduzido em Selected poems, Peguin, Londres, 2006, p. 11).

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Almudena Vidorreta Torres

Outro lugar



Noutro lugar deixou-se ficar nua
e deu o seu corpo ao lobo mais faminto da cidade.

Noutro lugar abriu a casa ao inimigo
e disse-lhe toma tudo quanto queiras.

Noutro lugar dançou com tanta água
que se lhe humedeceram as entranhas
e apodreceu por dentro.

Noutro lugar veio tanta gente vê-la
que o aplauso se transformou em tempestade de Verão
e a cabeça estalou-lhe de tanta névoa e tantos caracóis
e tanto Agosto e tanto fogo.

Noutro lugar rendeu-se
deixou-se levar pelo instinto noutro lugar
e deitou-se para sobreviver aos seus pés
e lamber as feridas do caminho...
e viveu noutro lugar a vida de rastos.

Noutro lugar,
não neste.



(versão minha; original reproduzido em 23 Pandoras - Poesía alternativa española, selecção e prólogo de Vicente Muñoz Álvarez, Ediciones Baile del Sol, 2ª edição, Tenerife, 2009, p. 21.)

sábado, 6 de junho de 2009

Kevin Griffith

Girando



Seguro o meu filho de dois anos
por debaixo dos braços e faço-o girar.
Os seus pés afastam-se de mim
e o dia desfaz-se numa mancha.
Tudo o que possuo voa pelos ares:
brinquedos de quintal, balde de areia, pá e ancinho,
garagem, casa,
e, por fim, os anos da minha vida.

Quando paramos, o meu filho é um adulto
e eu envelheci. Voltamos
a vacilar nos braços um do outro
uma última vez, dois amigos extraviados
cambaleando por causa da bebida,
recordando os bons velhos tempos.



(versão minha; original reproduzido aqui).

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Wendy Cope

Poema composto em Santa Bárbara



Os poetas falam. Falam muito.
Falam de T.S. Eliot.
Um é contra. Outro a favor.
Que pensamentos profundos, os seus! Quanta sabedoria!
São felizes. Uma cigarra canta.
Nós, mulheres, falamos de outras coisas.



(versão minha; original reproduzido aqui).

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Kevin Griffith

Dobrando os quarenta



De tempos a tempos parece que há um pequeno planeta
dentro de mim. E neste planeta
há uma imensidade de pequenas guerras, porém nenhuma
suficientemente grande para fazer uma verdadeira diferença.
As maiores potências - o espírito e o coração - declararam
tréguas por agora. Se houve um líder neste planeta
ninguém se lembra dele. Todas
as decisões são tomadas em conjunto.
No entanto há algumas imagens do velho ditador -
como parecia cheio de juventude no seu grande cavalo,
como brilhavam os seus olhos.
Estava preparado para conquistar o mundo.



(versão minha; original reproduzido aqui).

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Carmen Ruiz Fleta

A mulher mais feia do mundo



A mulher mais feia do mundo
falava-me dos tratamentos faciais gratuitos
enquanto punha na minha mão um folheto
com a mulher mais bela do mundo.
Foi às 10 horas da manhã.
A mulher mais feia do mundo
deve entregar 500 folhetos diários
da mulher mais bela do mundo
para ganhar 587 euros por mês.
Ninguém olha a cara da mulher mais feia do mundo.
Ninguém se atreve.



(versão minha; original reproduzido em 23 Pandoras - poesía alternativa española, selecção e prólogo de Vicente Muñoz Álvarez, Ediciones Baile del Sol, 2ª edição, Tenerife, 2009, p. 87).