quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Inger Hagerup

A formiga



Pequena?
Eu?
Nem pensar.
Tenho o tamanho perfeito.
Encho-me completamente a mim mesma
ao comprido e em largura,
de cima a baixo.
Por acaso és tu maior
do que tu mesmo?



(versão minha, a partir da tradução espanhola de Francisco J. Uriz, reproduzida em Afinidades afectivas - antologia de la poesía nórdica, prólogo, selecção e tradução de Francisco J. Uriz, Libros del Innombrable, Saragoça, 2002, p. 93).

domingo, 27 de dezembro de 2009

Gagan Gill

Formigas



As formigas não encontram o seu caminho para casa.

Caminham, traçando linhas entre o nosso sono e os nossos corpos.
A sua farinha invisível continua espalhada na sua memória,
espalhada noutro espaço e tempo. Elas continuam a ir de um fim
da terra a outro em busca dela. Afundam os seus dentes
em todas as coisas vivas e mortas. As tristezas da terra crescem
de modo tão leve com a sua demanda que as direcções
começam a rodopiar em grande confusão. Os
pólos começam a mudar de lugar. Mas ninguém
conhece a tristeza das formigas.

Há muito tempo atrás talvez tenham sido mulheres.




(versão minha a partir da tradução inglesa de Jane Duran e Lucy Rosenstein que pode ser lida aqui).

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Jack Agüeros

Salmo pela paciência



Senhor,
Despacha-te e dá-me paciência!



(versão minha; original reproduzido em Lord, is this a psalm, Hanging Loose Press, Brooklyn Nova Iorque, 2002, p. 43).

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Olav H. Hange

Tu eras o vento



Sou um barco
sem vento.
Tu eras o vento.
Era esse o rumo que eu devia seguir?
A quem importa o rumo
com um vento assim!



(versão minha a partir da tradução espanhola de Francisco J. Uriz, reproduzida em Tres poetas noruegos, tradução e selecção de Francisco J. Uriz, Libros del Innombrable, Saragoça, 2002, p. 86).

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Petko Daveski

As chaves da saída



As chaves da porta secreta da única saída
e as da solução do enigma crucial
que cada esfinge recém-nascida conhece
talvez não estejam no mesmo chaveiro
que as chaves das masmorras da nossa vida,
da obscuridade e da luz da terra.
As chaves da nossa ignorância real são
de facto as chaves perdidas e as chaves que não podem
encontrar de novo os seus cadeados e as suas fechaduras.
Não diria que o mesmo artesão as fez,
parece que pisamos o caminho da dúvida
que cada chave sente junto à porta,
uma caixa de Pandora de posse inalienável:
existe uma gazua que ao mesmo tempo pode abrir
as fechaduras do bem e o cadeado do mal.
A dedicação é infinita, talvez desesperada,
uma busca no interior do bolso à procura de chaves não marcadas;
se não chamas, prepara-te para esperar
que o fechado se abra a seu tempo.
E se não o abres tu mesmo, vais chamar já depois de aberto.
Do que fica dito não deveria deduzir-se:
que se as chaves não existissem não necessitaríamos de portas
nem se poria o problema da saída.



(versão minha a partir da tradução castelhana de Maria Krstevska, reproduzida em 4 poetas macedonios, Norteysur, Benalmádena, 2006, p. 70).

domingo, 13 de dezembro de 2009

Zoran Anchevski

A última ceia



Tomo assento junto à
imagem fracturada do meu dia.
O meu segredo permanece intacto
preparados os meus planos para o crime
digo umas palavras de cortesia sem sentido
porque o silêncio é um abismo espantoso
entre os dois latidos da pulsação
onde nos enredamos na nossa própria armadilha.
Quão difícil é suportar o seu olhar
sobre a minha consciência.
Disperso-me em milhares de sílabas
tartamudeio essas cortesias sem sentido
que se multiplicam em nada
desaparecem...

Ofereço a minha mão.



(versão minha a partir da tradução castelhana de Maria Krstevska reproduzida em 4 poetas macedonios, Norteysur, Benalmádena, 2006, p. 132).

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Petko Daveski

Frutos verdes



Sinto, vejo e escuto
o esforço da fruta verde recolhida,
maçã golden e tomate verde
a amadurecer dentro de si mesmos,
pousados na prateleira.
Sem a ligação, o cordão umbilical
que os alimentou,
sem a luz do dia e do sol
para se vestirem com o cetim do Outono,
com o vermelho de um fogo puro,
com a incadescência das pétalas das flores
e os lábios dos gerânios e a rosa que arde.
Sinto, sem os virar,
sem lhes aplicar qualquer unguento,
como tratam, sozinhos,
só com a ajuda de Alguém,
invisivelmente presente desde o germen da semente,
como tratam de cicatrizar as feridas,
elas mesmas, de outra pessoa
invisível para nós, presente debaixo do céu,
que nos deu uma lição, prova obscura.



(versão minha a partir da tradução castelhana de Maria Krstevska reproduzida em 4 poetas macedonios, Norteysur, Benalmádena, 2006, p. 78).

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Petko Daveski

A sobrevivência das coisas



Entre as coisas
que sobreviveram aos criadores
encontram-se
uma faca e um machado de pedra
e um maço perfurado no cabo.
Objectos criados pelos artesãos
para sobreviverem ao inverno,
usados também para sobreviverem
às vozes ameaçadoras da fome,
ao inóspito e aos adversários.
Objectos que sobreviveram
ao seu uso real,
sem a alma vendida desde o passado
ao seu valor de uso.
Cavando assim profundamente na terra,
cavando cada vez mais fundo também no tempo
até ao manancial da origem turvado
pela gota escarlate de Abel.



(versão minha a partir da tradução para castelhano de Maria Krstevska reproduzida em 4 poetas macedonios, Norteysur, Benalmádena, 2006, p. 68).

sábado, 5 de dezembro de 2009

Petko Daveski

Distâncias



Não só o fervor exagerado
pelas coisas secundárias,
também a própria indiferença, sem exagero,
faz-nos pecaminosos: não respondemos
às nossas verdadeiras obrigações.
E por aqui, entre
o fervor mal dirigido
e o sentimento de vocação verdadeira
dedico-me às MEDIDAS
das distâncias entre as coisas.
Não é apropriado esconder mais:
dói-me que a distância
de homem a homem
seja maior
que a distância do homem ao macaco.



(versão minha, a partir da tradução para castelhano de Maria Krstevska reproduzida em 4 poetas macedónios, Norteysur, Benalmádena, 2006, p. 84).

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Ernst Orvil

O sentido da vida



O sentido da vida, digo inquieto,
por que nos é desconhecido?

Porque uma vida com sentido
parece-nos intolerável.

Sentido da manhã à
noite, da noite à manhã.

Assim uma vida sem sentido,
diz ela, não é uma vida sem sentido.



(versão minha a partir da tradução de Francisco J. Uriz reproduzida em Tres poetas noruegos, tradução e selecção de Francisco J. Uriz, Libros del Innombrable, Saragoça, 2002, p. 164).

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Olav H. Hange

Na hora da verdade



Ano após ano estiveste debruçado sobre os livros,
acumulaste em ti mais conhecimentos
do que os que necessitarias para nove dias.
Na hora da verdade
é preciso muito pouco, e esse muito pouco
conhece-o o coração desde sempre.
No Egipto o deus da sabedoria
tinha cabeça de macaco.



(versão minha, a partir da tradução de Francisco J. Uriz reproduzida em Tres poetas noruegos, tradução e selecção de Francisco J. Uriz, Libros del Innombrable, Saragoça, 2002, p. 125).

domingo, 29 de novembro de 2009

Partaw Naderi

Desolação



Nas linhas das palmas das tuas mãos
foi escrito o destino do sol

Nasce,
ergue a tua mão -

a longa noite está a sufocar-me.



Cabul,
Junho 1994



(versão minha, a partir da tradução inglesa de Sarah Maguire e de Yama Yari que pode ser lida aqui).

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Sam Hamill

O poema de Nova Iorque



Sento-me na escuridão, não exactamente
para meditar, nem para esperar pelo amanhecer
que está mesmo a surgir, às seis e vinte e um,
por detrás das árvores na luz cinzenta de Outubro.
Sento-me, respirando, a mente às voltas no seu turbilhão.

Hayden escreve, "Para que serve a poesia
em tempos como estes?" E eu julgo
entendê-lo quando diz, "Um poeta
não pode simplesmente retirar
qualquer sentido de tamanha carnificina."

Porém, no esmagamento do horror,
eu retorno à poesia, não à prosa,
para que me ajude a chegar a um entendimento -
tanto quanto possível - com as mentiras, os assassínios
e as hipocrisisas sufocantes

desses que hão-de liderar uma nação
ou uma igreja. "Para que serve a poesia?"
No dia doze de Setembro
de dois mil e um da Nossa Era
eu sentei-me e li Rumi e beijei o chão.

E agora que milhões morrem à fome
em nome da guerra santa? Qualquer guerra
é santa. Eis a perpétua e patética história
da qual derivamos
em "bíblicas proporções".

Oiço as passadas de Pilatos vibrando
nas lajes, a voz de Joe McCarthy
a praguejar no senado, a "Fat Boy" explodindo
enquanto o céu inteiro estremece.
Na cidade de Nova Iorque os estrondos

e os colapsos subsequentes
originaram ondas sísmicas. Para começar a falar
dos mortos, dos moribundos... como
pode um poeta falar de "proporção" uma vez mais
que seja? No entanto, como disseram os antigos gregos,

"Caminhamos sobre as faces dos mortos."
O escuro céu outonal torna-se azul.
Sozinhos entre cinzas e ossos e ruínas
Tu Fu e Basho escrevem o poema.
O último traço de raiva cega desvanece-se

e uma tristeza muda instala-se,
como pó, para o longo, muito longo caminho. Mas se
eu não me levantar e cantar,
se não me levantar e dançar de novo,
os bárbaros vencerão.

Beijarei, se necessário, a espada que me rouba a vida.




(versão minha; original reproduzido em The Wisdom Anthology of North American Buddhist Poetry, organização de Andrew Schelling, Wisdom Publications, Boston, 2005, pp. 90-91).

sábado, 21 de novembro de 2009

Olav H. Hange

Sobre os dias da guerra



Uma bala caiu no chão do passeio.
Sopesei-a na mão.
Tinha atravessado a janela e
duas paredes de madeira
Não tive dúvidas de que podia matar.



