domingo, 23 de maio de 2010

Jordi Virallonga

Confessar tudo



Queria dizer-te
que nunca passeei com ela,
que nenhuma montra devolveu a nossa silhueta reunida
nem o seu peito pressionou com o seu mudo acordeão os nossos cristais,

que nunca contemplei a sua nudez em lugares inquietantes,
que nem sequer sei o seu nome,
que não sei do que me estás a falar.

Queria dizer-te que não é verdade,
que no domingo andei a passear sozinho com o cão,
que o cão nunca a quis.

Queria dizer-te que nunca viveu comigo,
que deverias saber o que eu sei,
que era feia, corcunda e reaccionária,

dizer-te que sempre te fui fiel,
que nunca existiu,
que nunca jamais a quis.




(Versão minha; original reproduzido em Por vivir aquí - antologia de poetas catalanes en castellano (1980-2003), organização de Manuel Rico, prólogo de Manuel Vásquez Montálban, Bartleby, Madrid, 2003, p. 132).

6 comentários:

Cristina Gomes da Silva disse...

Bom dia! Uma belíssima confissão em forma de poema. :)

Brasilino Pires disse...

Quisesse dizer-te?
Ou queria dizer-te?
Como está no original, quisiera?

Lp disse...

Quisiera, sim (imperfeito do conjuntivo em português, portanto). Qual a melhor opção?

Brasilino Pires disse...

Na minha opinião (de aprendiz, ou nem isso), a tradução é: queria dizer-te.
A propósito, parabéns pelo blogue.

Lp disse...

Obrigado pela sugestão; em português a tradução literal, de facto, não soa grande coisa... talvez assim a "traição" seja menos grave.

João Luís Barreto Guimarães disse...

Faz lembrar um poema de Luis Alberto de Cuenca

http://poesiailimitada.blogspot.com/search/label/LUIS%20ALBERTO%20DE%20CUENCAa