sábado, 17 de setembro de 2011

Elena Fanailova

O álbum de Frida Kahlo



(Pálida) Frida senta-se com uma touca, senta-se junto à tela,
Uma saia rendada, avental, brincos, tranças em espiral,
A morte na sua mão esquerda, Diego decapitado na direita,
Um cordão umbilical liga-os, as veias, os filamentos que parecem cabos eléctricos,
Uma bola de cristal suspensa por um fio mais atrás
Mostrando céus, aposentos, pessoas, um oceano,
O seu coração pára, pulsa na garganta,
A erva cobriu-lhe a cama,
Frida senta-se nela como um ídolo de pedra.
No ar paira uma Mãe de Deus, uma Frida crucificada jaz num berço,
Uma Frida crucificada estende-se ali
Diego está com Paulette Goddard
Frida senta-se como uma rainha, xailes, pregadeiras, flores no cabelo,
Reparem nas suas lágrimas, nas medalhas, pulseiras, contas, bordados, fitas, pendentes, franjas,
Bonecas mortas deitadas ao seu lado, imagens (retratos) de líderes
penduradas na cabeceira da cama,
Frida senta-se ali sustentada por aduelas, coberta de crostas,
A erva cobre-lhe a cama
A erva emerge da sua cabeça
Diego está com María Felix
Frida está vestida como um rapazinho, vejam os cigarros,
as pedras, os cristais, pedacinhos de mica,
O seu macaco abraça-a, os seus papagaios, mulheres afogando-se no ar,
Estrelas nas suas orelhas, espelhos no jardim, laços,
Cadáveres, corças, estranhas raças de cães,
O falecido Príncipe Dimas
Anjos ceifados pelo coração,
perfurados através do peito dela
Frida está com Lucienne Bloch
Frida está com Eva Frederick
Frida está em casa com a sua mulher Lupe Marín
Frida está num berço, Diego está de luto,
reparem nas cartas, casamento,
casa-que-mente,
Há duas Fridas, Fridas duas há



(Versão minha a partir da tradução inglesa de Stephanie Sandler reproduzida em An anthology of contemporary russian women poets, selecção de Valentina Polukhina e Daniel Weissbort, University of Iowa, Iowa City, 2005, pp.37-38).


2 comentários:

Memória transparente disse...

Um local de passagem obrigatória, sem rede.
Agradeço em nome da poesia, o seu continuo, determinado e silencioso trabalho.

Lp disse...

Muito obrigado (mas são os poemas e os poetas que fazem a maior parte do "trabalho"...).