(versão minha, a partir da tradução espanhola de Francisco J. Uriz reproduzida em Tres poetas noruegos, tradução e selecção de F. J. Uriz, Libros del Innombrable, Saragoça, 2002, p. 20).

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Jack Agüeros

Salmo pelas mulheres



Senhor,
obrigado por teres feito as mulheres.
Obrigado por me teres dado olhos
para as olhar, nariz para as cheirar,
dedos para folhear lentamente as suas páginas,
língua para as saborear,
doces momentos para enlearmos os nossos pêlos encaracolados.

Obrigado por as teres feito
como o melhor dos géneros,
por as teres dotado com uma inteligência
que eu nunca compreendi.

E, Senhor, escuta,
pessoalmente eu não acredito no pecado,
mas por favor perdoa-me
se alguma vez fiz mal a uma mulher.



(versão minha; original reproduzido em Lord, is this a psalm?, Hanging Loose Press, Brooklyn - Nova Iorque, 2002, p. 36).

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Rolf Jacobsen

Candeeiro público



Que glacialmente só na noite está o meu candeeiro público.
As pedritas da rua descansam as pequenas cabeças em seu redor
ali onde ele abre o seu guarda-chuva de luz sobre elas
para que não se aproxime a malvada obscuridade.

Estamos todos longe de casa, diz.
Já não há esperança alguma.



(versão minha a partir da tradução espanhola de Francisco J. Uriz reproduzida em Tres poetas noruegos, tradução e selecção de F. J. Uriz, Libros del Innombrable, Saragoça, 2002, p. 20).

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Lauren Mendinueta

Uma longa tarefa



O rouxinol de Keats,
A cotovia de Shakespeare,
O corvo de Poe.
Todo o pássaro real ou imaginário
cruzará o céu desde os confins,
e contra a sua determinação
precipitar-se-á ao encontro do envelhecimento,
que é a verdadeira vocação do que existe.



(versão minha; original reproduzido em La vocación suspendida, Editorial Point de Lunettes, Sevilha, 2008, p. 61).

domingo, 8 de novembro de 2009

Olav H. Hange

Um poema por dia



Quero escrever um poema por dia,
cada dia.
Tem que ser possível.
Browning pôde fazê-lo durante muito tempo, ainda que
rimasse
e marcasse o ritmo
com as suas espessas sobrancelhas.
Portanto, um poema por dia.
Algo te há-de ocorrer,
algo acontecerá,
algo novo hás-de descobrir.
- Levanto-me. Clareia.
Tenho boas intenções.
E vejo o pintarroxo a subir a cerejeira
depois de lhe ter furtado alguns rebentos.



(versão minha, a partir da tradução de Francisco J. Uriz, reproduzida em Tres poetas noruegos, tradução e selecção de F. J. Uriz, Libros del Innombrable, Saragoça, 2oo2, p. 101).

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Olav H. Hange

Uma palavra



Uma palavra
- uma pedra
num rio frio.
Mais outra pedra -
Tenho que ter mais pedras
se vou atravessá-lo.



(versão minha, a partir da tradução espanhola de Francisco J. Uriz, reproduzida em Tres poetas noruegos, tradução e selecção de F. J. Uriz, Libros del Innombrable, Saragoça, 2002, p.79).

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Jyotsna Milan

Mulher, 2



Às vezes
nos momentos em que se faz amor
o homem surge à mulher como uma espécie de Deus.
"Deus... Deus!" grita a mulher
com o corpo
dominado pelo fogo.
"Olha-me,"
diz o homem,
"eu sou Deus."
A mulher
olha
e, em convulsões de dor
por perder Deus,
vira a cara
de lado.




(versão minha, a partir da tradução inglesa de Mrinal Pande e Arlene Zide reproduzida em The Oxford Anthology of Modern Indian Poetry, organização de Vinay Dharwadker e A. K. Ramanujan, Oxford University Press, Oxford, 2ª impressão, 1997, p. 20).

domingo, 1 de novembro de 2009

Toeti Heraty

Post scriptum



Eu quero escrever
um poema erótico
no qual palavras cruas, sem enfeites,
se tornem belas
onde as metáforas não sejam necessárias
e seios, por exemplo,
não se transformem em colinas
ou o corpo de uma mulher numa paisagem opressiva
ou a relação sexual no "mais íntimo enlace".

É claro
que um poema assim é escrito no espaço
entre a exposição e a ocultação
entre a hipocrisia e as verdadeiras emoções.



(versão minha, a partir da tradução inglesa de Carole Satyamurti que pode ser lida aqui).

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Al-Saddiq Al-Raddi

A pequena raposa



De súbito - uma pequena raposa, brincalhona,
inunda com alegria o teu ferido coração
Ela procura o teu rosto com o seu olhar singular,
sabe que te identificas com ela na sua pose vagabunda

Nessa mesma noite em que suspirei por ti,
em que senti a falta do teu delicado despertar
e ansiei pela lua que sabia de cor os nossos nomes
Esse vidro estilhaçado e esquecido,
o esquilo atrevido que fugiu -
abandonando-nos tudo: a noite, e o vinho

E quanto a mim - estou bêbedo de sede,
tremo de desejo por ti -
mas não há aqui nenhuma raposa para ser encontrada


Cartum 14 de Junho, 2006
(versão minha, a partir da tradução inglesa de Sarah Maguire, reproduzida aqui).

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Sharon Olds

A corrida



Assim que cheguei ao aeroporto precipitei-me para o balcão,
comprei o bilhete, dez minutos depois
anunciaram-me que o voo tinha sido cancelado, os médicos
tinham-me dito que o meu pai não passaria desta noite
e o voo tinha sido cancelado. Um homem jovem
de bigode castanho escuro disse-me
que uma outra companhia tinha um voo
directo dali a sete minutos. Está a ver
aquele elevador, bem desça
até ao primeiro piso, vire à direita e
encontrará um autocarro amarelo, saia no
segundo terminal da Pan Am, e eu
corri, eu que não tenho qualquer sentido de orientação
lancei-me na direcção exacta que ele me indicou, um peixe
deslocando-se destramente corrente acima
contra o movimento do rio. Saltei do tal autocarro com as tais
mochilas para onde tinha atirado tudo
em cinco minutos, e corri, as mochilas
balançando-me de um lado para o outro como que
para provar que eu estava sujeita às leis da matéria,
corri em direcção ao homem com uma flor branca ao peito,
eu que vou sempre até aos limites, eu disse
Ajude-me. Ele olhou para o bilhete e disse
Vire à esquerda e depois à direita, suba pelas escadas rolantes e depois
corra. Arrastei-me pelas escadas rolantes e,
lá em cima, vi o corredor,
depois inspirei fundo, e disse
Adeus ao meu corpo, adeus ao conforto,
usei as minhas pernas e o meu coração como se
os tivesse alegremente só para isto,
para o tocar uma vez mais nesta vida. Corri e
as mochilas embatiam em mim, rodando e virando-se
em órbitas oblíquas, eu que tenho visto imagens de
mulheres a correr com os seus haveres presos
a tiracolo agarrados nas mãos fechadas, eu abençoei
as longas pernas que ele me deu, o meu forte
coração que eu abandonei ao seu próprio desígnio,
eu corri para a Porta 17 e estavam quase
a levantar o compacto losango
branco da porta para o acomodar
no encaixe do avião. Como aquele que
não é excessivamente rico, virei-me de lado e
esgueirei-me pelo buraco da agulha, e depois
desci pela coxia até ao meu pai. O avião
estava lotado e o cabelo das pessoas brilhava, elas
sorriam no interior do aparelho cheio de uma
névoa de luz dourada e analgésica,
eu chorei como se chora quando se chega ao céu,
num pesado alívio. Levantámo-nos
suavemente numa das pontas do continente
e não parámos se não quando aterrámos levemente
na outra extremidade. Eu entrei no quarto dele
e vi-lhe o peito a subir devagar
e a fundar-se de novo, vi-o
toda a noite a respirar.



(Versão minha; o original reproduzido em The invisible ladder, selecção e organização de Liz Rosenberg, Henry Holt and Company, Nova Iorque, 1996, pp. 129-130.
Nota: o título deste poema é "The race", palavra que tanto pode significar "corrida" como "prole", "descendência" ou "linhagem"; esta dupla significação alude claramente à relação filha/pai, bem como à corrida contra o tempo que todo o poema descreve).

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Begoña Paz

Extrasístoles



O meu coração
teima em
lembrar-me
que ainda
está
aí.



(versão minha; original reproduzido em 23 Pandoras - Poesia alternativa española, selecção e prólogo de Vicente Muñoz Álvarez, Ediciones Baile del Sol, Tenerife, 2ª edição, p. 226).

domingo, 18 de outubro de 2009

Anna Swir

Ele teve sorte


Para o Prof. Wladyslaw Tatarkiewicz



O homem velho
deixa a sua casa, traz os seus livros.
Um soldado alemão agarra os livros
atira-os para a lama.

O homem velho apanha-os,
o soldado bate-lhe na cara.
O homem velho cai,
o soldado pontapeia-o e vai-se embora.

O homem velho
fica estendido na lama, a sangrar.
Sente debaixo de si
os livros.



(versão minha a partir da tradução inglesa do polaco de Magnus J. Krynski e Robert A. Maguire reproduzida em The poetry of survival, organização e introdução de Daniel Weissbort, Peguin Books, Londres, 2ª (?) edição, 1993, pp. 67-68).

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Roger McGough

Um poema sério



Este é um poema sério
Com uma aparência séria
Não desperdiça uma só palavra
Conhece bem o seu lugar.

Perfeitamente equilibrado
Nem longo nem curto
Olha solenemente os céus
Como um verdadeiro poema deve fazer.
`
Conhecedor dos clássicos
Dispõe nomes à vontade.
Aqui vem Platão com Lycidas
E, reparem, eis Demóstenes!

Um poema sério há-de findar muitas vezes
Com dois versos que rimam.
Mas nem sempre.



(versão minha; original reproduzido em Collected poems, Peguin Books, 2ª edição, Londres, 2004, p. 297).

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Rolf Jacobsen

Torres melancólicas



Os escravos tinham mãos imensas e construíram torres melancólicas.
Tinham coração de chumbo, costas como montanhas e construíram torres melancólicas
Tinham mãos como martelos de pedra e construíram montanhas
de silêncio
Estão na Borgonha e Balbek e em Jerez de la Frontera.
Muros de um cinzento envelhecido sobre os bosques, frentes de pedra
e olhos melancólicos,
em muitos lugares da terra
de onde as andorinhas saem em grandes cachos pelo ar
como chicotadas silenciosas.




