sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Nizar Qabbani

Eu não sou professor



Eu não sou professor
Para te ensinar a amar,
Também os peixes não precisam de um professor
Que os ensine a nadar
E os pássaros de um professor
Que os ensine a voar.
Nada pelos teus próprios meios.
Voa pelos teus próprios meios.
O amor não tem manuais
E os maiores amantes da história
Não sabiam ler.



(versão minha a partir da tradução de A. Z. Foreman publicada aqui e da tradução de Bassam K. Frangieh e Clementina R. Brown reproduzida em Nizar Kabbani, Arabian Love Poems, A Three Continents Book, Lynne Rienner Publishers, London, 1998, p. 99).

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Ruth Buchman

Narrativa



Começa num pequeno quarto.
O vestido de cerimónia que a mãe dela lhe comprou, o seu cabelo
cuidadosamente penteado, as mãos rídiculas dele.

Despidos, a súbita distância dos seus corpos.
Ela podia fechar os olhos, vê-lo de novo
com aquelas calças, a camisa nova e direita,
como os lábios dele lhe pareceram húmidos antes de a beijar.

Pelo menos ele não é pesado.

Depois, não vão esquecer o estranho impulso
que os empurrou um para o outro. Nem como, quando os seus corpos se uniram, cada
um se encontrou sozinho na surpresa, desconhecendo-se.

Se pudessem dormir, teria havido o acordar, o toque
de um olhar entre os dois. Mas ela desejava um duche,
e ele gostava de ter aprendido a fumar, gostava de ter aprendido
mil coisas para se reconciliar com ela, e consigo próprio.

Passarão anos antes que ele descubra
uma doce recordação do corpo dela
vestido pelos lençóis, um braço sobre o cobertor,
à espera. Ela lembrará o seu riso excêntrico, o modo
como ele se cobriu a si mesmo com as mãos, cheio de vergonha.



(Versão minha; original reproduzido em Poetry from "Sojourner" - a feminist anthology, organização de Ruth Lepson e Lynne Yamaguchi, introdução de Mary Loeffelhoz, University of Illinois, Urbana e Chicago, 2004, p. 27).

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Ana Pérez Cañamares

A trincheira



O mal da trincheira
não é a sua húmida estreiteza.
O barro e o sangue abrigam
somos muitos aqui
e as fotos que nos enviaram de casa
nunca se desgastam.

Há sempre tempo para uma partida de cartas.
Para o momento íntimo e brincalhão
de tirarmos piolhos uns aos outros.
Alguém que dança ao ritmo
de batuques distantes com pedaços de madeira
nas metralhadoras
ou um bom imitador de generais
que nos faz rir.

O mal da trincheira
é que não sabemos quando
seremos obrigados a abandoná-la.



(versão minha; original reproduzido em Resaca - Hank Over: un homenaje a Charles Bukowsi, organização de Paxti Irurzun e Vicente Muñoz Álvarez, Caballo de Troya, Madrid, 2008, pp. 180-181).

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Pablo G. Bao

não são cães, são flores



chove

espreito pela janela
e vejo
esse cão da rua
que atravessa o passeio
debaixo de uma chuva forte

eu estou debaixo do meu tecto
em lugar seguro
e parece-me bem

e parece-me bem
que esse cão da rua
trema debaixo da chuva
como uma flor do asfalto.



(original reproduzido em Resaca - Hank Over: un homenaje a Charles Bukowski, organização de Patxi Irurzun e Vicente Muñoz Álvarez, Caballo de Troya, Madrid, 2008, p. 171).

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Karmelo C. Iribarren

A alba


Para Pablo G. Bao



Aquele lugar inóspito
fantasmático
frio
onde nunca
tinhas um cigarro
e os táxis
iam sempre
na direcção contrária.



(Versão minha; original reproduzido em Resaca - Hank Over: un homenaje a Charles Bukowski, organização de Patxi Irurzun e Vicente Muñoz Álvarez, Caballo de Troya, Madrid, 2008, p. 75).

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Kate Rushin

Respondendo à questão: alguma vez pensaste em suicídio



Suicídio?!?!
Chavala, tás doida?
Eu tenho é medo de não viver
o suficiente

Tenho um medo de morte de alturas
Carros na bisga
Doenças esquisitas
Crocodilos
Electricidade
E campónios

Olha agora o aspecto que dava
Eu atirar-me duma cena qualquer
Tenho é montes de coisas p'ra fazer
E não há tempo p'ra nada

Deixa-me dizer-te
Se alguma vez me ouviste
Falar em acabar com a minha fraca figura
Então morde aqui a ver se eu deixo
Senta-te comigo até que esta nóia passe
E se alguma vez me
Encontrarem caído em algum lado
Não deixes que te digam que foi suicídio
Porque não foi

Eu tenho medo de alturas
Camiões a alta velocidade
Crocodilos
Electricidade
Drogas
Campónios
E conservas caseiras de feijão-verde

Com isto tudo
A afligir-me
Que aspecto é que dava
Matar-me





(Versão minha, em colaboração com C.; original reproduzido em Poetry from "Sojourner" - a feminist anthology, organização de Ruth Lepson e Lynne Yamaguchi, introdução de Mary Loeffelhoz, University of Illinois Press, Urbana e Chicago, 2004, pp. 161-162).

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Rade Drainac

A minha fome...



A minha fome é infinita e sempre vazias as minhas mãos.

À noite descendo as ruas da cidade levo a lua nos meus dedos
e abandono a minha tristeza sob as janelas de mulheres infelizes.

Eu daria tudo e no entanto não tenho nada.
A minha fome é infinita e sempre vazias as minhas mãos.



(Versão minha a partir da tradução inglesa de Charles Simic reproduzida em The Horse Has Six Legs - An Anthology of Serbian Poetry, organização e tradução de Charles Simic, Graywolf Press, Saint Paul, 1992, 33).