segunda-feira, 28 de março de 2011

Charles Simic

Um livro cheio de imagens



O meu pai estudava teologia por correspondência
E era a época de exames.
A minha mãe fazia renda. Eu sentava-me sossegado com um livro
Cheio de imagens. Caiu a noite.
As minhas mãos ficaram frias de tocar as caras
De reis e rainhas mortos.

Havia uma gabardine negra
[no quarto de cima
A balouçar no tecto,
Mas o que faria ali?
As grandes agulhas da mãe cruzavam-se velozmente.
Eram negras
Como o interior da minha cabeça nessa altura.

As páginas que virava faziam um som de asas.
"A alma é um pássaro", disse ele uma vez.
No meu livro cheio de imagens
Uma batalha fervilhava: lanças e espadas
Pareciam uma floresta no inverno
Com o meu coração cravado e sangrando nos ramos.



(Versão inédita de António Ladeira; o original pode ser lido aqui).

2 comentários:

Carol Timm disse...

LP,

Esse poema me trouxe muitas lembranças, algumas que nem vivi.

Bjs,
Carol

Lp disse...

Ainda bem; é para isso que (nos) servem os poemas...