(versão minha, a partir da tradução espanhola de Francisco J. Uriz, reproduzida em Tres poetas noruegos, tradução e selecção de F.J. Uriz, Libros del Innombrable, 2002, p. 23).

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Danila Stoyanova

O rapaz matou um pato...



O rapaz matou um pato
com uma pedra
mas não se apercebeu.
O pato não deu conta de nada
porque ficou morto.
Os outros patos nadaram
debaixo de água
os pecoços esticados para baixo.

Isto aconteceu mesmo?
Ninguém sabe
porque ninguém viu.



(versão minha, a partir da tradução inglesa de Belin Tonchev, reproduzida em Young poets of a new Bulgaria - an anthology, selecção e tradução de Belin Tonchev, introdução de Sebastian Barker, Forest Books, Londres, 1990, p. 135).

sábado, 10 de outubro de 2009

Nikki Giovanni

O mundo não é um lugar agradável para se estar



o mundo não é um lugar agradável
para se estar sem
alguém para defendermos ou que nos defenda

um rio só deterá
o seu fluir se
uma corrente lá estiver
para o receber

um oceano nunca escarnecerá
se as nuvens não estiverem lá
para lhe beijarem as lágrimas

o mundo não é
um lugar agradável para se estar sem
alguém


[17 fev 72]



(versão minha; original reproduzido em The invisible ladder, selecção e organização de Liz Rosenberg, Henry Holt and Company, Nova Iorque, p. 72).

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Jack Agüeros

Salmo pela distribuição



Senhor,
na Rua nº 8
entre a 6ª Avenida e a Broadway
em Greenwich Village
há tantas sapatarias
com tantos sapatos
que me pergunto
por que há tanta gente descalça
na terra.

Senhor,
tens que despedir o Anjo
que tem a tarefa da distribuição.



(versão minha; original reproduzido algures por aqui).

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Jack Agüeros

Salmo pelo bacalhau



Senhor,
agradecemos-te pelo bacalhau,
agradecemos-te pelo bacalhau salgado
e agradecemos-te pelo bacalhau sem espinhas
e agradecemos-te pelo bacalhau
que é tão dócil que
nada em molho de tomate tão ditosamente
como nada em azeite.

Senhor,
agradecemos-te especialmente porque o bacalhau
não nada perto das costas
de Porto Rico.
Agradecemos-te por ele ir tão bem
com banana verde
rodelas de cebola e ovos mexidos.

E, Senhor,
porque é um peixe
agradecemos-te por o deixares vir a voar
até Porto Rico, agradecemos-te
por o deixares vir de barco
até aos nossos portos, agradecemos-te
por o deixares vir a nado até às nossas bocas tão felizes.



(versão minha; original reproduzido em El coro - a chorus of latino and latina poetry, selecção e organização de Martín Espada, 1997, University of Massachusets Press, Amherst, p. 8).

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Jan Polkowski

Não escrevas nada...



Não escrevas nada. Deixa os outros falarem,
e mesmo que eles nunca usem palavras como:
revolução, liberdade, dignidade, humilhação,
mesmo que as suas línguas sejam apenas carne
e não cítaras, ou frescos, ou espadas, permite-lhes
que falem. Deixa o sangue correr
e o fogo propagar-se, deixa o tronco da limeira engrossar,
deixa a água e o fruto extraviarem-se.
Não retenhas o teu coração,
deixa-o beber e escutar.



(versão minha a partir da tradução de Donald Pirie reproduzida em Young poets of a new Poland, introdução e traduções de D. Pirie, Forest Books, Londres, 1993, p. 82.)

domingo, 20 de setembro de 2009

Margaret Atwood

Eles jantam fora



Nos restaurantes discutimos
qual de nós pagará o teu funeral

ainda que a verdadeira pergunta seja
se farei ou não de ti um ser imortal.

Neste momento só eu
posso fazê-lo e assim

levanto o garfo mágico
sobre o prato de carne e arroz frito

e cravo-o no teu coração.
Há um pequeno estalido, um zumbido

e da tua própria cabeça fendida
emerges incandescente;

o céu abre-se
uma voz canta O Amor É Uma

Coisa Esplendorosa
circulas suspenso por cima da cidade

com um fato azul e uma capa vermelha,
os teus olhos brilhando em uníssono.

Os outros comensais olham-te
alguns com temor, outros só com aborrecimento:

não conseguem decidir se és uma nova arma
ou apenas outro anúncio.

Quanto a mim, continuo a comer;
gostava mais de ti como eras,
mas tu sempre foste ambicioso.



(versão minha, a partir do original e da tradução para espanhol de Pilar Somacarrera Íñigo, reproduzidos em Juegos de poder, tradução, introdução e notas de P. S. Íñigo, Hiperión, Madrid, 2000, p. 33).

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Óscar Hahn

Numa estação de Metro



Desventurados os que avistaram
uma rapariga no Metro

e se apaixonaram de repente
e a seguiram enlouquecidos

e a perderam para sempre entre a multidão

Porque serão condenados
a vaguear sem rumo pelas estações

e a chorar com as canções de amor
que os músicos ambulantes cantam nos túneis

E se calhar o amor não é mais do que isso:

uma mulher ou um homem que sai de uma carruagem
numa qualquer estação de Metro

e resplandece por uns segundos
e desaparece na noite sem nome



(versão minha; original reproduzido em Poemas de la era nuclear, Bartleby Editores, prólogo de Alexandra Domínguez, Madrid, 2008, p. 95).

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Bronislaw Maj

Nunca escreverei um poema...



Nunca escreverei um poema longo: tudo
o que encontrei aqui impede-me
de dizer mentiras: isto existe entre
duas golfadas de ar, apenas num
relance, num só aprisionamento do coração. E agora
estou só, e o que está aqui comigo
chega apenas para uma dúzia (mais ou menos)
de pequenos versos, um poema tão breve como o instante de vida
de uma borboleta das couves, ou o fulgor de luz
na crista de uma onda,
de um ser humano, ou de uma catedral. Uma dúzia (mais
ou menos) de versos depois,
e o que existe entre eles: a perpétua
fulgurância da luz, a eternidade da vida de uma borboleta
e a humanidade que transcende
a morte.




(versão minha, a partir da tradução inglesa de Donald Pirie, reproduzida em Young poets of a new Poland, Forest Books, Londres, 1993, p. 61).

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Óscar Hahn

Retrato de família iraquiana



O pai de turbante
e denso bigode negro
com os braços cruzados
À esquerda a sua esposa
com a túnica bordada
e o véu branco
Ahmad e Zainab
os dois filhos pequenos
de mãos dadas
Os avós sentados
em cadeirões de verga
Todos a sorrir
numa fotografia meio chamuscada
encontrada entre os escombros
da sua casa
depois do bombardeamento



(versão minha; original reproduzido em Poemas de la era nuclear, Bartleby Editores, prólogo de Alexandra Domínguez, Madrid, 2008, p. 46).

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Vladimíra Cerepková

Para Eva O.



Não me fales como a um morto
não me fales como se eu fosse um defunto
fala-me
como se eu ainda não tivesse nascido
fala-me como se eu fosse árvore



(versão minha, a partir da tradução francesa de Petr Král reproduzida em Anthologie de la poésie tchèque contemporaine: 1945-2000, Gallimard, Paris, 2002, p. 266).

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Óscar Hahn

Nunca se sabe



Num bairro qualquer
no trabalho
na universidade
há um indivíduo que parece
perfeitamente normal
um bom cidadão
um estudante entre outros
um chefe de família
que cumpre os seus deveres
e dorme tranquilo
Ele não sabe
que noutras condições
noutro tempo
noutras circunstâncias
poderia ser
um informador
da polícia secreta
um censor de livros
um torturador
No entanto está aí
mesmo ao pé de ti
ou talvez sejas tu próprio
aquele que lê este poema
ou aquele que o escreve



(versão minha; original reproduzido em Poemas de la era nuclear, Bartleby Editores, Prólogo de Alexandra Domínguez, Madrid, 2008, p. 43).

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Pablo Garcia Casado

Bloomberg



... TPI 3,86 +5,75. União FENOSA, 12, 42 +2,48. Valleformoso 9,15 + 1,10%. Zeltia 6,52 +2,19%. O euro tem estado a subir na última hora depois de ter sido fortemente desvalorizado devido aos avanços das tropas da coligação anglo-americana. Tony Blair opõe-se a que a Síria seja o próximo país a ser alvo de bombardeamentos na guerra. O Iraque assegura que derrubou dois caças bombardeiros americanos, um A-10 e um F-15, em Bagdade, segundo um porta-voz da televisão oficial iraquiana. George Bush chega à Irlanda do Norte para se reunir com Blair e conversar sobre a reconstrução do Iraque. Um dos responsáveis do Pentágono, Paul Wolfowitz, afirma que serão necessários pelo menos seis meses até que se possa organizar no Iraque um governo depois da queda de Saddam. A GUERRA NO IRAQUE. O jornalista espanhol Julio Anguita Parrado foi morto durante um ataque iraniano contra um centro de comunicações dos Estados Unidos nos arredores de Bagdade. O meu filho mais velho, de 32 anos, acaba de morrer no cumprimento das suas obrigações de correspondente de guerra. Há 20 dias esteve comigo e disse-me que queria estar na linha da frente, declarou o seu pai, Julio Anguita. A Cruz Vermelha adverte que as condições dos hospitais em Bagdade são terríveis. Peritos americanos em armamento químico e biológico acreditam ter encontrado um armazém iraquiano de mísseis com substâncias que poderão ser gás mostarda e gás sarin. O quartel general americano afirma que o governo do Iraque ainda possui alguma capacidade militar. Colin Powell declara que Washington enviará para o Iraque uma equipa preparada para colaborar na formação de um governo provisório no país. O número de prisioneiros iraquianos eleva-se a mais de 7.000, segundo o general Richard Myers. Geof Hoon disse desconhecer o paradeiro de Saddam e dos seus filhos. O IBEX 35 está a valorizar-se em 2,06%, pelo que se situa nos 6.45,20 pontos. Acerinox 35,00 +1,39%. Amadeus 4,59 +3,85...



