quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Gareth Owen

Sem empreghabilidade



"Eu eshtumava tabalhá no cicu",
Disse ele
Por entre as saraivadas de gafanhotos expelidos pela sua boca.
"Oh", disse eu, "e o que fazia?"
"Eu eshtumava apanhá balash cosh dentsh".



(versão minha; original reproduzido em Strictly private - an anthology of poetry, selecção e organização de Roger McGough, Peguin/Puffin Books, Harmondsworth, 5ª reimpressão, 1987, p. 157

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Mark Strand

Comendo poesia



A tinta escorre pelos cantos da minha boca.
Não há felicidade igual à minha.
Estive a comer poesia.

A bibliotecária não acredita no que vê.
Os seus olhos são tristes
e ela caminha com as mãos no vestido.

Os poemas desapareceram.
A luz é baça.
Os cães estão nas escadas da cave e sobem.

Os seus globos oculares reviram-se,
as suas pernas ruças ardem como lenha.
A pobre bibliotecária começa a bater os pés e a verter lágrimas.

Ela não compreende.
Quando me ajoelho e lhe lambo a mão
põe-se aos gritos.

Sou um homem novo.
Rosno-lhe e ladro.
E brinco alegremente no meio da escuridão livresca.



(versão minha; o original pode ser lido aqui).

sábado, 24 de janeiro de 2009

Goran Simic

Uma história de amor



A história de Bosko e Amira -
fugindo de Sarajevo tentaram atravessar uma ponte
cheios de esperança de que do outro lado
o maldito passado aparecesse com novas formas
que tornassem possível a existência de um futuro para eles -
foi o acontecimento mediático da Primavera.
A morte estava à sua espera no meio da ponte.
O homem que puxou o gatilho usava uniforme
e nunca foi acusado de homicídio.
Toda a imprensa mundial escreveu sobre eles.
Artigos italianos falaram do Romeu e da Julieta da Bósnia.
Jornalistas franceses louvaram a inseparabilidade do amor
capaz de rasgar as fronteiras políticas.
Os americanos reconheceram neles o símbolo comum
de duas nações divididas por uma ponte.
Os britânicos viram os seus cadáveres como exemplo
do absurdo das guerras.
E os russos permaneceram em silêncio.
As fotografias dos dois amantes espalharam-se
na florescente Primavera.
Só o meu amigo bósnio Prsic
que protegia a ponte
foi forçado a ver como dia após dia
os vermes as falsas verdades e os corvos
devoraram os corpos inchados de Bosko e Amira.
Eu ouvi-o blasfemar
quando o vento primaveril trouxe do outro lado da ponte
o fedor nauseabundo da deterioração
e o obrigou a colocar uma máscara de gás.
Mas isto não o mencionou nenhum jornal.



(versão minha, a partir da tradução inglesa - em segunda mão - de C. Polony, que pode ser lida algures aqui).

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Sharon Olds

Topografia



Depois de termos voado e cruzado o país
chegámos juntos à cama e deitámos
delicadamente os nossos corpos, como mapas dobrados
face a face, o Leste com o Oeste, a minha
São Francisco contra a tua Nova Iorque, a tua
Fire Island contra a minha Sonoma, a minha
Nova Orleães bem dentro do teu Texas, o teu Idaho
a resplandecer nos meus Grandes Lagos, o meu Kansas
a arder contra o teu Kansas o teu Kansas
a arder contra o meu Kansas, o teu fuso
horário de Leste pressionando o meu
Tempo Pacífico, o meu Tempo da Montanha
embatendo contra o teu Tempo da Pradaria, o teu
sol nascendo velozmente vindo da direita o meu
sol nascendo velozmente a partir da esquerda a tua
lua surgindo lentamente vinda da esquerda a minha
lua surgindo lentamente a partir da direita até
que os quatro corpos celestes
se incendeiam sobre nós, fundindo-nos,
todas as nossas cidades geminadas,
todos os nossos estados unidos, uma
nação indivisível, com liberdade e justiça para todos.



(versão minha; o original pode ser lido aqui; da autora foi traduzido para português, por Margarida Vale de Gato, o seu primeiro livro Satan says: Satanás diz, Antígona, Lisboa, 2004).

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Izet Sarajlic

Herança



Os nossos antepassados deixaram-nos como herança
Schönbrunns,
Palácios de Inverno,
Pontes Carlos,
Praças de São Marcos,
e nem vou mencionar
os gigantescos Palácios de Westminster
nem
os Dramas de Shakespeare,
os romances de Tolstoi,
a suite nº 3 de Bach,

mas que deixaremos nós
aos nossos descendentes
como herança?

Snack-bares,
bombas de gasolina,
garagens,

e um ou outro anti-romance.




(versão minha a partir da tradução inglesa de Frans Vincke-Germain Droogenbroodt que pode ser lida aqui.)

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Izet Sarajlic

Desde há tempos



Desde há tempos
que não me interessa em absoluto a poesia.

Interessa-me a vida.

Os piores lugares em poesia são, na realidade, a poesia.

Assim que a vida irrompe na poesia,
os versos, quase sem a intervenção do autor,
convertem-se em poesia.



(versão minha, a partir da tradução do servo-croata para o espanhol de Juan Vicente Piqueras que pode ser lida aqui).

domingo, 11 de janeiro de 2009

Zozan Hawez

Auto-retrato



Nascido numa família segura
Mas em terra perigosa, o Iraque,
Ouvi o som das armas desde pequeno, tão pequeno
Que foi decidido que iríamos para lugar seguro
Então encaixotámos as nossas coisas
E fomos para bem longe.

Agora, na cidade da chuva,
Procuro esquecer o meu passado,
Mas as memórias não se apagam.

Esta é a minha vida,
Não é assim por acaso,
Não sou assim por acaso.



(versão minha; o original pode ser lido aqui, onde se pode ler também que Zozan Hawez é um jovem refugiado político iraquiano, que estuda numa escola secundária em Tukwila, Washington, EUA).

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Raymond Carver

O privilégio



Ou isto ou ir caçar linces
com o meu amigo Morris.
Tentar escrever um poema às seis
da manhã ou correr
atrás dos cães de caça com
uma espingarda nas mãos.
O coração dando saltos na sua jaula.
Tenho 45 anos. Não tenho ocupação.
Imagina o luxo desta vida.
Tenta imaginá-lo.
Pode ser que lhe faça companhia se for
amanhã. Mas pode ser que não.



(Versão minha a partir do original e da tradução para espanhol de Jaime Priede, reproduzidos em Todos nosotros, Bartleby Editores, Madrid, 4ª edição, 2007, pp. 102).

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Jay Ruzesky

Tiramos fotografias



Fazendo o meu melhor James Dean pela avenida.
Os ombros espetados,
o cigarro apertado ao canto da boca,
a gola levantada, as mãos nos bolsos do grande
e comprido casaco, franzindo
as sobrancelhas.
Caminhando sob os chuviscos.
Fotografamo-nos
ao espelho; compomos imagens na intimidade.
Aguardando pela Fúria de Viver
apanho-me
entre dois manequins nus
na montra de uma loja,
o fecho de correr aberto.
Clique.



(versão minha dedicada a jpb; original reproduzido em In the Clear, a contemporary canadian poetry anthology, selecção e organização de Allan Forrie, Patrick O'Rourke, Glen Sorestad, Thistledown Press Ltd., 2ª impressão, Saskatoon, 2006, pp. 207-208).