(versão minha; original reproduzido em Poesía Pasión - doce jóvenes poetas españoles, selecção, introdução e notas de Eduardo Moga, Libros del Innombrable, Saragoça, 2004, pp. 147-148.)

terça-feira, 28 de julho de 2009

Jan Erik Vold

O mistério básico do capitalismo



O mistério básico
do capitalismo: como uma coroa, permanecendo imóvel

durante um certo período de tempo, faz nascer dez cêntimos
ao seu lado - por exemplo: Tu pões

como diz o anúncio
20.000 coroas numa conta de alta rentabilidade

num dos nossos grandes bancos. Passados seis anos
podes ir a esse banco e receber

35.532 coroas. Agora a questão é: A quem
tiraram as 15.532 coroas?



(versão minha, a partir da tradução para castelhano de Francisco J. Uriz reproduzida em El poema nos recuerda el mundo, prólogo, selecção e tradução de Francisco J. Uriz, Libros del Innombrable, Saragoça, 2000, p. 104).

domingo, 26 de julho de 2009

Aaron Zeitlin

As crianças estão sempre a morrer



As crianças desaparecem.
Os adultos - espectros
de crianças mortas.

As crianças - sempre a morrer -
mesmo aquelas que continuam a brincar
no pátio da escola, na varanda
nas traseiras do armazém, atrás do sofá,
no canto do quarto.
As suas brincadeiras são breves -
acabam num instante.
Os adultos avisam-nas,
"Não se sujem."
"Despachem-se, vamos embora."

As crianças - criadoras. Travessas.
Agora aqui mesmo, desaparecidas logo a seguir.

As crianças desaparecem.



(versão minha, a partir da tradução inglesa de Richard J. Fein, reproduzida em With everything we've got - a personal anthologt of yiddish poetry, selecção e tradução de Richard J. Fein, Host, Austin, 2009, p. 128).

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Aaron Zeitlin

Texto



Todos nós -
pedras, pessoas, estilhaços de vidro ao sol,
embalagens de compota, gatos e árvores -
somos ilustrações de um texto.

Algures, ninguém precisa de nós.
Aí, só o texto é lido -
as imagens desfazem-se como folhas secas.

Quando o vento da morte sacode a erva alta
e todas as imagens criadas pelas nuvens
a ocidente são varridas para longe -
a noite chega e interpreta as estrelas.



(versão minha, a partir da tradução inglesa de Richard J. Fein, reproduzida em With everything we've got - a personal anthology of yiddish poetry, selecção e tradução de Richard J. Fein, Host, Austin, 2009, p. 126).

terça-feira, 21 de julho de 2009

Jean Nordhaus

Eu estava sempre de partida



Eu estava sempre de partida, sempre
prestes a levantar-me e a seguir, sempre
a caminho, sem saber para onde.
Para outro sítio. Aqui é que não.
Aqui nunca nada me bastava.

Teria de ser melhor lá, para onde
me dirigia. Sem saber como, nem porquê.
A cúpula debaixo da qual me encolhia
seria erguida, e eu haveria de ser lançado
para dentro da minha verdadeira vida. Nela

encontraria os que estava destinado a encontrar.
Receber-me-iam em festa,
com flautas e castanholas,
e seria levantado no ar. Que isto
pudessse ser uma espécie de morte

não me ocorreu. Só sei que
alguma coisa me reteve,
uma dúvida, uma dívida, um rosto que não pude
abandonar. Quando a porta
se abriu, não entrei.



(versão minha; original reproduzido aqui).

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Amir Gilboa

Sentai-vos, amigos...



Sentai-vos, amigos, senta-te também tu
pai eu sou
aqui o mais alto o mais velho
de vós.

Sentai-vos comigo amigos meus
também eu aqui
me calarei convosco.



(versão minha, a partir da tradução do espanhol de Teresa Martínez reproduzida em Poesía hebrea contemporânea, tradução e introdução de Teresa MArtínez, Hipérión, 2ª edição, Madrid, 2001, p. 37).

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Marina Boroditskaya

Pobre compositor



Pobre compositor,
dispensável sem um piano,
pobre prosador,
desesperado sem uma secretária.
E pobre artista,
que precisa de cavalete, pincéis
e pequenos tubos de tinta.
Eu não seria capaz de lidar com isso.

Pobre, pobre escultor.
Pobre realizador.
Neste mundo só
o poeta é um ser afortunado.
Ele caminha pelo parque
com uma estrofe na cabeça.
(Isto desde que não lhe dês
- como a Pushkin - um tiro nas tripas).



(versão minha a partir da tradução inglesa de Ruth Fainlight, reproduzida em An anthology of contemporary russian women poets, organização e selecção de Valentina Polukhina e Daniel Weissbort, University of Iowa Press, Iowa City, 2005, p.21).

sábado, 4 de julho de 2009

Yusef Komunyakaa

Terra do Nunca



Quem me dera que esta noite
não fosses um dos Jackson Five
e apenas permanecesses

dentro de ti próprio,
intocado pelo vampiro
do luar. Tão ansioso

por representar O Outro,
terás esquecido que Drácula
foi escolhido pelo

seu cabelo negro, pela sua pele
cor-de-azeitona? Depois de
te teres tornado a tua própria capa

os títulos dos tablóides
enxertaram o teu nome
num rapazinho louro.

A tua vida íntima escorreu como sangue
pelo papel de jornal,
cruzou o teu rosto. Victor

Frankenstein sabia que é nosso dever
amarmos o que criamos. Talvez
agora a pele comece a rejuvenescer

sobre as mentiras & subtraia
tudo o que mina
nariz & ossos malares.

Tu podias dizer-nos se
é a solidão que faz
o pardal cantar.

Michael, não ligues
ao que a maquilhadora
diz, tu sabes

que o teu esperma nunca
reproduzirá esse rosto
no espelho oval.




(versão minha; original reproduzido em Real things - an anthology of popular culture in american poetry, selecção e organização de Jim Elledge e Susan Swartwout, Indiana University Press, Bloomington, 1999, pp. 150-151).

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Belén Reyes

Sou poeta



Sou poeta
E nunca levo escolta.



(versão minha; original reproduzido em 23 Pandoras - poesía alternativa española, selecção e prólogo de Vicente Muñoz Álvarez, Ediciones Baile del Sol, 2ª edição, Tenerife, p.249).

domingo, 21 de junho de 2009

José Manuel Arango

Os que têm por ofício lavar as ruas



Os que têm por ofício lavar as ruas
(madrugam, Deus ajuda-os)
encontram nas pedras, um dia após outro, rastos de sangue

E também os lavam: é o seu ofício
E depressa
não se dê o caso de os primeiros transeuntes os espezinharem



(versão minha; original reproduzido em La poesia del siglo XX em Colombia, edição de Ramón Cote Baraibar, Visor, Madrid, 2006, p. 276).

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Miroslav Holub

Cemitério judeu em Olsany, túmulo de Kafka, Abril, tempo solarengo



Ocultas sob os carvalhos
algumas pedras abandonadas
como palavras dispersas.
A solidão é tão compacta
que tem de ser feita de pedra.

O homem velho ao portão,
um Gregor Samsa
que não sofreu nenhuma metamorfose,
olha de esguelha
sob a nudez da luz,
respondendo a todas as perguntas:

Desculpe, mas não sei.
Não sou de Praga.



(versão minha, a partir da tradução do checo para o inglês de David Young e Dana Hábová reproduzida em The poetry of survival, introdução e organização de Daniel Weissbort, Peguin, Londres, 2ª edição (?), p. 184)

terça-feira, 16 de junho de 2009

Leopold Staff

Fala



Não é necessário compreender o canto do rouxinol
Para o admirar.
Não é necessário compreender o coaxar das rãs
Para o considerar inebriante.
Eu compreendo a fala humana
Com todas as suas duplicidades e mentiras.
Se não a compreendesse
Seria o maior dos poetas.



(versão minha, a partir da tradução inglesa de Adam Czerniawski reproduzida em The poetry of survival, introdução e organização de Daniel Weissbort, Peguin, Londres, 2ª (?) edição, 1993, p. 62).

domingo, 14 de junho de 2009

Brenda Ascoz

se sentes que não existes



se sentes que não existes,
que se extingue a tua voz quando é escutada,
que o teu corpo se apaga se ninguém o toca

se tu não existes,
a tua solidão muito menos.



(versão minha; original reproduzido em 23 Pandoras - Poesía alternativa española, selecção e prólogo de Vicente Muñoz Álvarez, Ediciones Baile del Sol, 2ª edição, Tenerife, 2009, p. 131).

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Roxana Popelka

Acerca da verdade, acerca da felicidade



Agora que
não estou contigo,
que não estarei
contigo nunca
mais,
é bom que
te diga várias coisas:

enganei-te
um montão de vezes
com alguns homens
muito mais jovens
do que tu
porque sabia que
isso era o que mais
te doía
e voltaria a fazê-lo
acredita
- asseguro-to -

que foram
os momentos
mais felizes da
minha vida.

Quando esses homens
me abriam a
porta e me
faziam entrar
nas suas casas.
E nos despíamos
com impaciência.

Então tirava
a camisola preta,
aquela, sim!
e o sutiã.

Alguns diziam-me:
"espera, fica um
instante com as cuecas
vestidas."

E beijávamo-nos
com paixão,
era autêntica a
paixão.

Lá fora
no pátio da
casa
ouvia-se uma mulher
a mexer os ovos perto do
televisor.

E voltávamos a beijar-nos
com ardor
esmagando
o que restava
dos nossos corpos
Alguns corpos
ossudos, outros
debilitados,
ou barbeados
tanto se me dava.

E entretanto
eu pensava tanto em como te
sentirias se tivesses
sabido
tudo isto.

Mas sempre
tive bons
álibis,
ainda te lembras?

Nunca suspeitaste
que tudo
aquilo era
mentira,
que o que fazia
verdadeiramente
era enganar-te com
homens muito
mais jovens
do que tu.

E essa
- asseguro-te -
foi a época
mais feliz da
minha vida.





(versão minha; original reproduzido em 23 Pandoras - Poesía alternativa española, selecção e prólogo de Vicente Muñoz Álvarez, Ediciones Baile del Sol, 2ª edição, Tenerife, 2009, pp. 210-213).

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Carol Ann Duffy

Namorada



Não uma rosa vermelha ou um coração de cetim.

Ofereço-te uma cebola.
É uma lua embrulhada em papel castanho.
Promete luz
tal como o cuidadoso desnudamento do amor.

Aqui.
Vai cegar-te com lágrimas
tal como um amante.
Vai fazer do teu reflexo
uma fotografia tremida de dor.

Tento ser verdadeira.

Não uma carta engraçada ou uma quantidade de beijos.

Ofereço-te uma cebola.
Os seus beijos violentos permanecerão nos teus lábios,
possessivos e fiéis
como nós somos,
enquanto continuarmos a ser.

Aceita-a.
Se o desejares
os seus anéis de platina servem de alianças.

Letais.
O seu cheiro vai agarrar-se aos teus dedos,
agarrar-se à tua faca.



(versão minha; original reproduzido em Selected poems, Peguin, Londres, 2006, p. 11).

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Almudena Vidorreta Torres

Outro lugar



Noutro lugar deixou-se ficar nua
e deu o seu corpo ao lobo mais faminto da cidade.

Noutro lugar abriu a casa ao inimigo
e disse-lhe toma tudo quanto queiras.

Noutro lugar dançou com tanta água
que se lhe humedeceram as entranhas
e apodreceu por dentro.

Noutro lugar veio tanta gente vê-la
que o aplauso se transformou em tempestade de Verão
e a cabeça estalou-lhe de tanta névoa e tantos caracóis
e tanto Agosto e tanto fogo.

Noutro lugar rendeu-se
deixou-se levar pelo instinto noutro lugar
e deitou-se para sobreviver aos seus pés
e lamber as feridas do caminho...
e viveu noutro lugar a vida de rastos.

Noutro lugar,
não neste.



(versão minha; original reproduzido em 23 Pandoras - Poesía alternativa española, selecção e prólogo de Vicente Muñoz Álvarez, Ediciones Baile del Sol, 2ª edição, Tenerife, 2009, p. 21.)

sábado, 6 de junho de 2009

Kevin Griffith

Girando



Seguro o meu filho de dois anos
por debaixo dos braços e faço-o girar.
Os seus pés afastam-se de mim
e o dia desfaz-se numa mancha.
Tudo o que possuo voa pelos ares:
brinquedos de quintal, balde de areia, pá e ancinho,
garagem, casa,
e, por fim, os anos da minha vida.

Quando paramos, o meu filho é um adulto
e eu envelheci. Voltamos
a vacilar nos braços um do outro
uma última vez, dois amigos extraviados
cambaleando por causa da bebida,
recordando os bons velhos tempos.



(versão minha; original reproduzido aqui).

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Wendy Cope

Poema composto em Santa Bárbara



Os poetas falam. Falam muito.
Falam de T.S. Eliot.
Um é contra. Outro a favor.
Que pensamentos profundos, os seus! Quanta sabedoria!
São felizes. Uma cigarra canta.
Nós, mulheres, falamos de outras coisas.



(versão minha; original reproduzido aqui).

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Kevin Griffith

Dobrando os quarenta



De tempos a tempos parece que há um pequeno planeta
dentro de mim. E neste planeta
há uma imensidade de pequenas guerras, porém nenhuma
suficientemente grande para fazer uma verdadeira diferença.
As maiores potências - o espírito e o coração - declararam
tréguas por agora. Se houve um líder neste planeta
ninguém se lembra dele. Todas
as decisões são tomadas em conjunto.
No entanto há algumas imagens do velho ditador -
como parecia cheio de juventude no seu grande cavalo,
como brilhavam os seus olhos.
Estava preparado para conquistar o mundo.



(versão minha; original reproduzido aqui).

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Carmen Ruiz Fleta

A mulher mais feia do mundo



A mulher mais feia do mundo
falava-me dos tratamentos faciais gratuitos
enquanto punha na minha mão um folheto
com a mulher mais bela do mundo.
Foi às 10 horas da manhã.
A mulher mais feia do mundo
deve entregar 500 folhetos diários
da mulher mais bela do mundo
para ganhar 587 euros por mês.
Ninguém olha a cara da mulher mais feia do mundo.
Ninguém se atreve.



(versão minha; original reproduzido em 23 Pandoras - poesía alternativa española, selecção e prólogo de Vicente Muñoz Álvarez, Ediciones Baile del Sol, 2ª edição, Tenerife, 2009, p. 87).

sábado, 30 de maio de 2009

Sofía Castañón

Chamo-me Sofía



Chamo-me Sofía
e desde pequena
tenho ouvido que é nome
de rainha.

Chamo-me Sofía
como os passos obscuros da minha avó
antes que um comboio me deixasse só
um nome
e um vazio
na memória.

Chamo-me Sofía
igual a conhecimento,
recordam-no aqueles que sabem três
palavras de grego e têm
muito pouco que contar.

Chamo-me Sofía
e nunca me dizem
como Coppola, como Marceau,
como a de Kill Bill
aquela a quem cortaram os dois braços.

E desculpo-me
por não ter um Jostein Gäarder
no meu mundo, por não
querer estar na ribalta, por não
ter da Bulgária mais do que um postal
que não era para mim.

Chamo-me Sofía
e desde pequena tenho ouvido
que é nome
de rainha e também
que por aqui chove muito
e que antes se lia mais
e que as crianças já não sabem brincar
e tantas outras
conversas de café. Por isso
para evitarmos
tanto tópico
e tanto discurso monárquico
queria chamar-me
de vez em quando
Dolores, Virgínia, Marguerite
e falar também
de revolução.



(versão minha; original reproduzido em 23 Pandoras - poesia alternativa española, selecção e prólogo de Vicente Muñoz Álvarez, Ediciones Baile del Sol, 2ª edição, Tenerife, 2009, pp. 37-38).

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Déborah Vukušić

chamo-me déborah vukušić



chamo-me déborah vukušić
sou duas metades
metade galega e metade croata
tenho 26 anos
23 de maio de 1979
saio para a luz

déborah em hebraico
'abelha'
vukušić em croata
uši: 'orelhas'
vuk: 'lobo'

abelha com orelhas de lobo




(versão minha, a partir do original em galego (?) e da sua versão castelhana (?), reproduzidos em 23 Pandoras - poesia alternativa española, selecção e prólogo de Vicente Muñoz Álvarez, Ediciones Baile del Sol, 2ª edição, Tenerife, 2009, p. 71; mais informação aqui e aqui).

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Steve Kowit

A lição de gramática



Um nome é uma coisa. Um verbo é a coisa que se faz.
Um adjectivo é o que descreve o nome.
Em "A vasilha de beterrabas está cheia com cotão carmesim"

de e com são preposições. A é
um artigo, uma vasilha é um nome,
um nome é uma coisa. Um verbo é a coisa que se faz.

Uma vasilha pode ressoar - ou não. O que não é foi
ou pode ser, pode significando o ainda não conhecido.
"A nossa vasilha de beterrabas está cheia com cotão carmesim"

é o presente do indicativo. Enquanto palavras como nossa e nós
são pronomes - isto é, isto é bolorento e eles são castanhos e repelentes.
Um nome é uma coisa; um verbo é a coisa que se faz.

Está é um verbo auxiliar. Auxilia porque
cheia não é uma forma verbal completa. A vasilha é o que é nosso
em "A nossa vasilha de beterrabas está cheia com cotão carmesim".

Entendem? Não há muito mais a saber. É
só memorizar estas regras... ou escrevê-las no caderno!
Um nome é uma coisa, um verbo é a coisa que se faz.
A vasilha de beterrabas está cheia com cotão carmesim.



(versão minha; original reproduzido aqui).

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Blaga Dimitrova





A árvore perdoa ao vento
que lhe saqueia as folhas
e abraça-o com os ramos.
A ave perdoa à nuvem
que engole o sol
e saúda-a com as asas.
A onda perdoa à pedra
que lhe impede o salto
e envolve-a em carícias.
Só o homem não perdoa
ao ar, à água, à pedra,
a nenhuma criatura terrestre.
Persegue tudo com crueldade.

E está só no universo.




1994



(versão minha, a partir da tradução para castelhano de Zhivka Baltadzhieva, reproduzida em Espacios, tradução e prólogo de Z. Baltadzhieva, La Poesia, señor hidalgo, Barcelona, 2006, p. 113).

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Carol Ann Duffy

Educação para o ócio



Hoje vou matar alguma coisa. Qualquer coisa.
Estou farto de ser ignorado e hoje vou
representar o papel de Deus. É um dia vulgar,
uma mistura de cinzento e tédio arrebatador pelas ruas.

Esmago uma mosca contra a janela com o polegar.
Fizémo-lo na escola. Shakespeare. Foi noutra
língua e agora a mosca mudou-se para outra língua.
Expiro talento no vidro para escrever o meu nome.

Sou um génio. Poderia ser o que quisesse, com metade
da sorte. Mas hoje vou mudar o mundo.
O mundo de qualquer coisa. O gato evita-me. O gato
sabe que eu sou um génio, e escondeu-se.

Deito pela sanita os peixes dourados. Puxo o autoclismo.
Vejo como isto é bom. O periquito está aterrorizado.
De quinze em quinze dias, faço três quilómetros até à cidade
por causa de uma assinatura. Eles não gostam do meu autógrafo.

Não há nada para matar. Telefono para a rádio
e digo ao homem que está a falar com uma super-estrela.
Ele desliga. Pego na nossa faca do pão e saio.
O piso resplandece de súbito. Toco no teu braço.



(versão minha; o original pode ser lido aqui).

terça-feira, 5 de maio de 2009

William Stafford

Junto ao Monumento Não-Nacional ao longo da fronteira canadiana



Este é o campo onde a batalha não se deu,
onde o soldado desconhecido não morreu.
Este é o campo onde a erva encontra as mãos,
onde não há nenhum monumento
e a única coisa heróica é o céu.

Os pássaros voam aqui sem produzirem som,
abrindo as asas através do espaço aberto.
Ninguém matou - ou foi morto - sobre esta terra
sagrada pelo abandono, uma brisa tão doce
que as pessoas celebram esquecendo o seu nome.





(versão minha; o original pode ser lido aqui).

domingo, 3 de maio de 2009

Jorge Urrutia

(Porque sou só verbo)



Uma só Anne Frank comove-nos mais que as inumeráveis pessoas que sofreram o mesmo que ela. E assim talvez tenha que ser: se tivéssemos que e pudéssemos partilhar os sofrimentos de todas as pessoas, não poderíamos continuar a viver.


Primo Levi



Este parágrafo pode ter dois comentários que interessam
de um ponto de vista semiótico.
Não importa tanto, para comover, para convulsionar, para
reclamar a acção, o sofrimento como o signo do sofrimento.
Através do seu diário, a jovem Anne converteu-se
nisso, em signo da maldade, não já sofrida, antes exercida sobre
o ser humano. À ética não diz respeito a maldade pelo sofrimento,
antes pelo acto.
No entanto, para se converter em símbolo, Anne Frank precisou
da escrita. Sem esta não teria havido Anne, e sem Anne careceria
de expressão a dor sofrida e a injustiça cometida.
Logo, terrivelmente (e digo bem "terrivelmente"), só a
escrita importa. No fim, só a escrita é.





(versão minha; original reproduzido em Metalingüísticos y sentimentales, introdução, notas, selecção de poemas e organização de Marta Sanz Pastor, Biblioteca Nueva, Madrid, 2007, pp. 268-270).

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Bill Holm

Botão-de-ouvido



Botão-de-ouvido - uma pequena bolinha revestida de espuma
para usares como um brinco interior,
assim desfrutas de barulhos privados enquanto andas por aí
protegido de qualquer silêncio súbito.
Só tens de verificar a bateria e copiar
mil canções e histórias secretas
para esse pequeno casulo que trazes no bolso.
Agora estás a salvo dos outros barulhos produzidos
por outras pesssoas e máquinas, só por acaso
barulhos que não escolheste como teus.
Para ter a tua atenção, toco-te no braço -
para te revelar o tornado ou o urso polar.
Por vezes apanho-te a murmurar ou a falar para o ar
como se houvesse uma amante encolhida, à espera no teu ouvido.



(versão minha; o original pode ser lido aqui).

sábado, 25 de abril de 2009

José Emílio Pacheco

Alta traição



Não amo a minha pátria.
O seu fulgor abstracto
não se deixa agarrar.
Mas (ainda que soe mal)
daria a vida
por dez lugares seus,
certa gente,
portos, bosques, desertos, fortalezas,
uma cidade desfeita, cinzenta, monstruosa,
várias figuras da sua história,
montanhas
- e três ou quatro rios.



(versão minha, corrigida; a primeira versão que propus foi produzida a partir da forma como o poema original surge aqui; mas esta fonte pode ser problemática uma vez que, posteriormente, tomei conhecimento desta tradução, através da qual me dei conta de falhas na minha proposta, que agora rectifico; tomo agora como texto de partida o poema tal como surge em Tarde o temprano (poemas 1958-2000), Fondo de Cultura Económica, edição de Ana Clavel, 3ª edição, 2ª reimpressão, Picacho-Ajusco, 2004, p. 73; pela alta traição, ainda que involuntária, ao autor e aos leitores, as minhas desculpas).

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Roger McGough

O Livro da Poesia Inglesa do Século Vinte da Oxford
(Recenseado por Georges Perec)



St psado volum rvla-s incontornávl para as pssoas qu gostam d posia.
Poma após poma, num glorioso fstim d posia.
Mmorávis comparaçõs, mtáforas, stão por toda a part
nquanto blas rimas, tanto como imagns, atravssam cada página.

Grands pomas de noms como Louis MacNic,
John Btjman, Hilair Blloc, T.S. Liot ou Td Hughs,
já para não falar do pota favorito de Larkin, Hardy, qu surg
com vint st pomas ao lado de apnas nov de W.B. Yats.

Sta antologia, apsar d duramnt criticada plos potas
nla não incluídos, acabará por afirmar-s como uma obra fundamntal
por muitos anos. A minha única qustão respita aos potas
d língua francsa qu foram xcluídos por razõs só conhcidas plo ditor.




Romancista francês, na fase da sua obra, Georges Perec publicou um romance com 50000 palavras, La Disparition, eliminando sistematicamente a letra "e".



(versão minha; original reproduzido em Collected poems, Peguin, 2ª edição, Londres, 2004, p. 303).

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Naomi Shihab Nye

Ombros



Um homem atravessa a rua à chuva,
caminhando suavemente, olhando duas vezes para norte
e para sul:
porque o seu filho dorme no seu ombro.

Nenhum carro deve salpicá-lo.
Nenhum carro pode aproximar-se demasiado da sua sombra.

Esta homem carrega a carga mais sensível do mundo
mas não há nenhuma marca disso.
Em nenhum lugar do seu blusão se diz FRÁGIL,
TRANSPORTAR COM CUIDADO.

O seu ouvido fica cheio com a respiração.
Ele ouve o murmúrio dos sonhos de um rapaz
bem dentro de si.

Não estaremos preparados
para viver neste mundo
se não tivermos o desejo de fazer a outro
o que este homem está a fazer.

A estrada será apenas imensa.
E a chuva não cessará nunca de cair.




(versão minha; original reproduzido em Tender spot - selected poems, Bloodaxe, Northumberland, 2008, p. 64).

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Wendell Berry

A cobra



No fim de Outubro
encontrei no chão do bosque
uma pequena cobra cujo dorso
estava camuflado na negrura
das folhas mortas entre as quais se estendia.
O seu corpo engrossara com um rato
ou um pequeno pássaro. Estava fria,
tão entorpecida com a sua barriga cheia
e o ar outonal que nem se
dava ao trabalho de revoltear a língua.
Segurei-a durante muito tempo, pensando
na perfeição dos desenhos
negros no seu dorso, na morte
que a inchava, no seu frio bem vivo.
Agora esse frio permanece
na minha mão, e eu penso nela
deitada debaixo do gelo,
enorme com a morte a nutri-la
durante um longo sono.



(versão minha; original reproduzido em The generation of 2000 - contemporary american poets, prefácio e organização de William Heyer, Ontario Rewiew Press, Nova Iorque, 1984, p 16).

terça-feira, 14 de abril de 2009

Vorea Ujko

Três donzelas



Três donzelas puras,
Três donzelas, três irmãs,
Três vestidos de noiva bordados.
A mais nova disse
O amor há-de chegar,
Há-de chegar com a manhã.
De súbito chegou a morte
E levou-a.
Duas donzelas puras,
Duas donzelas, duas irmãs,
Dois vestidos de noiva bordados.
A segunda disse
Talvez a morte chegue
E só tu restarás.
Em breve chegou o amor
E levou-a.
E agora eu espero sozinha.



(versão minha, a partir da tradução inglesa de Robert Elsie, reproduzida em An Elusive Eagle Soars - anthology of modern albanian poetry, organizaçõa, tradução e introdução de R. Elsie, Forest/Book, Londdres, 1993, p. 61).

sábado, 11 de abril de 2009

Nan Cohen

Uma menina recém-nascida na Páscoa Judaica



Considera um alperce numa cesta cheia deles.
É muito parecido com todos os outros alperces -
um exemplar único, feito de pele e semente.

Agora pensa neste dia. Um que provavelmente esquecerás.
O teu próximo fôlego, um longo trago de ar.
Dia sagrado ou não, não importa.

Uma criança nasceu e não sabe que dia é hoje.
Nem pode imaginar a alegria particular do meu coração.
O sabor dos alperces permanece na loja à sua espera.



(versão minha; o original pode ser lido aqui).

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Martin Camaj

A um poeta moderno



O teu caminho é bom:
As Parcas têm os rostos mais repugnantes
Dos mitos clássicos. Não escreves sobre eles,
Mas sobre lajes e testas humanas
Cobertas de vincos, sobre o amor.

Os teus versos não são para serem lidos em silêncio
Nem ao microfone
Como os de outros poetas,

O coração
Ainda que debaixo de sete camadas de pele
É gelo,

Gelo
Ainda que debaixo de sete camadas de pele.



(versão minha, a partir da tradução para inglês de Robert Elsie, reproduzida em An Elusive Eagle Soars - anthology of modern albanian poetry, organização, tradução e introdução de R. Elsie, Forest Book/Unesco, Londres, 1993, p. 33).

terça-feira, 7 de abril de 2009

Paul Muldoon

Conhecer os britânicos



Conhecemos os britânicos no fim do inverno.
O céu era cor de alfazema

e a neve alfazema-azul.
Eu podia ouvir, muito lá em baixo,

o ruído de duas correntes unindo-se
(ambas outrora geladas)

e, não menos estranho,
ouvir-me a gritar em francês

para lá da clareira
da floresta. Nem o general Jeffrey Amherst

nem o coronel Henry Bouquet
tinham estômago para o nosso tabaco de salgueiro.

Quanto ao desacostumado
perfume quando o coronel sacudiu o seu lenço

de bolso: C'est la lavande,
une fleur mauve comme le ciel.

Deram-nos seis anzóis
e duas mantas bordadas com varíola.



(versão minha, a partir do original e da tradução para espanhol de Dámaso Lopez Garcia, reproduzidos em Indecisiones, introdução, tradução e notas de D. López Garcia, Visor, Madrid, 2004, pp. 50-51).

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Anna Swir

Vamos atirar directamente ao coração



Nós vamos matar o nosso amor.

Vamos estrangulá-lo
como se estrangula um bebé.
Vamos pontapeá-lo
como se pontapeia um cão fiel.

Vamos arrancar
as suas asas vivas
como se faz
com um pássaro.

Vamos disparar sobre o seu coração
como disparamos
sobre nós.



(versão minha, a partir da tradução do polaco para o inglês de Czeslaw Milosz e Leonard Nathan, reproduzida em The poetry of survival, introdução e organização de Daniel Weissbort, Peguin, Londres, 1993, pp. 69-70).

sábado, 4 de abril de 2009

Anna Swir

Uma conversa nocturna muito triste



"Devias ter muitos amantes."
"Eu sei, querido."
"Eu tive muitas mulheres."
"Eu tive homens, querido."
"Estou acabado."
"Sim, querido."
"Não confies em mim."
"Não confio, querido."
"Tenho medo da morte."
"Eu também, querido."
"Não me vais deixar."
"Não, querido."
"Estou só."
"Também eu, querido."
"Abraça-me."
"Boa noite, querido."



(versão minha, a partir da tradução do polaco para o inglês de Czeslaw Milosz e Leonard Nathan, reproduzida em The poetry of survival, introdução e organização de Daniel Weissbort, Peguin, Londres, 2ª edição, 1993, p. 69).

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Gerald Fleming

Longo casamento



Estás preocupado, por isso acorda-la
e falas para o escuro:
Pensas que tenho um cancro, dizes,
ou Havia vermes
naquela carne, ou Achas
que o nosso filho está bem, e é
realmente maravilhoso - quase
sagrado o modo como sentes
a carga da tua preocupação passar
miraculosamente de ti para ela -
Ui, o som da chuva é tão belo,
dizes - Vou voltar a adormecer.



(versão minha; o original pode ser lido aqui).

segunda-feira, 30 de março de 2009

Daiva Cepauskaite

Poesia



Eu sou uma vaca chamada Poesia,
dou algum leite,
normalmente com 2,5% de gordura,
às vezes consigo mesmo
espremer cá para fora 3%,
sinto-me orgulhosa por tudo ser processado
com a mais avançada tecnologia
e por ver as embalagens tetrapack
chegarem aos consumidores pouco exigentes,
estou doente com todas as doenças
não conhecidas das coisas vivas
e exposta com cuidadosa minúcia
nos compêndios veterinários,
pasto em boa companhia
(o colectivo é amigável,
não há barreiras de línguas),
tenho medo dos moscardos e dos especialistas em zoologia,
e posso ser útil também de outras maneiras -
quando chega o frio, quando defeco,
se escalares o meu monte
vais sentir o calor
a subir desde os pés
até cima até à parte de trás da tua cabeça.



(versão minha, a partir da tradução do lituano para o inglês de Jonas Zdanys, reproduzida em A Fine Line - new poetry from Eastern & Central Europe, organização e selecção de Jean Boase-Beier, Alexandra Büchler & Fiona Sampson, Arc Publications, Todmorden /Lancs, 2004, p. 75).

sexta-feira, 27 de março de 2009

Roger McGough

Seja este outro poema



Eles não te fodem a vida, a mamã e o papá
(Apesar do que Larkin diz)
Isso é com outros, adultos ou rapazes
Que, cada um à sua maneira,

Morrem. E a sua morte espalha uma sombra
Que marca todos os nossos dias,
E nós tentamos escapar à loucura
De múltiplas maneiras.

E, graças a Deus, a maior parte de nós consegue,
Por isso se para cunhar uma expressão
Te sentes fodido não culpes a mamã e o papá
(Apesar do que Larkin diz).



(versão minha; original reproduzido em Collected poems, Peguin, Londres, 2004, 2ª ed. (?), p. 291).

quinta-feira, 26 de março de 2009

Miroslav Holub

Napoleão



Crianças, quando nasceu
Napoleão Bonaparte?
pergunta o professor.

Há mil anos, dizem as crianças.
Há cem anos, dizem as crianças.
Ninguém sabe.

Crianças, o que fez
Napoleão Bonaparte?
pergunta o professor.

Venceu uma guerra, dizem as crianças.
Perdeu uma guerra, dizem as crianças.
Ninguém sabe.

O homem do talho tinha um cão,
diz o Francisco,
e o seu nome era Napoleão,
e o homem do talho costumava bater-lhe,
e o cão morreu
de fome
há um ano.

E agora todas as crianças sentem pena
de Napoleão.



(versão minha, a partir da tradução inglesa de K. Polácková, reproduzida em The poetry of survival, introdução e organização de Daniel Weissbort, Peguin, Londres, 1991, p. 170).

terça-feira, 24 de março de 2009

Tess Gallagher

Deixo de escrever o poema



para dobrar a roupa. Não importa quem viva
ou morra, continuo a ser uma mulher.
Terei sempre muito que fazer.
Dobro as mangas da sua
camisa. Nada pode interomper
a nossa ternura. Voltarei
ao poema. Voltarei a ser
uma mulher. Mas por agora
há uma camisa, uma camisa gigantesca
nas minhas mãos e, algures, uma pequena rapariga
ao lado da sua mãe
observando-a para ver como se faz.



(versão minha, a partir do original e da tradução espanhola de Eduardo Moga, reproduzidos em El puente que cruza la luna, Bartleby Editores, Madrid, 2006, p. 88).

segunda-feira, 23 de março de 2009

Vorea Ujko

És muito bela



És muito bela, rapariga,
Mas o amor entre nós
É impossível
Porque, aqui entre nós,
Em tempos amei a tua mãe
Que, tal como tu, foi muito bela.



(versão minha, a partir da tradução inglesa de Robert Elsie, reproduzida em An Elusive Eagle Soars - anthology of modern albanian poetry, organização, tradução e introdução de Robert Elsie, Forest Book/Unesco, Londres, 1993, p. 60).

quarta-feira, 18 de março de 2009

Richard Jones

Toalhas brancas


Estive a estudar a diferença
entre a solidão e o estar só,
estive a contar a história da minha vida
às toalhas brancas e limpas, ainda quentes da máquina de secar.
Agora carrego-as pela casa
como se fossem minhas filhas
adormecidas nos meus braços.




(versão minha; original reproduzido em Poetry 180, a turning back to poetry, organização e introdução de Billy Collins, Random House, Nova Iorque, 2003, p. 42).

domingo, 15 de março de 2009

Bardhyl Londo

Crónica de um caso amoroso



Na segunda conhecemo-nos. Dissemos os nossos nomes
um ao outro.
Na terça tornámo-nos amigos. Sorrimos.
Na quarta fizemos amor. Perdemo-nos.
Na quinta tivemos uma discussão. Ficámos tristes.
Na sexta revimos os nossos últimos dias como se fossem um filme.
No sábado procurámos maneiras de nos reencontrarmos.
No domingo redescobrimos o nosso amor, como Colombo.

E depois era segunda outra vez.




(versão minha a partir da tradução inglesa de Robert Elsie, reproduzida em An Elusive Eagle Soars - anthology of modern albanian poetry, organização, tradução e introdução de Robert Elsie, Forest Book/Unesco, 1993, p. 169).

terça-feira, 10 de março de 2009

Paul Muldoon

Por que se foi Brownlee



Por que se foi Brownlee e para onde
É, ainda hoje, um mistério.
Se havia homem que deveria estar satisfeito,
Seria ele; quase um hectare de cevada,
Meio de batatas, quatro novilhos,
Uma vaca leiteira, uma casa de xisto.
A última vez que foi visto ia lavrar,
Numa clara madrugada de Março.

Ao meio-dia Brownlee era famoso:
Tinham encontrado tudo abandonado,
O último sulco por abrir, a parelha de cavalos
Pretos, como marido e mulher,
Alternando o peso ora numa pata ora
Noutra, olhando fixamente o futuro.



(versão minha, a partir do original e da tradução para espanhol de Dámaso López Garcia, reproduzidos em Indecisiones, Visor Libros, Madrid, 2004, pp. 50-51).

sábado, 7 de março de 2009

Ted Kooser

Escolhendo uma leitora



Em primeiro lugar, gostaria que fosse bonita,
e chegasse à minha poesia de forma cuidadosa,
no momento mais solitário de uma tarde,
o cabelo ainda húmido junto ao pescoço
por o ter lavado. Deveria trazer vestida
uma velha gabardina, e suja
por não ter dinheiro para a mandar limpar.
Então tirará os óculos e, já
na livraria, manuseará
os meus poemas, depois recolocará o livro
na prateleira. Dirá a si mesma,
"Por esta quantia, vou mas é mandar
limpar a gabardina." E vai.



(versão minha; original reproduzido em Poetry 180, a turning back to poetry, organização e introdução de Billy Collins, Random House, Nova Iorque, 2003, p. 4; e aqui).

quinta-feira, 5 de março de 2009

Ted Kooser

Um aniversário feliz



Ao entardecer sentei-me junto de um janela
aberta e li até que a luz se foi e o livro
já não era mais do que uma parte da escuridão.
Eu podia ter acendido facilmente um candeeiro,
mas quis conduzir este dia bem para dentro da noite,
sentar-me sozinho e sossegar a página ilegível
com o fantasma pálido e cinzento da minha mão.



(versão minha; o original pode ser lido aqui e relido aqui).

terça-feira, 3 de março de 2009

Azem Shkreli

Montão



Deixem a minha erva crescer sobre a minha cabeça
Sobre a minha cabeça deixem a minha erva crescer
A minha erva sobre a minha cabeça deixem-na crescer

Deixem-na crescer
Deixem crescer a minha erva sobre a minha cabeça



(versão minha, a partir da tradução inglesa de Robert Elsie, reproduzida em An Elusive Eagle Soars - anthology of modern albanian poetry, tradução e organização de Robert Elsie, Forest Book/Unesco, Londres, 1993, p. 99).

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Javier Salvago

Tesouro divino



A juventude passou.
Bem está o que acabou.
Não voltaria a ser jovem
nem que mo pagassem.

Pôr-me a andar de novo
pelo caminho trilhado
dos sonhos ilusórios
e das vagas verdades?

Começar outra vez
as velhas batalhas
e as suas velhas feridas?
Voltar às caminhadas

pela noite, pelo inferno,
ao gosto pela má
vida? Fazer de tudo,
que é comédia, um drama?

Voltar a alimentar-me
de mitos e falácias,
de modas e frenesim,
de palavras gastas?

Carregar aos ombros
a fastidiosa carga
de ser interessante,
original?... Que disparate!

Confiar, como ontem,
na vã esperança
de que tudo será
melhor amanhã?

Ter toda a vida
pela frente - tão longa -,
e o que já passou
não ser nem metade?

A juventude foi-se.
Fica bem o que acaba.
Não voltarei a ser jovem,
graças a Deus.



(Outubro, 1996)



(versão minha; poema do livro Variaciones y reincidencias, de 1997, que pode ser lido algures aqui).

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Ismail Kadare

Horários de comboios



Gosto da companhia desses horários dos comboios nas pequenas estações
Enquanto espero na plataforma húmida e contemplo a infinitude dos carris.
O uivo distante de uma locomotiva. O quê, o quê?
(Ninguém compreende a nebulosa linguagem das máquinas
a vapor)

Comboios de passageiros. Cisternas. Vagões cheios de minério
Passam sem cessar.
Assim passam os dias da tua vida pela estação do teu ser,
Cheios de vozes, ruídos, sinais
E do pesado minério da memória.




(versão minha a partir da tradução inglesa de Robert Elsie, reproduzida em An Elusive Eagle Soars - anthology of modern albanian poetry, organização, tradução e introdução de Robert Elsie, Forest Book/Unesco, Londres, p. 1993, p. 84).

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Fatos Arapi

A vida



A vida é uma estação de comboios feita de separações
e encontros.
Nós somos viajantes em constante movimento,
Transportando nas mãos a nossa inseparável bagagem,
Uma pequena mala
Cheia de contendas, fúrias e memórias.




(versão minha a partir da tradução de Robert Elsie, reproduzida em An Elusive Eagle Soars - anthology of modern albanian poetry, organização, introdução e tradução de Robert Elsie, Forest Book/Unesco, Londres, 1993, p. 40).

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Mark Strand

Manter as coisas intactas



Num campo
eu sou a ausência
de campo.
Este é
sempre o caso.
Onde quer que esteja
sou aquilo que falta.

Quando caminho
separo o ar
e o ar move-se
para ocupar os espaços
onde o meu corpo esteve.

Todos temos razões
para nos movermos.
Eu movo-me
para manter as coisas intactas.



(versão minha; o original pode ser lido aqui).

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Dritëro Agolli

Trabalho



Debaixo das suas unhas a sujidade era azul escura,
Sujidade vinda dos campos e dos prados,
Azul como as linhas no globo,
Como as cordas de um violino.
No banho não se pôde lavar
Com água e sabão.
Sujidade que penetrou nos sulcos dessas mãos silenciosamente
Como um arado rasgando a terra.
Eu conheço estes dedos tépidos,
Estes dedos bons.
As unhas do meu pai estavam azuis desta sujidade
Mesmo quando ele repousava no seu caixão.
Parecia não estar verdadeiramente morto,
Mas simplesmente a dormitar antes de ir para os campos
Por onde andaria até amanhecer,
Deitando-se de costas com a cabeça entre as palmas das suas mãos.




(versão minha, a partir da tradução inglesa de Robert Elsie, reproduzida em An Elusive Eagle Soars - anthology of modern albanian poetry, organização, tradução e introdução de Robert Elsie, Forest Book/Unesco, Londres, 1993, p. 56).

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Dritëro Agolli

A pequena burguesia



Para quê tanta gritaria?
podemos sentar-nos na cozinha;
A comida cheira bem, não teremos fome;
Se tivermos sede,
podemos beber;
Se as nossas unhas crescerem demasiado,
podemos cortá-las!




(versão minha, a partir da tradução inglesa de Robert Elsie, reproduzida em An Elusive Eagle Soars - anthology of modern albanian poetry, organização, tradução e introdução de Robert Elsie, Forest Book/Unesco, Londres, 1993, p. 47).

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Martin Camaj

A minha terra



Quando morrer possa eu tornar-me erva
Da primavera nas minhas montanhas,
No outono serei semente.

Quando morrer possa eu tornar-me água,
A minha nebulosa respiração
Cairá sobre os prados como chuva.

Quando morrer possa eu tornar-me pedra,
Nos limites da minha terra
Possa ser eu um ponto de referência.



(versão minha, a partir da tradução inglesa de Robert Elsie, reproduzida em An Elusive Eagle Soars - anthology of modern albanian poetry, organização, tradução e introdução de Robert Elsie, Forest Book/Unesco, Londres, 1993, p. 32).

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Gareth Owen

Sem empreghabilidade



"Eu eshtumava tabalhá no cicu",
Disse ele
Por entre as saraivadas de gafanhotos expelidos pela sua boca.
"Oh", disse eu, "e o que fazia?"
"Eu eshtumava apanhá balash cosh dentsh".



(versão minha; original reproduzido em Strictly private - an anthology of poetry, selecção e organização de Roger McGough, Peguin/Puffin Books, Harmondsworth, 5ª reimpressão, 1987, p. 157

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Mark Strand

Comendo poesia



A tinta escorre pelos cantos da minha boca.
Não há felicidade igual à minha.
Estive a comer poesia.

A bibliotecária não acredita no que vê.
Os seus olhos são tristes
e ela caminha com as mãos no vestido.

Os poemas desapareceram.
A luz é baça.
Os cães estão nas escadas da cave e sobem.

Os seus globos oculares reviram-se,
as suas pernas ruças ardem como lenha.
A pobre bibliotecária começa a bater os pés e a verter lágrimas.

Ela não compreende.
Quando me ajoelho e lhe lambo a mão
põe-se aos gritos.

Sou um homem novo.
Rosno-lhe e ladro.
E brinco alegremente no meio da escuridão livresca.



(versão minha; o original pode ser lido aqui).

sábado, 24 de janeiro de 2009

Goran Simic

Uma história de amor



A história de Bosko e Amira -
fugindo de Sarajevo tentaram atravessar uma ponte
cheios de esperança de que do outro lado
o maldito passado aparecesse com novas formas
que tornassem possível a existência de um futuro para eles -
foi o acontecimento mediático da Primavera.
A morte estava à sua espera no meio da ponte.
O homem que puxou o gatilho usava uniforme
e nunca foi acusado de homicídio.
Toda a imprensa mundial escreveu sobre eles.
Artigos italianos falaram do Romeu e da Julieta da Bósnia.
Jornalistas franceses louvaram a inseparabilidade do amor
capaz de rasgar as fronteiras políticas.
Os americanos reconheceram neles o símbolo comum
de duas nações divididas por uma ponte.
Os britânicos viram os seus cadáveres como exemplo
do absurdo das guerras.
E os russos permaneceram em silêncio.
As fotografias dos dois amantes espalharam-se
na florescente Primavera.
Só o meu amigo bósnio Prsic
que protegia a ponte
foi forçado a ver como dia após dia
os vermes as falsas verdades e os corvos
devoraram os corpos inchados de Bosko e Amira.
Eu ouvi-o blasfemar
quando o vento primaveril trouxe do outro lado da ponte
o fedor nauseabundo da deterioração
e o obrigou a colocar uma máscara de gás.
Mas isto não o mencionou nenhum jornal.



(versão minha, a partir da tradução inglesa - em segunda mão - de C. Polony, que pode ser lida algures aqui).

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Sharon Olds

Topografia



Depois de termos voado e cruzado o país
chegámos juntos à cama e deitámos
delicadamente os nossos corpos, como mapas dobrados
face a face, o Leste com o Oeste, a minha
São Francisco contra a tua Nova Iorque, a tua
Fire Island contra a minha Sonoma, a minha
Nova Orleães bem dentro do teu Texas, o teu Idaho
a resplandecer nos meus Grandes Lagos, o meu Kansas
a arder contra o teu Kansas o teu Kansas
a arder contra o meu Kansas, o teu fuso
horário de Leste pressionando o meu
Tempo Pacífico, o meu Tempo da Montanha
embatendo contra o teu Tempo da Pradaria, o teu
sol nascendo velozmente vindo da direita o meu
sol nascendo velozmente a partir da esquerda a tua
lua surgindo lentamente vinda da esquerda a minha
lua surgindo lentamente a partir da direita até
que os quatro corpos celestes
se incendeiam sobre nós, fundindo-nos,
todas as nossas cidades geminadas,
todos os nossos estados unidos, uma
nação indivisível, com liberdade e justiça para todos.



(versão minha; o original pode ser lido aqui; da autora foi traduzido para português, por Margarida Vale de Gato, o seu primeiro livro Satan says: Satanás diz, Antígona, Lisboa, 2004).

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Izet Sarajlic

Herança



Os nossos antepassados deixaram-nos como herança
Schönbrunns,
Palácios de Inverno,
Pontes Carlos,
Praças de São Marcos,
e nem vou mencionar
os gigantescos Palácios de Westminster
nem
os Dramas de Shakespeare,
os romances de Tolstoi,
a suite nº 3 de Bach,

mas que deixaremos nós
aos nossos descendentes
como herança?

Snack-bares,
bombas de gasolina,
garagens,

e um ou outro anti-romance.




(versão minha a partir da tradução inglesa de Frans Vincke-Germain Droogenbroodt que pode ser lida aqui.)

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Izet Sarajlic

Desde há tempos



Desde há tempos
que não me interessa em absoluto a poesia.

Interessa-me a vida.

Os piores lugares em poesia são, na realidade, a poesia.

Assim que a vida irrompe na poesia,
os versos, quase sem a intervenção do autor,
convertem-se em poesia.



(versão minha, a partir da tradução do servo-croata para o espanhol de Juan Vicente Piqueras que pode ser lida aqui).

domingo, 11 de janeiro de 2009

Zozan Hawez

Auto-retrato



Nascido numa família segura
Mas em terra perigosa, o Iraque,
Ouvi o som das armas desde pequeno, tão pequeno
Que foi decidido que iríamos para lugar seguro
Então encaixotámos as nossas coisas
E fomos para bem longe.

Agora, na cidade da chuva,
Procuro esquecer o meu passado,
Mas as memórias não se apagam.

Esta é a minha vida,
Não é assim por acaso,
Não sou assim por acaso.



(versão minha; o original pode ser lido aqui, onde se pode ler também que Zozan Hawez é um jovem refugiado político iraquiano, que estuda numa escola secundária em Tukwila, Washington, EUA).

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Raymond Carver

O privilégio



Ou isto ou ir caçar linces
com o meu amigo Morris.
Tentar escrever um poema às seis
da manhã ou correr
atrás dos cães de caça com
uma espingarda nas mãos.
O coração dando saltos na sua jaula.
Tenho 45 anos. Não tenho ocupação.
Imagina o luxo desta vida.
Tenta imaginá-lo.
Pode ser que lhe faça companhia se for
amanhã. Mas pode ser que não.



(Versão minha a partir do original e da tradução para espanhol de Jaime Priede, reproduzidos em Todos nosotros, Bartleby Editores, Madrid, 4ª edição, 2007, pp. 102).

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Jay Ruzesky

Tiramos fotografias



Fazendo o meu melhor James Dean pela avenida.
Os ombros espetados,
o cigarro apertado ao canto da boca,
a gola levantada, as mãos nos bolsos do grande
e comprido casaco, franzindo
as sobrancelhas.
Caminhando sob os chuviscos.
Fotografamo-nos
ao espelho; compomos imagens na intimidade.
Aguardando pela Fúria de Viver
apanho-me
entre dois manequins nus
na montra de uma loja,
o fecho de correr aberto.
Clique.



(versão minha dedicada a jpb; original reproduzido em In the Clear, a contemporary canadian poetry anthology, selecção e organização de Allan Forrie, Patrick O'Rourke, Glen Sorestad, Thistledown Press Ltd., 2ª impressão, Saskatoon, 2006, pp. 207-208).